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Venezuela se endivida para manter gasto público durante crise

Queda no preço do petróleo fez com que déficit fiscal no país aumentasse.

Por Claudia Jardim
Atualização:

Um ano após o agravamento da crise econômica internacional, que provocou uma acentuada queda nos preços do petróleo, motor da economia venezuelana, o governo de Hugo Chávez decidiu optar pelo endividamento para cobrir o déficit fiscal e manter o ritmo de gastos públicos praticado no período da bonança petroleira. Quinto maior exportador de petróleo do mundo, a economia da Venezuela continua atada e vulnerável ao desempenho dos preços do combustível, que sofreram uma queda de 55%. Isso significa que, neste ano, deixarão de ingressar nos cofres venezuelanos US$ 45 bilhões, 42% a menos que o total de US$ 95 bilhões que entraram no país no ano passado, segundo relatório divulgado em agosto pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). Ainda que a atividade petroleira represente apenas 12% da composição do PIB (Produto Interno Bruto) da Venezuela, 95% do total de divisas que ingressam no país dependem das exportações petrolíferas. Déficit fiscal Com quase metade dos recursos disponíveis em relação ao ano passado, o déficit venezuelano aumentou. De acordo com o Banco Central da Venezuela (BCV), de janeiro a maio deste ano, o déficit fiscal acumulado foi de 16,5 bilhões de bolívares (aproximadamente US$ 7,7 bilhões), o equivalente a cerca de 2,5% do PIB do país. Para cobrir esta brecha e enquanto espera a estabilização dos preços do petróleo em um patamar superior aos US$ 70 por barril - cálculo que, de acordo com analistas, daria fôlego à economia do país -, o governo tem optado pela emissão de títulos da dívida interna e externa para manter o gasto público. O endividamento é destinado ao pagamento dos juros da dívida e para financiar o consumo interno. Só no mês de maio, o governo pediu emprestado, por meio da emissão de bônus, o equivalente a US$ 3,25 bilhões para cobrir o déficit. De acordo com cifras do Ministério de Finanças, no primeiro semestre deste ano, o governo contraiu US$ 14 bilhões em dívida externa, valor equivalente ao total acumulado em 2008. Em dívida interna, estima-se que o total de empréstimo previsto ultrapasse os US$16 bilhões. Endividamento Para o economista Andrés Santeliz, professor da Universidade Central da Venezuela, o aumento do déficit fiscal em um cenário de recessão mundial não preocupa. "Em uma situação recessiva, a recomendação é expandir o gasto e o déficit fiscal para conter a recessão", afirmou. "É necessário endividar-se. Não se sabe quanto tempo mais pode durar essa crise". Se este ritmo for mantido, o incremento da dívida pode ser de até 30%, de acordo com analistas. Além do endividamento, o governo também pode recorrer às reservas internacionais acumuladas neste ano em US$ 15,8 bilhões e a recursos dos fundos binacionais formados com China, Irã e Rússia. Contração Os reflexos da crise também afetaram o desempenho do PIB. Depois de registrar cinco anos de crescimento contínuo, a economia venezuelana - uma das que mais cresceu na América Latina neste período - encolheu 2,4% no segundo trimestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Este resultado, somado ao crescimento de 0,5% registrado no primeiro trimestre, totaliza uma contração de 1% no primeiro semestre do ano. Para o economista e ex-ministro de Indústria e Minérios Víctor Álvarez, no entanto, o resultado não é "nada grave", se comparado com países como Chile, que encolheu 4,3% no segundo trimestre, ou México, que teve uma queda acumulada no primeiro semestre de 10,3%. Álvarez afirma, porém, que a contração do PIB poderia ter sido evitada se o Executivo tivesse aplicado um pacote de estímulos para incrementar a atividade industrial do país. "Critica-se os governos de tendência neoliberal que deixam nas mãos do mercado a recuperação da sua economia, mas o governo venezuelano não fez diferente", afirma. De acordo com o Banco Central da Venezuela, o crescimento negativo se deveu à baixa dos preços do petróleo e, fundamentalmente, à queda na produção industrial, que se retraiu 8,3% devido à escassez de matérias-primas e de recursos para importar estes insumos. Austeridade A primeira medida "anticrise" anunciada pelo governo foi uma diminuição nos gastos, decisão criticada por analistas que defendiam sua ampliação para manter ativa a economia venezuelana. Entre as ações anunciadas pelo governo no início do ano estavam a redução de 6,7% no orçamento de 2009 e um reajuste do salário mínimo abaixo dos índices de inflação acumulada no ano anterior. Para o economista Víctor Álvarez, ao invés de conter o gasto público, o Executivo deveria ter adotado programas de financiamento para estimular novos investimentos no setor industrial. "O desafio do governo é reindustrializar o país", afirma. O governo, porém, sinaliza ter abandonado a ideia de poupar recursos. O Parlamento aprovou, no início de setembro, US$ 9,3 bilhões em créditos adicionais para o Executivo. 'Arranhão' Os analistas concordam, no entanto, que o impacto da crise na Venezuela foi menor do que se esperava. "Quando descarrilou o trem da economia mundial, muitos passageiros sofreram fraturas graves, mas os venezuelanos só saíram arranhados", afirma Victor Álvarez. Para o economista Abelardo Daza, do Instituto de Estudos Superiores em Administração (IESA), "o impacto da crise tem sido menor do que o esperado" na Venezuela. Em sua opinião, isso se deve à recuperação do preço do petróleo, que voltou a subir de US$ 40 a US$ 70 por barril, e ao controle cambiário, que evitou a evasão de capitais. Para Álvarez, a Venezuela pode sair "fácil e rápido" de um eventual cenário recessivo, mas isso dependerá da capacidade de recuperação da atividade econômica nacional. "Isso coincide com o fato de que as principais economias do mundo dizem que o pior já passou". 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