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Vazamento de petróleo nas metrópoles

Por Plínio Assmann
Atualização:

O Brasil foi o país que mais se urbanizou no século 20. Os 12 milhões de brasileiros que moravam em cidades, no início do século passado, eram 20% da população. No ano 2000, eram 136 milhões e 80% da população. Esse crescimento gigantesco, com sucessos e fracassos, definiu o País que somos hoje. Dos anos 1930 até o início dos anos 1980, foi também um dos três países cuja economia mais cresceu, superado apenas pelo Japão e pela Coréia do Sul. Nosso país se industrializou voltado para seu mercado interno graças à grande e diversificada riqueza natural. Só faltava o petróleo que agora é suficiente e pode tornar-se excedente. Ao acompanhar as idéias do chamado Consenso de Washington, o Brasil esqueceu seu projeto acreditando que, com ajuste fiscal e abertura financeira, bastaria o uso de poupança externa para financiar o desenvolvimento. Desmanchamos a nossa competência de usar o setor público como promotor de tecnologia. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) deixou de ser a agência de sua promoção e as compras das empresas estatais, instrumento de transferência tecnológica. E os institutos públicos de pesquisa ficaram subordinados à obtenção de receitas com a venda de pequenos serviços. A Constituição de 1988, ao manter a prevalência do poder central sobre os demais entes federativos, não considerou o futuro urbano do País, já àquela altura perfeitamente visível. Hoje, os municípios não conseguem melhorar sua mobilidade urbana. Suas fontes fiscais se restringem ao IPTU e ao ISS e a alguns repasses fiscais. As grandes e pauperizadas cidades brasileiras são "ilhas de ineficiência", com gastos enormes de petróleo e incapazes de melhorar o trânsito e seu transporte público. Será preciso encontrar novos instrumentos para transferir mais poder aos patamares regional e local. Essa percepção, fora do Brasil, fez vários países em desenvolvimento adotarem algum tipo de descentralização fiscal. No início da globalização da economia, acreditava-se que o "lugar" perderia importância. Mas as cidades continuaram a crescer e a se modernizar e, apesar do enorme desenvolvimento da Tecnologia da Informação, as empresas líderes continuam nas cidades. Os países possuem não mais do que duas ou três cidades globais. No Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, com suas peculiaridades, são o "locus" dos negócios globais. A forma de uso do solo urbano incita comparação e competição, produzindo áreas especializadas, em que a arquitetura é significativo modo de exibição. A paisagem e o ambiente de convivência são importantes fatores de inspiração negocial. Encontros ocasionais em seminários, recepções, restaurantes e até em bares geram mais oportunidades de negócios do que a fria disseminação da internet nos escritórios. É notável que todas as cidades globais são espaços abertos para a atração e migração. São Paulo, nossa principal cidade global, não foge à regra, agravada pelo fato de que aloja mais pobres e de que sua economia é a que menos cresce. A atração urbana no Brasil começa bem antes da globalização, mas ela a reforça e modifica. Há 12 anos o País encontrou o caminho da estabilidade monetária e, mais recentemente, um progresso estável. O PIB cresce, mas é baixo o crescimento per capita. O principal desafio do Brasil, para alcançar a posição que é sua no mundo de hoje, é ter um projeto de desenvolvimento compatível com o trato adequado da sua condição urbana. Somos hoje um grande produtor e exportador de commodities agrícolas e minerais, graças à grande proporção de área agricultável e gigantescas riquezas minerais aliadas a uma boa base empresarial e tecnológica. Mas commodity é negócio sujeito a mais riscos de mudanças climáticas e de mercado que a produção industrial. Como as coisas, no curto prazo, vão bem, uma alteração da atual política só ocorrerá motivada por uma crise externa. Virá ou não, ou quando virá, eis a questão. O mais provável é que venha em pequenas doses, como já está ocorrendo. E, como produtor de commodities, mais difícil será a adaptação. A questão urbana tem um outro viés econômico e conceitual. Todo o esforço de auto-suficiência nacional de produção de petróleo, feito pela Petrobrás em duas gerações, é desperdiçado no caos do trânsito urbano. O petróleo no mercado "spot" vale US$ 100, enquanto no mercado interno, para efeito do preço ao consumo, vale US$ 40, referência do último reajuste de preços. A persistir a tendência de aumento da cotação do barril e da diferença entre o preço interno e o externo, esse diferencial deve ser utilizado como fonte de riqueza para o desenvolvimento econômico em projetos que economizem petróleo a ser exportado. Como os setores de transportes urbano e rodoviário são os maiores consumidores de petróleo, toda redução de consumo de petróleo decorrente das economias de seus novos projetos deve ser revertida para investimento neles mesmos. O BNDES seria o banco securitizador dos fundos de tal programa. O ganho assim concebido atingirá um volume de recursos maior do que o investimento público realizado hoje em infra-estrutura de transportes urbano e rodoviário. Não podemos deixar sem resposta adequada a pergunta do momento: como salvar as nossas metrópoles? Nosso futuro depende da gestão da macroeconomia e das cidades, mas, sem mudança nos atuais conceitos, dificilmente isso será possível. Os investimentos financiados por orçamentos públicos continuarão insuficientes por causa de outros compromissos sociais inadiáveis. *Plínio Assmann, engenheiro e consultor, foi presidente do Instituto de Pesquisas Tecnolóicas (IPT), do Instituto de Engenharia, da Companhia do Metrô de São Paulo e fundador da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) Carlos Alberto Sardenberg está em férias.

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