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Área técnica da CVM recomenda fim da regra de exclusividade para agente autônomo de investimento

Pandemia adiou as discussões sobre mudança na regra e a alteração deve ficar para o primeiro trimestre do ano que vem

Por Mariana Durão
Atualização:

RIO - Ponto mais polêmico da aguardada reforma da norma que regula a atuação dos agentes autônomos de investimento, a regra de exclusividade na distribuição de valores mobiliários pode estar com os dias contados. Um estudo da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos da Comissão de Valores Mobiliários (ASA/CVM) recomenda acabar com a exigência. As conclusões do documento de 73 páginas vão dar suporte à alteração normativa, agora prevista para o início de 2021.

A proposta da assessoria é que a exclusividade contratual possa continuar existindo, mas deixe de ser obrigatória. Hoje, os agentes só podem distribuir algumas classes de ativos - como ações e debêntures - por uma corretora exclusiva. “Dada a dinâmica do mercado atualmente a gente recomenda que a CVM retire a regra de exclusividade, desde que alguns parâmetros sejam atendidos. O principal é que o multivínculo só possa existir se houver acordo entre os intermediários”, diz Bruno Luna, chefe da ASA/CVM.

Proposta da ASA/CVM é que a exclusividade contratual possa continuar existindo, mas deixe de ser obrigatória. Foto: Fabio Motta/ Estadão

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A sugestão da área técnica é que, em caso de compartilhamento, as corretoras dividam as responsabilidades e os custos regulatórios envolvidos. Dificilmente grandes players do mercado abrirão mão da exclusividade, mas os intermediários menores poderão se unir para ganhar musculatura. “O principal benefício é abrir um leque de possibilidades de arranjos. Para os pequenos pode ser uma excelente alternativa dividir para custos de distribuição, ampliar sua plataforma e fazer frente à a concorrência”, diz Luna.

As mudanças no mercado de distribuição de produtos financeiros do País ensejaram a reavaliação da exclusividade pela CVM. A regra foi instituída em 2011 pela Instrução 497, que regula a atuação dos agentes autônomos de investimento. Na época, esses profissionais eram recordistas de denúncias por irregularidades como a execução de ordens sem autorização do investidor.

A opção da CVM foi por ampliar a responsabilidade das corretoras em relação a eles e criar a exclusividade. O racional era evitar que a multiplicidade de controles atrapalhasse a fiscalização da atividade.

A avaliação da área técnica é que de lá para cá o mercado brasileiro evoluiu e hoje há menos riscos no compartilhamento desse serviço. Entre outras coisas, a Instrução 505 da CVM, também de 2011, passou a exigir a documentação das ordens pelas corretoras.

A BSM - organização sem fins lucrativos, com autonomia administrativa e orçamentária, que integra o Grupo B3, a Bolsa brasileira - também faz uma supervisão específica da emissão de ordens, o que inclui operações repassadas pelos agentes de investimento. “Isso nos deu um conforto adicional para recomendar a retirada da exclusividade”, afirma Iury Santos, analista da ASA/CVM.

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A experiência internacional mostra que, mesmo em mercados onde não há exclusividade obrigatória, a tendência é de vinculação dos agentes autônomos a uma única corretora ou distribuidora de valores mobiliários. O estudo da área técnica da CVM identificou que nos Estados Unidos, de um universo de 450 mil assessores de investimento, apenas 0,3% prestam serviço para mais de um intermediário. No mercado australiano, de 25 mil agentes autônomos, apenas 12 trabalham com mais de um contratante.

A flexibilização da exclusividade foi um dos temas incluídos na consulta pública aberta pela CVM em 2019 para embasar a proposta de modernização da Instrução 497. A expectativa era que a reforma entrasse em audiência pública ainda em 2020, mas a pandemia da covid-19 acabou levando outras demandas urgentes à CVM e atropelando a agenda de 2020. Segundo Luna, provavelmente a alteração ficará para o primeiro trimestre do ano que vem.

Pioneira no uso de agentes autônomos na distribuição de produtos financeiros no País, a XP Investimentos se manifestou contra a flexibilização do regime de exclusividade na consulta pública do ano passado. Para a corretora, o fim da exclusividade retiraria uma parte relevante das eficiências que auxiliam no processo de competição das plataformas com as instituições financeiras tradicionais, leia-se, os grandes bancos.

Maior corretora do País, a XP tem em torno de 7 mil agentes autônomos vinculados à sua plataforma, cerca de 80% do mercado, boa parte dentro de seus cerca de 500 escritórios de investimento. Nos últimos dois anos, entretanto, o mercado viu surgir uma forte disputa por esses profissionais.

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Protagonizada por BTG Pactual e XP, a briga pelos agente autônomos se disseminou e levou outras corretoras, como a Modalmais e a Ágora, do Bradesco, a buscarem ampliar sua rede de assessores de investimento. O próprio BTG já tem cerca de 800 agentes sob seu guarda-chuva e pretende expandir esses quadros em mais de mil até o fim do ano.

A relação entre a exclusividade e a concentração do mercado brasileiro de agentes foi um dos pontos investigados pela área técnica da CVM no estudo. “Não há evidências inequívocas disso”, diz Santos. A conclusão é que o modelo de plataforma de investimento aberta favorece esse fenômeno. “Quem faz primeiro captura o mercado. É como uma rede social: quanto mais gente está lá, mais atrativa ela fica a novos usuários”, exemplifica.

Remuneração

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Além da exclusividade, a reforma da ICVM 497 deverá discutir também outros pontos, como a forma de remuneração dos agentes e a permissão da entrada de sócios investidores no quadro societário dos escritórios de agentes autônomos. A atual regulação requer que todos os sócios de um escritório sejam obrigatoriamente agentes autônomos e o fim dessa barreira é uma demanda da categoria.

A Assessoria de Análise Econômica da CVM também buscou informações sobre os modelos de remuneração de agentes autônomos de investimento no estudo. O debate em torno do tema esquentou em junho, depois de o Itaú lançar um comercial criticando o modelo consagrado pela sócia XP. O banco apontou que o pagamento por comissão de acordo com o produto oferecido ao cliente abre caminho para um conflito de interesses. Depois da polêmica, a XP chegou a anunciar mudanças, permitindo aos clientes optar por pagar uma taxa fixa sobre o valor de seus ativos em custódia.

O estudo divulgado pela CVM nesta segunda-feira, 23, apresenta alguns modelos adotados no exterior, mas não traz uma proposta de mudança como no caso da exclusividade. Em alguns mercados a solução encontrada para evitar o conflito é dar transparência total ao investidor, com o agente autônomo deixando claro que tem um incentivo financeiro para recomendar determinado produto.