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Diretores e conselheiros foram principais alvos de processos da CVM nos últimos 20 anos

Levantamento, o maior já feito sobre a atuação disciplinar da autarquia no mercado, levou dois anos para ficar pronto 

Por Mariana Durão
Atualização:

RIO - O descumprimento do dever de diligência por administradores foi a principal conduta alvo de processos administrativos sancionadores (PAS) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nos últimos 20 anos, seguido da falha na prestação de informações periódicas por participantes do mercado. O uso de informação privilegiada (insider trading), que também é crime, foi tratado em apenas 3,6% dos casos abertos. Diretores e conselheiros estão na linha de frente das acusações da autarquia.No período, 90% das multas aplicadas pelo órgão regulador foram de até R$ 1 milhão. Só 1,5% superaram a casa dos R$ 10 milhões.

Os dados fazem parte de um raio X elaborado pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), a partir da análise de uma base de 1.231 processos sancionadores da CVM de janeiro de 2000 até março de 2019. O maior estudo já feito sobre a atuação disciplinar da autarquia no mercado levou dois anos para ficar pronto e foi batizado de Observatório do Mercado de Capitais: Atividade Disciplinar da CVM. As informações jogam luz sobre aspectos relevantes como tempo até o julgamento dos casos, condutas, penas aplicadas, responsabilidade de controladores e administradores, partes envolvidas e termos de compromisso. 

Levantamento mostra que descumprimento do dever de diligência por administradores foi a principal conduta alvo de processos administrativos sancionadores da CVM. Foto: Fábio Motta/Estadão

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A coleta e mineração de dados mostra, por exemplo, que 79,1% das partes acusadas no período eram pessoas físicas e apenas 20,9% pessoas jurídicas. Além disso, 47,9% dos casos analisados envolvem tanto empresas quanto pessoas físicas. Dentre os CNPJs encontrados, o mais comum é o de administradoras de carteira, que aparecem em mais de um quinto dos casos. Na física, diretores (38,4%) e conselheiros (19,5%) de gestoras, intermediários e companhias abertas são os mais atingidos por processos sancionadores.

A proporção de absolvição nos julgamentos na CVM tem sido de 47%. No caso de sanção, o desfecho mais comum é a aplicação de multas (41%), que variam entre R$ 997 e R$ 438 milhões. Em seguida vem a pena de advertência (6,4%). As penas de proibição (1,1%), inabilitação (3,9%) e suspensão (0,7%) de atividade ainda são pouco utilizadas pela xerife do mercado de capitais brasileiro.

Fatos relevantes

Problemas informacionais, como falhas na divulgação de fatos relevantes e falta de prestação de informações atualizadas são os mais frequentes temas dos processos administrativos sancionadores da autarquia, presentes em 570 processos (46,6% do total) de 2000 a 2019. Em seguida vêm questões societárias (44,6%), a exemplo da violação do dever de diligência, e em terceiro lugar, ilícitos de mercado (42,2%) como insider, manipulação de preços, operação fraudulenta e abuso do poder de controle. O estudo aponta que 54,5% dos PAS envolvendo ilícitos acabam em absolvição; outros 35,4% levam a condenações de multa.

Considerando somente os 960 casos que foram a julgamento, o tempo mediano total dos processos entre a data de autuação e a data de decisão é de um ano e 11 meses. No entanto, o prazo varia bastante e foram encontrados casos com mais de 20 anos de duração. O total de envolvidos influencia a métrica. Processos com mais de dez partes têm tempo mediano de três anos e cinco meses.

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Disponível em uma plataforma online interativa, a base de dados permite a realização de consultas, análises e cruzamentos de dados, além da realização de pesquisas avançadas sobre precedentes a partir da combinação de diversos parâmetros. A ideia é que ela seja alimentada anualmente a partir de agora.

O presidente da ABJ, Marcelo Guedes Nunes, diz que o objetivo das pesquisas da entidade é informar melhor as pessoas sobre cenários de litígios e probabilidades de desfechos. "Quanto mais informadas as partes, mais racional tende a ser na maneira de litigar. Isso ajuda o sistema a funcionar e também pode orientar o governo na formulação de políticas públicas melhores", afirma. O advogado diz que a tendência no mundo todo é que a regulação seja proposta com base em dados concretos, não em intuição.

A observação sistemática das decisões permite uma compreensão mais consistente do "enforcement" (aplicação das regras) da lei e da regulação da CVM. Os dados são fontes valiosas de orientação para regulados, por isso a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) foi parceira da ABJ no projeto. "O Observatório do Mercado de Capitais dá uma visão mais objetiva e de melhor qualidade da evolução do comportamento da jurisprudência administrativa ao longo do tempo. Ou seja: da aplicação, na prática, das normas", diz Eduardo Lucano, presidente-executivo da entidade.

Acordos

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Um bom exemplo é a estatística relativa aos termos de compromisso, nome formal dos acordos firmados pela CVM para extinguir processos sem julgamento. O levantamento revela que 351 dos 1.231 processos tiveram algum termo celebrado. As chances de aprovar uma proposta de acordo são mais altas nos sancionadores relacionados a problemas informacionais (que responderam por 77% dos acordos) e ofertas públicas (68,6%).

Além da Abrasca, bancas especializadas em direito societário como Cescon Barrieu, Mattos Filho, Yazbek Advogados, Pinheiro Neto e Guedes Nunes Oliveira Roquim participaram do think tank. Um comitê científico formado por autoridades na matéria, como advogados, professores e ex-diretores da CVM, participou do debate das informações coletadas extraídas por cientistas de dados especializados em jurimetria (estatística aplicada ao Direito).

Ex-diretor da CVM, o advogado Otavio Yazbek diz que o levantamento vai ajudar o mercado a enxergar as tendências do órgão regulador. Isso vai permitir críticas embasadas à sua atuação quando, por exemplo, ela fugir de um padrão em um caso específico. Mapear os debates e votos do colegiado também pode ser útil. "O excesso de divergência (nos julgamentos) pode ser importante para permitir ver a fragilidade da norma", reflete.

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No período analisado, 11,4% dos 960 processos julgados foram decididos por maioria. Em 38,2% dos casos houve declaração de voto pelos diretores para marcar posição, mesmo resultando depois em decisão unânime. Casos que combinam na acusação ilícitos de mercado e problemas informacionais geram alta divergência. O levantamento completo pode ser acessado aqui.

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