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''Vamos sair mais fortes da crise''

Kees Kruythoff: Presidente da Unilever Brasil; Executivo afirma que a turbulência global não vai atrapalhar a meta de tornar o Brasil a segunda maior operação da Unilever

Foto do author Alexandre Calais
Por Marianna Aragão e Alexandre Calais
Atualização:

Há pouco mais de um ano e meio no Brasil, o holandês Kees Kruythoff, de 40 anos, presidente da Unilever Brasil, tem plena convicção de que terá sucesso no enorme desafio que criou para a filial brasileira. Pego de surpresa pela crise global, que estourou apenas alguns meses depois de iniciar sua gestão, o jovem executivo garante que os percalços não vão sequer atrasar sua meta de transformar a operação brasileira na segunda maior do grupo Unilever no mundo até 2012. Com faturamento de R$ 10,2 bilhões em 2008 - 5% mais que no ano anterior -, a operação da Unilever no Brasil é hoje a terceira maior da multinacional, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido. "A crise não mudou em nada nossos planos", afirma Kruythoff. Os planos têm nome e sobrenome. O projeto "Unilever Brasil 2012", planejamento estratégico traçado pela companhia, é a obsessão de Kruythoff e dos diretores da empresa. O objetivo da empresa é ganhar participação de mercado, ampliar o portfólio e ganhar escala de produção. "O ganho de posição no xadrez global da companhia é a consequência", explica o executivo, que pôs o plano em prática a partir do início deste ano. As primeiras mudanças, porém, já vêm desde o ano passado. De estilo agressivo e inquieto, Kruythoff provocou uma transformação na cultura da empresa, um mastodonte com 12 fábricas no País e 12 mil empregados. Fez questão de envolver todos os funcionários de nível gerencial na definição das estratégias da empresa. Mas não foi um processo sem turbulência. Nem todos se adaptaram às novas exigências, e cerca de 40% dos 50 diretores deixaram a empresa desde o ano passado. "As pessoas que foram acostumadas à outra cultura foram embora espontaneamente", diz. Muitos percalços, no entanto, ainda se apresentam no caminho da Unilever Brasil. Um dos principais é elevar a lucratividade da companhia, ainda baixa, apesar do peso da operação no negócio global. Criar mais produtos de maior valor agregado será uma das saídas para resolver esse quebra-cabeça. Para ganhar escala, o executivo pretende continuar investindo - mesmo com a crise. Em novembro, auge da turbulência financeira mundial, a companhia anunciou investimentos de R$ 85 milhões em uma nova fábrica em Pernambuco. E, em português com forte sotaque, entremeado por frases em inglês, o executivo faz questão de dizer ter plena confiança de que tanto a Unilever quanto o Brasil vão sair mais fortes dessa crise do que estavam quando tudo começou. A seguir, os principais trechos da entrevista: O sr. assumiu a Unilever Brasil apenas um pouco antes do início da crise global. Como isso impactou sua gestão? Quando se está atravessando um momento fantástico, é preciso ter um plano, uma estratégia. Mas, quando se está em um momento difícil, ter uma estratégia clara é ainda mais importante. Ter uma estratégia de longo prazo em um momento difícil te dá segurança para tomar decisões mais rapidamente. E essa tem sido a nossa tônica. Além disso, os fundamentos do Brasil são muito positivos, o que ajuda muito. No terceiro trimestre o País já deve voltar a crescer. O câmbio melhorou, o investimento está voltando. O desemprego foi de 7,8% para até 9%, e agora já voltou para 8,8%. O Brasil está relativamente muito forte. Mas qual foi o impacto da crise no desempenho da empresa nesse período? A nossa indústria, de bens de consumo, está melhor do que outros setores, como o de construção, automobilístico e de eletrodomésticos da linha branca. Não é uma crise linear. Está muito mais relacionada a operações lastreadas por crédito. Nosso negócio não depende de crédito. E o Brasil tem um mercado doméstico muito forte. Nós anunciamos em novembro, dois meses depois do início da crise, uma nova fábrica em Pernambuco, num investimento de R$ 85 milhões. Já fizemos no primeiro trimestre uma série de lançamentos no mercado e estamos investindo em mídia da mesma maneira. Então, quem está investindo consegue capturar mais benefícios em um momento de crise. Houve uma mudança de comportamento dos consumidores com a crise? A Unilever percebeu alguma migração para produtos mais baratos, marcas menos conhecidas? O primeiro pensamento de todos é que, com a crise, todo mundo vai migrar para a marca mais barata. Mas pegue como exemplo as nossas marcas de maionese Hellman?s e Arisco. Desde a crise, o market share da Hellman?s cresceu e o da Arisco, de menor valor, caiu um pouco. Isso é completamente diferente do que ocorre na Europa, onde as marcas próprias do varejo são muito fortes. Aqui, ainda temos a fortaleza das marcas. E os consumidores no Brasil têm uma outra atitude em relação à crise. "Crise? A gente tem crise todos os anos", é o que se pensa. Essa mentalidade ajuda muito também. E nós da Unilever também fomos ao mercado dizer que o Brasil continua caminhando, porque havia um pouco de medo no mercado. Agora, a gente sente os benefícios dessa atitude. Tenho certeza de que a Unilever e o Brasil vão sair mais fortalecidos dessa crise. O que mudou na Unilever Brasil após a sua chegada? Não houve uma reestruturação na empresa. Houve, sim, mudanças. A cultura está mudando incrivelmente. Temos perspectiva de longo prazo, preocupação com satisfação do cliente, cultura de se assumir riscos e tudo isso faz parte da mudança do espírito da organização. Nunca tivemos uma estratégia tão clara, que é fazer acontecer o projeto Unilever 2012. Mesmo se você tiver uma nova ideia fantástica, só vamos executá-la depois de 2013. Agora, estamos inteiramente focados no nosso plano. Ter uma estratégia assim tão clara é algo novo na empresa. Mas foi necessária uma mudança na diretoria, na equipe de gestão, para se chegar a isso? Dos nossos oito vice-presidentes, dois se aposentaram recentemente e um terceiro foi promovido. Então, três saíram e quatro entraram, já que um dos cargos foi dividido em dois, e estamos hoje com nove pessoas no board. Num nível abaixo, quase 40% de uma equipe de 50 diretores foi mudada. Mas isso ocorreu naturalmente. Nós somos muito agressivos, e algumas pessoas que estavam acostumadas à outra cultura disseram: "Essa cultura não é minha." Então, foram embora espontaneamente. Não podemos chamar isso de reestruturação. O que houve foi mudança de cultura. Apesar de a Unilever Brasil ser a terceira maior operação dentro do grupo Unilever, vocês mesmo admitem que a lucratividade da subsidiária não é proporcional a essa importância. O que está sendo feito para mudar isso? A primeira medida é investir no crescimento do portfólio. A segunda é valorizar os produtos premium, que trazem mais valor. Nosso programa de inovação está focado nisso. Além disso, temos de montar estratégias específicas para as diferentes regiões, para os diferentes canais de distribuição. Nesse setor de bens de consumo, o novo eldorado para as empresas é o Nordeste. Todos estão investindo ou planejam investir na região. Como está a Unilever no Nordeste? O Nordeste cresceu muito rápido no ano passado, e claramente tem uma importância muito grande dentro da nossa estratégia. Temos, por exemplo, uma marca, a Ala (detergente em pó), que só existe no Nordeste. Mas também o Sul tem crescido muito rápido. A realidade das commodities fez com que isso acontecesse. Então também é uma região que tem grande importância dentro da nossa estratégia. Essa segmentação da estratégia por regiões é uma novidade na Unilever Brasil? Não é exatamente uma novidade, mas nunca fizemos isso com tanta profundidade, no detalhe do detalhe. Isso facilita a execução. Como o sr. encara a concorrência? O Brasil tem um mercado muito atrativo. O nível de concorrência é forte porque as outras multinacionais também têm foco no Brasil. O nível de sofisticação das empresas locais também vai crescer, é normal. A Brasil Foods (união da Sadia com a Perdigão) é um grande exemplo disso. Essas mudanças são boas para o mercado, porque criam mais inovação e mais crescimento do mercado. Mas, quando se é líder, com é a Unilever em várias categorias de produtos, a empresa acaba virando caça... Acredito que isso não seja um problema. Temos a escala como uma vantagem competitiva. Podemos criar novos produtos, novos canais e ainda ter muita escala. Somos líderes, mas não temos postura arrogante, de empurrar preços, não inovar. Pelo contrário, a gente adora isso, essa adrenalina de criar, ser mais rápido, mais agressivo. Isso é parte da cultura. O sr. está no Brasil há um ano e meio. Como vê hoje o País? Adoro o Brasil. O povo é muito agradável. Essa energia que o País tem vem claramente do povo. Depois, há muitas oportunidades aqui. Muitas pessoas falam que esse é o País do futuro e que sempre vai ser. Eu também acho que é o País do futuro, mas que é agora que vai acontecer. Tenho uma filha brasileira e minha mulher está grávida de novo. A gente vai ter duas meninas brasileiras. A vida aqui é fantástica. Quem é: Kees Kruythoff É formado em Economia pela Erasmus University, de Roterdã Está na Unilever há 16 anos. Nesse período, passou por países como a China e África do Sul, onde ocupou o cargo de diretor da divisão de alimentos Assumiu a presidência da subsidiária da Unilever no Brasil em abril do ano passado CENÁRIO: "Os fundamentos (econômicos) do Brasil são muito positivos, o que ajuda muito" AÇÃO: "Quem investe consegue capturar mais benefícios em um momento de crise" MUDANÇA: "Quase 40% dos 50 diretores da empresa saíram, mas isso ocorreu naturalmente"

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