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‘Vamos todos sair mais pobres desta crise’, diz presidente da BR Partners

Ricardo Lacerda também vê eventual saída de Paulo Guedes do governo com ‘muita preocupação’; ele participou da série de entrevistas ‘Economia na Quarentena’, do ‘Estadão’

Foto do author Fernando Scheller
Por Fernando Scheller e Monica Scaramuzzo
Atualização:

Enquanto entes políticos brasileiros brigam, a crise sanitária do coronavírus se agrava no Brasil e empurra a economia global para a pior crise desde a Grande Depressão de 1929. Para o presidente do banco de investimento BR Partners, Ricardo Lacerda, é a hora de o brasileiro decidir prioridades: “A gente quer governos polarizando questões técnicas ou tentando amenizar um pouco a gravidade da situação, como a gente vê em outros países?”

Ricardo Lacerda, presidente da BR Partners Foto: JF DIORIO/ESTAD?O

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Buscar confluências é essencial até porque o executivo vê uma realidade imutável em relação à pandemia: “Todos sairemos mais pobres desta crise.” Nesse sentido, ele diz que é necessário mostrar que existe capacidade técnica no Brasil para lidar com o problema. Assim, quem sabe, o capital externo pode voltar ao País. “Precisa haver esforço para recuperar o interesse estrangeiro pelo nosso ambiente de negócios.”

Outra questão que preocupa o mercado financeiro atualmente – uma eventual saída do ministro da Economia, Paulo Guedes – também deixa Lacerda apreensivo. “O Paulo Guedes é hoje o grande fiador de redução do tamanho do Estado, de tentar coibir os abusos fiscais nesse tempo de pandemia. Acho que uma troca ministerial nesse momento seria uma solução péssima”, disse, durante a série de entrevistas ao vivo "Economia na Quarentena", do Estadão.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como a pandemia está afetando o ambiente de negócios no Brasil?

Temos de analisar que vivemos três crises: sanitária, econômica e política. A crise sanitária é uma crise global e grave, sobre a qual existe muita incerteza. Não é uma coisa feita contra o Brasil, não é armada, está custando vidas e é cercada de incertezas. A crise econômica também é grave e se manifesta numa retração do PIB (Produto Interno Bruto) muito violenta, como a gente não viu desde a Depressão de 1929. As previsões são de que o PIB deve se contrair entre 10% a 20% no segundo trimestre e, no ano, de 5% a 10% – o Brasil aí incluído. E isso impactou a dinâmica da dívida pública dos países, a dívida das empresas e das pessoas físicas. Todos sairemos mais pobres dessa crise. Para entender a crise política, é preciso voltar às duas últimas eleições presidenciais no Brasil, nas quais vimos muita polarização. Houve uma escalada da agressividade verbal. Essa divisão continuou durante o mandato do presidente Bolsonaro. E vemos claramente a intenção de adotar um discurso para agradar um público muito fiel que pode garantir, pelo menos, a participação (de Bolsonaro) no segundo turno das eleições de 2022. Mas essa polarização tem causado muita insegurança nessa.

Como o sr. avalia o combate da crise até aqui?

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Há algumas boas notícias – temos visto algumas reaberturas pelo mundo, uma estabilização do número de casos em vários países asiáticos. Estamos também vendo protocolos de tratamento e imunização do coronavírus bastante promissores. Então é possível que a gente entre em um ambiente ainda mais favorável. Na questão econômica, a atuação do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), que fez uma injeção muito violenta de dinheiro na economia. E isso levou o mercado financeiro a alguma recuperação. Com relação à questão política, é difícil vermos alguma coisa positiva. A crise econômica é agravada pela crise política.

Ao que parece, o governo federal vê o combate à crise de saúde e a recuperação econômica de forma dissociada. Neste momento, o foco deveria ser a crise sanitária? 

Nós já vivemos um ambiente de enorme incerteza. Na medida que as autoridades causam mais incerteza ainda, é um problema. Todo mundo entende que a dívida pública cresce, que vai haver um novo normal no que se refere ao endividamento. Porque todo mundo entende que tem de se gastar o que for necessário para salvar o máximo de vidas. Confundir a agenda de combate à pandemia com agenda ideológica gera insegurança nos investidores e nos empresários. Se a saída da crise vai se dar parcialmente pelo investimento, esse é o caminho errado.

O câmbio vem batendo recordes atrás de recordes. O que isso nos diz sobre o Brasil de hoje?

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O câmbio está extremamente desvalorizado. Deveria estar em R$ 4,60 ou R$ 4,80, e não a R$ 5,70. O governo tomou a decisão acertada de fazer uma injeção de capital grande na economia, reduzindo juros. Isso foi conduzido de forma impecável. Foi feito o que podia ser feito. E quando se faz uma redução de juros na magnitude que fizemos, a coisa tem de desaguar para outro lado. E esse lado foi o câmbio. É inevitável, mas também acho que o governo tem subestimado a questão do câmbio. E isso acabou dando origem à percepção de que o governo não iria defender a moeda. Essa volatilidade do real pode custar em termos de credibilidade com investidores. 

De que maneira?

Quando você tem um real três ou quatro vezes mais volátil do que outras moedas emergentes, o investidor se assusta. E se pergunta se, para correr esse risco, eu vou ter de cobrar um prêmio maior? E tem a questão fiscal. A gente vinha num cenário de recuperação da disciplina fiscal. Esse cenário foi para o espaço com os efeitos da pandemia. O que preocupa é o oportunismo político para promover gastos desnecessários. Com a crise política, vai ficando mais evidente que o governo vai usar seu capital para garantir sua governabilidade e reeleição, e menos para garantir a agenda original de redução do tamanho do Estado.

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As reformas estruturais ficaram para trás? 

Eu acho que no curtíssimo prazo não há ambiente para elas. Agora é enfrentar a pandemia, recuperar a economia e garantir a governabilidade até o fim do mandato atual. A reforma tributária está bastante amadurecida, enquanto a administrativa está mais atrasada. Vamos ter de passar a crise para recuperar esse debate. Isso que desencoraja muito o investidor estrangeiro. O Brasil está criando um histórico de decepcionar na questão econômica e política. A eleição do Bolsonaro trouxe entusiasmo com uma equipe econômica de viés liberal – e de novo essa promessa não se materializou. Precisa haver esforço para recuperar o interesse estrangeiro pelo nosso ambiente de negócios. O investidor olha e diz: o Brasil com mais um ruído, mais uma declaração esdrúxula que reverbera mundo afora? E pensa melhor.

O mercado financeiro diz temer uma eventual saída do Paulo Guedes (ministro da Economia). Isso pode piorar a crise econômica?

Certamente. O Paulo Guedes é hoje o grande fiador de redução do tamanho do Estado, de tentar coibir os abusos fiscais nesse tempo de pandemia. Acho que uma troca ministerial nesse momento seria uma solução péssima. Eu vejo com muita preocupação uma eventual saída do Paulo Guedes.

São Paulo está próximo de um lockdown. O sr. acha que esse é o caminho?

Não sou especialista nisso. Mas eu miraria muito nos exemplos de fora, onde foi feito o que tinha de ser feito, por um curto período de tempo, para evitar uma absoluta calamidade. Onde precisou ter lockdown, teve. Estamos vendo muitos desses países já voltando ao normal. Essa decisão tem de ser remetida aos epidemiologistas e aos cientistas. A gente precisa ter um caminho. Vamos fazer o lockdown? Vamos fazer, não vai ser o fim do mundo. Quem vai definir isso não vai ser o governo federal ou o estadual, vai ser o vírus, a gravidade da situação sanitária. Eu não minimizaria o problema. Até porque minimizar gera mais desconfiança, mais incerteza e atrasa a recuperação econômica. Acho que se vulgarizou demais essa discussão, com disputa entre populistas de um lado e oportunistas de outro. As pessoas têm de avaliar: a gente quer governos polarizando questões técnicas ou tentando amenizar um pouco a gravidade da situação, como a gente vê em outros países?

Alguns setores da economia, como as companhias aéreas, têm expectativa de conseguir ajuda subsidiada do governo. Como o sr. vê isso?

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Muitos países têm auxiliado empresas durante a pandemia no sentido de tentar manter empregos e a atividade econômica. É natural que se avalie esse tipo de medida. É preciso tomar cuidado para que, se isso for feito no Brasil, não se beneficie um ou outro, mas que se aplique os recursos muito escassos para ajudar um pouco a economia. Vejo riscos enormes. Se olhar o governo do PT, até 2008, tinha uma política fiscal relativamente disciplinada. A partir de 2010, o PT descobriu como fazer uso do recurso de bancos públicos para dar incentivos para determinados grupos. Acabou tomando gosto pela coisa e isso resultou numa explosão do déficit fiscal, numa política que basicamente quebrou o País. A gente tem histórico de fazer uso desses expedientes de uma maneira que não é adequada.

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