02 de agosto de 2021 | 09h00
O combate ao aquecimento global ganhou força com o Acordo de Paris, aprovado em 2015 e assinado por 195 países, e, com o avanço das mudanças climáticas, passou a envolver não só as nações, mas também empresas, que começaram a substituir fontes emissoras de gases do efeito estufa por fontes renováveis e limpas.
Conselhos devem se adaptar para transição inevitável para neutralidade em carbono, diz especialista
Cada país tem liberdade para orientar sociedade e empresas segundo sua realidade. Entretanto, mesmo com as especificidades locais, uma solução para atingir o objetivo do Acordo destacou-se: o carbono neutro. Especialistas ouvidos pelo Estadão explicam o que é esse conceito e quais são os impactos dessas metas ambientais na gestão das empresas.
Quando uma empresa divulga que tem uma meta de carbono neutro, significa que ela fez um cálculo sobre a quantidade de dióxido de carbono emitida durante suas atividades e que ela tem um plano para absorver esse carbono. Assumir a responsabilidade sobre a poluição que emite é uma das formas que a empresa tem de aderir às agenda ESG, sigla em inglês para os aspectos ambiental, social e de governança.
O professor e coordenador de programa do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV EAESP, Guarany Osório, explica que a neutralidade de carbono pode ocorrer em três vertentes da empresa:
A busca pela neutralidade de carbono não obriga que a empresa reduza as emissões em todos os escopos ao mesmo tempo. Ela pode escolher a qual fonte dará mais atenção. O que não for neutralizado, por falta de uma tecnologia que a empresa ainda não tenha, pode ser compensado, a curto prazo, por meio de projetos de redução de emissão.
“O que se busca nessas metas é que seja feito o maior esforço internamente de redução, porque senão a transformação não acontece. Se a empresa ficar só compensando com projetos de resíduos e floresta, ela não faz a transição”, afirma o professor.
A manutenção e o monitoramento constante das metas de carbono neutro são as peças centrais desse processo de transformação. “Se nós emitimos carbono hoje, ele demora um tempo para ser ‘sequestrado’. Isso deve ser considerado quando as empresas ou qualquer organização fala que é uma organização carbono zero”, ressalta Nelmara Arbex, sócia líder de ESG da KPMG.
Depois de investir fortemente na redução, as emissões que não puderam ser extintas devem ser compensadas por meio de projetos fora da empresa, como de reflorestamento, de redução de resíduos, dentre outros. Osório afirma que, ao buscar um projeto de compensação, as empresas devem procurar consultores que vendam créditos com credibilidade no mercado.
Um exemplo: a empresa não conseguiu reduzir 10 toneladas da emissão de gás carbônico de sua produção. Para compensar essa poluição, ela adquire créditos no mercado de um projeto de reflorestamento. Esse projeto tem como objetivo plantar uma quantidade suficiente de árvores que, pelo processo de fotossíntese, vão conseguir sequestrar e absorver todo o CO2 que foi emitido pela organização. Assim, com essas toneladas de carbono certificadas, a empresa consegue abater da sua conta como se ela tivesse feito essa redução na sua cadeia de produção.
Isso só é possível porque o processo de compensação de emissões parte da ideia de que o aquecimento global é uma problemática mundial, sendo assim, não importa onde a redução seja feita desde que ela seja realizada.
Após assumir as metas de carbono neutro e reaprender a utilizar os recursos, o primeiro ganho é na redução dos gastos gerais da empresa. “Como estão no início da jornada, elas aprendem a reduzir, a usar energia de outra forma”, diz Nelmara.
Outros ganhos surgem com o decorrer de ações transformadoras, uma vez que, quando a empresa se compromete com as metas ESG, ela inicia um processo de mudanças internas para além da redução da emissão de gases. Por meio dessas adaptações, a organização atenta-se para cenários futuros e traça planos para mitigar problemas e não ter prejuízos. Quando a organização faz essa transformação, ela passa a ser vista como uma empresa preparada para adversidades, sejam elas relacionadas a riscos internos ou externos.
Nesse sentido, Osório explica que as metas de ESG contribuem para além da redução de emissão de gases estufas. “Quando uma empresa está reduzindo a emissão de gases, ela também está olhando para os riscos, ela tem plano de adaptação.”
As metas de ESG vêm ganhando importância na hora de o investidor decidir em qual projeto aplicar seu dinheiro. Essa agenda vem sendo considerada uma forma de identificar quais são as organizações que pensam a sustentabilidade da empresa a longo prazo e, portanto, têm tendência a ter maior capacidade de enfrentar os desafios do mercado no futuro. Dessa forma, não só a saúde financeira da empresa, mas também aspectos sociais e éticos passam a integrar as análises para investimento.
Osório afirma que olhar para ações ESG e para os riscos também é um grande diferencial competitivo quando se fala em vendas, uma vez que o consumidor já está optando por organizações mais preocupadas com as pautas da agenda. “Assim, a mudança climática, por exemplo, não é só uma agenda para reduzir custos, é uma agenda de totalidade e de melhora de competitividade. Ela é estratégica”, diz.
Nesse sentido, divulgar as ações ESG não é apenas um sinal de transparência da empresa, mas também uma estratégia que visa a afetar positivamente a reputação e a competitividade da organização no mercado tanto para os consumidores quanto para os investidores.
O Brasil, para Nelmara, tem um ponto de partida privilegiado dentro da movimentação mundial de redução de emissão de carbono, por ter, por exemplo, uma frota de etanol instalada há muitas décadas, instalações de biodiesel e hidrelétricas. “Entretanto, a problemática é saber quão rápido, quão dispostas e quanto de incentivo essas empresas têm para fazer essa transição.”
A questão de incentivo é um ponto importante, uma vez que as agendas, em qualquer país, movem-se de forma colaborativa, com a união de todos os agentes: sociedade, empresas e governo. Osório afirma que o Brasil, mesmo com uma meta de redução de emissão para 2030, ainda tem falhas na construção de políticas públicas sobre o tema. Essa ausência governamental fez com que as empresas se orientarem pelas demandas do setor financeiro: “A empresa olha para a questão global, que é o Acordo de Paris, e para a sua reputação e competitividade e, assim, procura por processos que tenham menos emissão de carbono, sendo bom tanto para a sociedade quanto para o meu negócio.”
"Net zero" é entendido como um estado em que todas as atividades dentro da cadeia de valor de uma empresa resultam em zero emissão de dióxido de carbono no ambiente. Essa situação pode ser atingida de duas formas: quando a empresa não usa mais nenhuma fonte que não seja renovável ou quando as emissões são absolutamente pequenas.
Nesse segundo cenário, para alcançar essa redução, a empresa precisa necessariamente buscar reduzir as emissões dos três escopos citados anteriormente: direto, indireto por meio da eletricidade e na cadeia, pois é só com essas reduções que ela pode alcançar um estado de emissões absolutamente pequenas.
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