A Venezuela de Hugo Chávez, Bolívia e Cuba coordenam suas posições nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) e, em vários assuntos, começam a adotar estratégias conjuntas. Em algumas reuniões, os três países chegam a falar com uma só voz, o que vem chamando a atenção de outros governos. A Bolívia, por exemplo, optou por retirar de sua proposta inicial qualquer possibilidade de abertura de seu mercado de energia, enquanto a Venezuela ameaçou não aceitar um acordo sobre transparência de blocos regionais. Para o Brasil, o que pode ser potencialmente delicado é que o trabalho de mediar a posição dos três países e do restante da OMC pode acabar no colo do Itamaraty. Cuba, Venezuela e Bolívia fazem parte do G-20, grupo de países emergentes criado pelo Brasil. Mas até mesmo dentro do bloco de países emergentes, os primeiros sinais de tensão começaram a surgir. Venezuelanos criticaram em recentes reuniões internas do G-20 a falta de transparência na participação do Brasil nas conversações com Estados Unidos e Europa. Paralisada desde julho, as negociações não conseguem ser relançadas diante das diferenças entre os principais atores do processo. O centro da disputa está a liberalização dos mercados agrícolas. Para tentar salvar o processo, o chanceler Celso Amorim e negociadores europeus e americanos vêm mantendo contato constante, mas sempre em sigilo. A idéia é de que, quando esses países tenham encontrado um entendimento entre eles, o acordo entre os 150 países da OMC terá mais chance de conseguir ser aprovado. O Brasil, por exemplo, afirma estar representando os interesses de todo o G-20, ao lado da Índia, que também participa das reuniões privadas. A Venezuela, porém, fez questão de questionar até que ponto o Brasil de fato representava sua posição. Já nas negociações com outros países da OMC, a posição única de Havana, La Paz e Caracas ficou claro há poucas semanas quando se discutia um acordo de transparência para blocos regionais. A OMC estabeleceu um entendimento para exigir que novos acordos comerciais entre grupos de países sejam transparentes e que sejam notificados à OMC como forma de garantir que todos saibam o que está ocorrendo nas relações comerciais pelo mundo. Mas, na véspera da conclusão do acordo, os três países se queixaram de que o entendimento não os favorecia. Funcionários do alto escalão da OMC tiveram de se envolver para tentar resolver o problema e apenas convenceram os três países a mudar de posição depois que argumentaram que quem mais tiraria proveito da situação criada pelos latino-americanos seria os Estados Unidos. Washington não via com bons olhos a proposta, mas não poderia se opor abertamente a uma idéia de transparência. Depois de criar turbulência, venezuelanos, cubanos e bolivianos acabaram aceitando a proposta. Abertura No que se refere às propostas de abertura do setor de serviços, um dos pilares das negociações da OMC, as posições de Venezuela e Bolívia são muito parecidas: não oferecem qualquer abertura no setor de energia e adotam uma postura protecionista. La Paz chegou a ter uma oferta mais ampla, mas nos últimos meses, já durante o governo de Evo Morales, promoveu uma revisão e retirou certos pontos da agenda para permitir que possa tomar decisões de não liberalizar o setor de energia. Para os países ricos, o setor de serviços é considerado como estratégico nas negociações e querem a abertura dessas áreas como forma de pagamento por uma liberalização na agricultura. O próprio Brasil sabe que terá de pagar com essa moeda do setor de serviços se conseguir alguma redução no protecionismo europeu e americano na agricultura. A reportagem passou três dias tentando falar com o embaixador da Venezuela na OMC, que não atendeu ao pedido de entrevista. Para diplomatas latino-americanos na OMC, 2007 deve ser repleto de "incidentes" promovido por um desses países na negociação. "Acredito que teremos algumas surpresas", completou.