'Vejo razões positivas com o curto prazo', diz economista-chefe do Santander

Ana Paula Vescovi diz que percepção favorável é fruto da alta dos preços das commodities, mas alerta para risco de cenário acabar estimulando o aumento descontrolado dos gastos públicos

Publicidade

PUBLICIDADE

Por Adriana Fernandes
5 min de leitura

BRASÍLIA - Ex-secretária do Tesouro Nacional e atualeconomista-chefe do banco Santander, Ana Paula Vescovi, diz que o cenário da economia brasileira é de melhora no curto prazo, mas de cautela no médio prazo. Ela alerta que a percepção positiva, que é fruto de um ciclo temporário de alta dos preços de commodities (produtos básicos, como alimentos e minério de ferro), pode ensejar uma visão de mais sobra para gastos do que o País tem. O risco é o caixa mais cheio do governo federal, Estados e municípios se transformar em despesas permanentes logo adiante. 

Abaixo, trechos da entrevista:

Leia também

O Santander fez uma ampla revisão dos seus cenários econômicos com a mensagem “melhora no curto prazo, cautela no médio prazo”. Há muito otimismo do mercado em relação à recuperação econômica?

Vejo razões mais positivas com o curto prazo porque tivemos uma melhoria, estamos vendo a vacinação avançar e temos uma certeza maior de que estamos num processo gradual da fase mais crítica da pandemia. Enxergamos a possibilidade de o Brasil chegar até o final do ano com população adulta toda vacinada. Isso tem muitas implicações positivas como uma abertura gradual do setor de serviços e menos paradas. Temos razões para ter um horizonte mais favorável. O contraponto é que ainda precisamos observar melhor como vai ser essa saída da pandemia. Vamos ter o processo de normalização dos estímulos que foram colocados na pandemia não só no Brasil como em todo o planeta. Temos os dois lados da moeda. Por isso, olhamos com otimismo moderado e cautela.

Ana Paula Vescovi vê melhora nas projeções como 'janela para normalizar a política monetária'. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O que será chave a partir de agora?

Eu colocaria como ponto principal como vai se comportar esse ciclo de commodities, que é um dos elementos que ensejou esse otimismo recente. Nós vemos aqui ciclo de média duração por conta desses estímulos imensos que foram colocados pelas economias avançadas. Além disso, tivemos uma mudança na cesta de consumo das famílias e alguma quebra em cadeias produtivas globais. O ciclo de commodities trouxe vantagens em termos de troca para o Brasil, mas trouxe um surto inflacionário importante. Como vemos esse processo se acomodando nos próximos dois anos, a oferta vai começar a se acomodar melhor. Os preços serão normalizados

Continua após a publicidade

A inflação é um risco ainda pelo problema climático e alta de energia?

A inflação merece toda a atenção do Banco Central. Os comunicados recentes do BC estão colocando um tom bastante adequado. Eles também estão cautelosos no cenário de saída da pandemia porque ao recuperar o setor de serviço, que é uma boa notícia, também pode haver transmissão de choque que vieram do setor de alimentos e industrial para esse setor de serviços. Por isso que o BC sinaliza uma aceleração do passo (de alta dos juros) para simultaneamente ter a política monetária conseguindo prevenir os efeitos dos choques.

E o efeito dessa recuperação na arrecadação?

É importante a gente ver que parte do processo de crescimento das receitas estaduais, municipais e federal vem desse surto inflacionário também. E estamos bem firmes em acreditar que o BC vai ser bem sucedido na convergência da inflação para o centro meta e isso vai demandar uma desinflação dos preços no atacado. Ocorrendo isso, vamos ter uma acomodação dos ganhos de arrecadação que são percebidos nos governos. Boa parte das despesas de saúde e educação está vinculada às receitas mais despesas também.

Haverá uma pressão por gastos adicional com o caixa robusto dos governos?

Sim, tem uma pressão por gasto. Boa parte podem ser gastos permanentes. Também no caso da União o espaço do teto de gastos (regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação) é vinculado ao IPCA (índice oficial de inflação) que será mais forte esse ano abrindo mais espaço para despesas. Percebemos que a economia vai sair da pandemia mais desigual e tem uma preocupação fidedigna em chegar aos informais que vão precisar de mais tempo para recuperar as suas posições no mercado.

Entre essas pressões, está a de reajuste dos servidores que estão com salários congelados?

Continua após a publicidade

Já começamos a ver reivindicações sobre reposição inflacionária. Afinal, são dois anos que o Brasil tem uma inflação acumulada de 10%. Parte desse ganho de arrecadação pode ir para despesas permanentes. Temos a contenção de teto, é muito importante, mas esses ganhos de arrecadação, se acreditarmos que pode haver uma percepção de que são permanentes e não é fruto de um ciclo temporário de commodities, pode ensejar uma percepção de mais sobra de gasto do que efetivamente a gente tem. Se tivermos certos no nosso cenário sobre o ciclo de commodities, a nossa pesquisa foi muito cuidadosa, de que haverá normalização de preços até 2023, provavelmente vamos falar de algum retorno desse bônus que tivemos agora.

Onde tem exagero no otimismo com a recuperação?

Eu não sei se é exagero, mas acho que o cenário fiscal é muito sensível às condições financeiras. É fundamental a questão do ciclo de commodities. Se a maioria dos analistas avalia que estão num superciclo de commodities, vamos estar com um cenário diferente. Estamos agora num choque cíclico para depois se acomodar e voltar a tendência de longo prazo. O mundo vai ter que fazer a normalização dos estímulos colocados na pandemia. As economias emergentes já estão se adaptando. Os Estados Unidos já estão sinalizando que no final deste ano e início do ano que vem no máximo vão começar a tirar parte dos estímulos e 2023 devem voltar a subir a taxa de juros.

O que isso significa para o Brasil?

Essa é janela de oportunidade que temos para normalizar a nossa política monetária (aumentar os juros) e fazer as reformas.

A previsão da dívida pública pública para 2021 caiu para 82% do PIB. O mercado falava em dívida em 100%, o que aconteceu?

Nós mesmos falávamos que a dívida chegaria a um pico de 100%, agora caiu para abaixo de 95%, mas ainda terá uma fase de elevação da dívida enquanto a gente não conseguir fazer superávits primários (arrecadar com impostos mais do que gasta com as despesas do governo) capazes de estabilizar o patamar da dívida. A dívida bruta tem influência de outros aspectos, como as devoluções de empréstimos do BNDES. Isso tudo ajuda a manter a dívida bruta, mas está acabando. Enquanto vamos reduzindo gradualmente reduzindo o déficit primário, ao mesmo tempo, vamos aumentando as contas de juros sobre 2023. E vai ter o momento mais sensível em 2023, quando o BC dos Estados Unidos começar a subir juros. É muito importante chegar lá com o choque inflacionário resolvido e a inflação convergindo para o centro da meta.

Continua após a publicidade

No caminho dessa trajetória positiva, quais são os maiores riscos?

Não sabemos como a economia vai se comportar se as medicações dos estímulos dados na pandemia, aos anestésicos. Precisamos observar como o mercado de trabalho vai responder. É importante deixar claro que essa notícia favorável no curto prazo de ganhos de termo de trocas para o Brasil não encandeia efeitos automáticos para o mercado de trabalho. O que vai recuperar o mercado de trabalho é a reabertura do setor de serviços. É importante observar o processo de abertura.Essa recuperação mais rápida da economia vis a vis as expectativas anteriores ajuda a acelerar a melhora do mercado de trabalho, mas a cautela é importante porque há uma acomodação de todo esse processo nos próximos dois anos.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.