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''''Vazamento de informação agora pode dar prisão''''

Por Irany Tereza e Monica Ciarelli (Broadcast)
Atualização:

Há um mês na presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a economista Maria Helena Santana chegou ao cargo num momento em que a autarquia, responsável pela fiscalização e regulamentação do mercado de capitais, ocupa o centro das atenções do noticiário econômico. Dois casos recentes de suspeita de vazamento de informação em negócios bilionários com participação da Petrobrás - as aquisições dos grupos Ipiranga e Suzano Petroquímica - estão em evidência. Nas últimas semanas, a CVM colocou em audiência pública uma proposta de regulação de parte da atividade jornalística que abriu um leque de polêmicas. A contragosto, a discreta Maria Helena ganhou o foco dos holofotes. Nesta entrevista ao Estado, mesmo medindo as palavras, ela afirma acreditar em prisão ao fim das investigações do caso de vazamento na venda da Ipiranga e justifica a proposta aos jornalistas alegando que ninguém pode subscrever receita médica sem exercer a profissão. A seguir, os principais trechos da entrevista: Há uma série de casos de vazamento de informação em transações financeiras, alguns com punições e multas, mas ninguém foi preso por isso. Prisão não serviria para coibir mais exemplarmente esta prática? No Brasil ainda não houve nenhum caso de prisão. Esse ilícito virou crime na reforma das Leis das Sociedades Anônimas, em 2001, e passou a vigorar em 2002. É uma coisa nova. Do ponto de vista da punição da CVM, o que mudou é que aumentou o valor da multa que podemos impor, o que é muito positivo. Quem processa no âmbito criminal é o Ministério Público. Em relação aos casos do começo do ano (venda da Ipiranga) já está correndo uma ação penal. No ano passado, a CVM estreitou muito o trabalho com o Ministério Público, criando um grupo conjunto. O MP pôde se aproximar dos assuntos do mercado financeiro e, fruto dessa parceira, é que surgiu a possibilidade de cooperação para traçar uma estratégia de ação conjunta e atuar no bloqueio (do dinheiro resultante de ganhos irregulares na Bolsa de Valores) e, depois, na ação de indenização e na ação penal. Pode-se esperar então prisão por esta prática? A partir dessa atuação coordenada, que é recente, a gente vai ver resultado. Inclusive no âmbito penal. Da nossa parte, estamos colaborando muito com o Ministério Publico. Eles podem ter ferramentas nas quais a gente não tem acesso, podem ajudar nos nossos processos. Tem muito mais resultado para a gente esperar desse trabalho conjunto. Inclusive alcançar a efetiva a punição, penal inclusive, de quem tiver, comprovadamente, cometido o crime. Isso pode ocorrer no caso da Ipiranga? É possível Um dos acusados, no caso da venda da Suzano, disse que teve sorte na aplicação. É possível? Não posso falar sobre casos específicos e nem revelar nomes. O caso corre em sigilo na Justiça. Em relação aos (suspeitos) que pedimos para bloquear (o lucro com a compra das ações), um deles tinha um comportamento supertípico de insider, que é comprar ações no começo do dia, quando a informação (da venda da empresa)não era pública, a um preço inferior ao que a ação alcançou após a divulgação da empresa e vendeu tudo no final do dia. O papel, quando a informação foi divulgada, teria dobrado de preço. Foi um volume grande e a pessoa teve lucro rapidinho. Ganhou R$ 300 mil nesta operação. Essa mesma pessoa ainda tinha comprado a termo (a prazo) alguns dias antes ações preferenciais da Suzano. Quem compra a termo aposta na alta do papel. Havia e há outros investidores sob investigação da CVM, em situações onde os indícios não eram tão claros ou que não realizaram o ganho, porque ainda não venderam as ações. As empresas também podem ser punidas quando seus executivos vazam informação? A empresa pertence aos acionistas, inclusive aos minoritários, que estão afastados de sua gestão. Eles entregaram o capital e a confiança para que a empresa fosse gerida pelo acionista majoritário. Penalizar a pessoa jurídica em função de eventuais faltas cometidas pelos administradores seria o mesmo que penalizar todos os acionistas, que são as vítimas do problema. Temos de destacar a importância que tem o administrador dentro da companhia e no mercado. Se se comprova que alguém que é detentor desse cargo traiu a confiança, a punição tem que ser muito forte. O que motivou a CVM a propor uma regulação sobre o trabalho dos jornalistas que acompanham o mercado financeiro? Não é isso. É sobre o trabalho de jornalistas que divulgam recomendações de investimento de um papel específico. Não falo só para trocar de palavras. Estamos tratando de uma situação que não muda nada em relação ao que já é hoje. Analista de investimentos é uma profissão regulada, prevista na lei do mercado de capitais. O exercício irregular da profissão é um crime. Então, um jornalista que eventualmente divulgue, em qualquer meio de comunicação, uma recomendação de investimentos, que é uma atividade caracterizada como de analista, poderia ser qualificado como exercendo irregularmente uma profissão regular. A norma que regulamenta a profissão de analista precisava de algumas melhorias. Resolvemos aproveitar e tratar desse assunto (jornalistas) porque é nossa obrigação antecipar problemas que possam acontecer. O mercado está crescendo muito. E já tivemos caso desse tipo de exercício da profissão de forma não oficial, não registrada. Qual é o caso? Não posso dizer. Não é exatamente sigilo, mas o processo ainda não foi decidido, está em andamento. Foi um ou foram alguns? Acho que foi mais de um. Um que eu me lembre claramente, mas acho que tem mais de um aí. Procuramos, na verdade, dar mais clareza e tranqüilidade ao jornalista que faça esse tipo de atividade. A atratividade de profissões ligadas ao mercado aumenta e a importância da divulgação de análises aumenta muito. É importante que se analise uma companhia e a perspectiva do setor, o que tem de bom e ruim nas estratégias das empresas. As matérias de maior densidade são importantes para ir formando a cultura do investidor, para ele não comprar sem parar para pensar, sem levar em conta os fundamentos do negócio. Nos preocupamos em criar um conceito legal de como exercer essa atividade que, genericamente, seria sujeita à restrição da CVM, sem necessidade de registro. Mas, tratando dos aspectos de conflito de interesse, que é o que preocupa todo mundo, tanto da atividade jornalística quanto na de qualquer um que produza a recomendação. Será que essa pessoa tem interesse nessa recomendação? . Isso não é uma censura ou um precedente de censura? Não cabe ao leitor dar ou não o crédito ao jornalista e à sua análise? Acho que cabe ao leitor, assim como cabe ao investidor em geral receber um prospecto ou uma análise feita por um analista dizendo o que ele recomenda e usar o juízo dele para decidir. Em relação ao analista, a gente exige que ele conste no relatório se a empresa para a qual ele trabalha tem ações naquela companhia ou não; se tem outro negócio com aquela companhia na carteira ou não; se ele, pessoa física, tem, ou se pessoas da família dele têm. Ele se responsabiliza pelo que ele está dizendo no código de conduta na associação de analistas. Há regras para evitar utilizar a informação em benefício próprio. Pessoas cometendo uma infração se tem em qualquer profissão. A proposta é que jornalista não faça análise? O que estou dizendo é que quando o leitor recebe uma informação produzida por um analista ele está protegido por obrigações. O analista tem de informar potenciais situações de conflito de interesse. O que estamos propondo é que o jornalista que esteja produzindo recomendações sobre papéis específicos não precisa ser registrado na CVM, desde que ou a profissão ou o veículo em que ele trabalha tenha um código de conduta que preveja alguns cuidados. No mínimo deveria tratar de conflito de interesses. Propomos distinguir entre estimativa, projeção e fato; deixar claro quem é a fonte, porque provavelmente o jornalista não faz análise. Se tivesse um jornalista produzindo uma coluna de medicina e receitando um remédio, você não iria querer saber se ele tem registro no conselho de medicina para poder receitar? Estamos falando do exercício de uma profissão regulada. Claro que não sei se acertamos a mão no tipo de conteúdo. Estamos superabertos a essas discussões com os órgãos de classe para refletir. Quem é: Maria Helena Santana É economista e ingressou na diretoria da CVM em agosto de 2006, na equipe do ex-presidente Marcelo Trindade. Atuou como superintendente de Relações com Empresas e gerente de Projetos Especiais da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). É a primeira mulher a ocupar o cargo de xerife do mercado de capitais no Brasil.

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