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Ventos pedem isonomias

Por Paulo Ludmer
Atualização:

As palavras estão à nossa espera em estado de dicionário, como alerta o poeta Carlos Drummond de Andrade, em Procura da poesia. Igualmente, os ventos nos esperam em estado de ventário, palavra que crio para a biblioteca das fontes de energia e, portanto, de vida. De onde emerge a vida senão de conflitos: da gravidade que atrai a água; do corpo humano que se serve de oxigênio e queima outros organismos; dos ares que esquentam e esfriam sob a luz do sol e, por consequência, se movem. No óbvio, no simples e na aparência residem janelas para a essência. O Brasil, finalmente, descobriu seus ventos, até sensível porque os países baixos o fizeram há séculos, sem contar o primor da literatura quixotesca de Miguel de Cervantes. Só neste milênio, o Brasil se dá conta de que, apenas em terra, dispõe de 150 megawatts de potência elétrica ou 50% a mais de tudo o que consome em energia elétrica hoje. E esta marca pode subir para mais de 300 megawatts, depois de medições com torres anemométricas de 100 metros de altura. Ou mais se medirem os ventos no mar. Estamos falando, no Brasil, de ventos constantes, de baixa flutuação sazonal, unidirecionais, abundantes, densos, velozes, ou seja: de elevada previsibilidade, sendo seu custo para sempre zero e supondo, antes de humorista, que este fluido nunca seja aqui tributável. Se as pequenas centrais hidrelétricas e as usinas de bagaço de cana habitam o repertório amigável da população brasileira, há mais de um século, distintamente, as usinas eólicas estão conosco, para valer, a menos de 10 anos. Ainda assim, sua competitividade e seu perfeito casamento com as usinas hidrelétricas e as de biomassa foram reconhecidos técnica e definitivamente somente em 2008, diante do conservadorismo de nossas autoridades republicanas. De todo modo, a percepção brasileira da energia eólica se dá num momento histórico em que: 1) a economia mundial se retrai; 2) o consumo de energia elétrica reflui; 3) os financiamentos e os seguros se estreitam; 4) conectados por vasos comunicantes, os preços dos insumos energéticos se rebatem com o declínio da cotação internacional do petróleo. Em consequência, o comércio internacional se acanha e o protecionismo xenófobo reexibe suas garras. Fora do Brasil, as taxas de juros em países maduros beiram o zero. Desoneram-se tributos para investimentos produtivos no exterior, pois arrecadar menos é um esforço para deter o buraco negro da deflação. Tesouros emitem moeda com o mesmo objetivo, e destravam-se exigências ambientais para que esmaeça o pânico e se retomem investimentos públicos. Acordos comerciais pontuais desandam os anteriores supranacionais. Os Estados Unidos explicitamente aspiram a, pelo menos, preservar o nível do comércio antes alcançado. Portanto, o tratado bilateral é apenas outra quebra de ortodoxia à cartilha liberal. No Brasil, o primado é manter o crescimento, inibindo a concorrência, às vezes desleal, que bate às portas de nossas aduanas. De todos os países produtores e montadores de usinas eólicas surgem, de repente, ofertas de pronta entrega, sem impostos (o produto brasileiro recolhe tributos), sem filas de espera, porque nações que apostaram em usinas de vento entraram em recessão. Os fabricantes montadores de aerogeradores, pás, torres e componentes, há anos radicados no Brasil (Wobben, Tecsis, GE, Sawe, Arteche e dezenas de outros, como a recém-chegada da Impsa), assistem à crise da economia real se aproximar. É uma onda de contorno predatório, uma vez que a crise internacional representa um piscar de olhos na história e a retomada se inspira, desde agora, em significativos investimentos mundiais em energias renováveis. Neste quando, urge defender a Nação e a economia brasileira: 1) criando rapidamente um Programa Eólico Nacional de modo a fortalecer no Brasil toda a cadeia produtiva afim; 2) dando confiabilidade e previsibilidade aos agentes do setor, promovendo leilões específicos regulares e periódicos anuais; e 3) concedendo isonomia de competitividade aos fabricantes brasileiros hoje em desvantagem tributária inaceitável diante dos estrangeiros. A partir de então estaremos desenvolvendo recursos humanos, arcabouços regulatórios, independência geopolítica e, num ambiente sustentável, uma harmonia com os mais elevados escopos da humanidade no planeta. *Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor, consultor e escritor. Site: www.pauloludmer.com.br

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