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Desafios para avanço da pauta ESG no Brasil incluem desconfiança dos investidores

Especialistas dizem que empresas precisam ser mais transparentes sobre como incorporam a agenda ambiental e social em seus negócios

Por Heloísa Scognamiglio
Atualização:

As práticas ESG (sigla em ingês para aspectos ambientais, sociais e de governança) vêm se destacando no cenário econômico brasileiro, ainda que o movimento no Brasil seja tímido se comparado a outros lugares do mundo. Especialistas afirmam que o tema está mais avançado nas empresas do que entre os investidores do País.

Marina Cançado, head de Sustainable Wealth da XP Private, explica que os investidores demonstram querer migrar para o ESG. "Fizemos uma série de pesquisas na XP e há uma grande intenção dos investidores em migrarem uma parte considerável dos seus portfólios para fundos, produtos ESG. Mas essa intenção ainda não está se materializando na velocidade ou na proporção que a gente imaginava ou gostaria", diz.

Mais conhecimento sobre pauta ESG pode ajudar a mitigar a desconfiança que os investidores ainda têm em relação ao tema. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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Ela aponta que parte do motivo é a oferta pequena desses fundos e produtos, mas que a desconfiança é a principal razão. "Em nossas pesquisas, os clientes indicaram como a maior barreira para que eles passem a investir nesses ativos é a desconfiança - se aquilo é sério, se não é greenwashing (marketing verde, mas sem práticas concretas), se as empresas ou as gestoras estão de fato se preocupando com aqueles fatores. Ainda há uma grande desconfiança", afirma.

Segundo Márcio Correia, gestor de fundos e sócio da JGP, no geral, o avanço dessas práticas ainda está devagar no Brasil. "Mas, dentro do geral desse devagar, as empresas estão bem mais avançadas do que os investidores”, diz.

“Muitas empresas já estão dedicando seu tempo ao ESG e enxergando isso de fato como uma coisa estratégica, como oportunidade de negócios. Até porque as empresas têm que acessar o capital externo, são mais cobradas, então têm que evoluir”, destaca o gestor.

Marina defende que, para um maior avanço do tema no mercado, a solução passa por mais transparência em relação às práticas ESG, mais informação em relação ao tema e mais oferta de fundos e produtos.

“Temos uma oferta ainda escassa de fundos, produtos. Temos um desafio de ampliar essa oferta. E a educação dos investidores em relação ao ESG e da transparência são cada vez mais chave. Parte do processo da intenção virar ação, virar mudança na forma de investir, vem da educação. O ESG é um tema complexo e requer uma dedicação para entender do que se está falando, para conhecer onde você está investindo e para mitigar as desconfianças”, comenta a especialista. 

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‘Boom’ de popularidade 

O ESG ganhou força no País nos últimos anos, ficando ainda mais em evidência em meio à pandemia do novo coronavírus. Marina ressalta, no entanto, que a covid-19 apenas evidenciou e acelerou um movimento que já vinha de antes, principalmente dos últimos dois anos. 

"Tivemos uma série de movimentações do setor empresarial e há a pressão de investidores estrangeiros, principalmente europeus, sobre empresas brasileiras. Também chegamos em um ponto de haver uma massa crítica de pessoas no País já entendendo a relevância de se posicionar em relação ao que é esse novo mercado financeiro", diz. 

Outro aspecto apontado para o ganho de importância dos aspectos ESG é a mudança de valores decorrente da chegada de uma nova geração de investidores."Vivemos uma grande transformação geracional. Nesta década, mais de US$ 30 trilhões no mundo vão passar das mãos da geração mais velha para millenials e geração Z, grupos que já têm valores diferentes e que passam a esperar das empresas comportamentos diferentes”, aponta Marina. 

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Márcio Correia, da JGP, aponta que os movimentos sociais, como os protestos antirracismo e os que pedem ação contra as mudanças climáticas, têm um papel relevante nesse cenário, pois se transformam em cobranças por diversidade e inclusão nas empresas e por medidas concretas de cuidados com o meio ambiente, por exemplo. 

“É toda a sociedade, não é uma coisa conjuntural, ‘daqui a pouco passa’. Há ainda a disseminação de informações pelas mídias sociais. Entramos em uma era de transparência e as empresas são cada vez mais avaliadas pelos seus posicionamentos e comportamentos”, avalia Márcio. 

Segundo Maria Eugênia Buosi, sócia da Resultante Consultoria ESG, o tema havia ganhado relevância com a crise de 2008, mas, no Brasil, retrocedeu bastante durante os anos 2010, voltando com força nos últimos dois ou três anos. “Dessa vez, o que é diferente é que investidores, diretorias executivas e conselhos de administração entraram na agenda. Quando isso acontece, por mais que a pauta esteja atrasada no País, há uma aceleração, porque está na pauta das lideranças. E é um caminho sem volta”, acredita. 

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Ela também destaca que, assim como em 2008, os ativos que têm melhores práticas ESG foram muito mais resilientes, apresentando melhores resultados, o que também contribuiu para o interesse no assunto. “Com o ESG, as empresas reduzem riscos, deixam a empresa mais resiliente, mais robusta e também, em um momento de mudanças de padrão de consumo, são as mais preparadas para aproveitar essa onda”, diz a sócia da Resultante. 

Maria Eugênia afirma que a pandemia escancarou a importância do social para o modelo de negócios. “Ninguém mais dúvida que uma empresa com boa governança corporativa gera mais valor para o acionista. O ambiental começou pelo risco, pela urgência climática, e tem uma legislação muito forte em cima. O social ficava em um limbo e acabava muito mais como filantropia e assistencialismo. Acho que a pandemia escancarou a importância do social, de que as empresas apostem em diversidade, em inclusão, para os modelos de negócio.”

Apesar da diferenciação de cada aspecto da sigla, ela acrescenta: tudo é governança. “Sem a governança, não tenho o ambiental nem o social. Isso é premissa."

‘Não é mais tendência, já é realidade’ 

Tarcila Ursini, conselheira de empresas e do Capitalismo Consciente Brasil, que atua em estratégia e governança para sustentabilidade, afirma que o Brasil tem "ilhas de excelência em ESG". "Como empresas de alguns setores como o de papel e celulose, algumas empresas no varejo de cosméticos, os bancos. Temos alguns setores no Brasil que já trabalham essa agenda há muitos anos", relata. 

“Hoje temos o que não tínhamos anos atrás: inúmeras evidências de que os negócios com gestão mais sustentável e com a visão mais estratégica da sustentabilidade têm menos riscos e mais retorno no longo prazo. É preciso qualificar esse discurso, ter mais materialidade, compromisso e transparência. Boa governança e transparência são fundamentais. Tudo começa com isso e já tem muita empresa fazendo direito”, afirma a conselheira. "Espero que de fato a gente aproveite para liderar uma retomada verde." 

Maria Eugênia concorda. “Tivemos uma reflexão tão profunda, que ficou claro que voltar ao normal de antes da pandemia não é bom. Estamos em um momento de euforia, mas as coisas tendem a se consolidar e virar uma prática comum de negócios. Não é mais tendência, já é realidade no mercado e vai se consolidar cada vez mais”, conclui. 

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