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Operação Suíça: fim do segredo bancário começou em São Paulo

Operação realizada pela Polícia Federal e Ministério Público em 2006 e levada a cabo pelos EUA foi o pontapé inicial para a mudança de uma tradição centenária: o segredo bancário suíço

Por JAMIL CHADE , CORRESPONDENTE e GENEBRA
Atualização:
Investigações nos EUA criaram restrições ao banco Credit Suisse no país Foto: Reuters

Uma tradição de 300 anos - o segredo bancário suíço - começou a ruir na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em um escritório de luxo em São Paulo. Documentos sigilosos da Justiça americana revelam que foi a ação do Brasil contra banqueiros suíços e doleiros que se tornou o pontapé inicial de um processo que desencadeou uma revolução nas regras contra as contas secretas dos bancos suíços e modificou de forma dramática o setor mais fundamental da economia do país.

Isso é o que revelam informes sigilosos de 2014 obtidos pelo

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Estado

e que resultam de investigações do Senado americano, de decisões da Justiça e da poderosa agência reguladora americana, a Securities and Exchange Commission (SEC).

O governo de Barack Obama liderou uma verdadeira ofensiva contra a evasão fiscal e, nessa busca, bancos como Credit Suisse e UBS foram os maiores alvos. Pressionados, o governo suíço e os bancos foram obrigados a ceder para não quebrarem. Os nomes de milhares de correntistas foram entregues à Justiça americana e o segredo bancário sofreu o maior golpe em 300 anos de história.

Os suíços tiveram de reformar suas regras, aceitar cooperar com polícias de todo o mundo, devolver recursos de corruptos e declarar que a fraude poderia ser investigada. Os bancos passaram a ser obrigados a conhecer a origem dos fundos depositados em suas contas. Nos EUA e em outros países, os bancos pagaram multas bilionárias para continuar a operar.

Por décadas, o sigilo bancário foi um dos maiores ativos econômicos e políticos da Suíça, permitindo que o país atraísse um terço das fortunas do planeta - cerca de US$ 7 trilhões. Parte dessa história fará parte do passado. Ivan Pictet, um dos principais banqueiros de Genebra, é um dos que se queixam de como a cidade "perdeu espaço" nas finanças internacionais nos últimos anos, cedendo lugar a locais como Cingapura.

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Operação Suíça.

Mas o que os documentos agora revelam é que a origem do golpe foi longe da Casa Branca. O primeiro choque nos bancos foi o resultado da operação Suíça, conduzida pela Polícia Federal e Ministério Público desde 2006. Naquele ano, a Justiça brasileira deteve o chefe do escritório do Credit Suisse em São Paulo, Peter Schaffner. Ele foi preso ao tentar fugir do País no dia em que o escritório do Credit Suisse foi invadido pela Polícia Federal e fechado na Faria Lima.

A PF apreendeu computadores e documentos do escritório, vinculado à matriz na Suíça. O juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6.ª Vara Criminal, autorizou buscas nas casas dos investigados e as principais acusações eram de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A prática ilegal de captação de clientes permitiu que a Justiça brasileira autorizasse escutas telefônicas.

Os documentos obtidos pelo Estado revelam que aquela operação e as seguintes pressões da Justiça brasileira a partir de 2008, com novas prisões, foram decisivas para a história dos bancos. "Em 2006, o escritório do banco (Credit Suisse) no Brasil foi fechado pelas autoridades brasileiras por estar ajudando a promover evasão fiscal", alerta um informe do Senado americano de 26 de fevereiro. O documento foi produzido pelo Subcomitê sobre Investigações, ligado ao Comitê para a Segurança Interna do Senado e presidido pelo senador Carl Levin.

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Num processo administrativo da SEC contra o Credit Suisse, de 21 de fevereiro de 2014, uma vez mais a ação da Justiça brasileira é destacada como o início da transformação dos bancos suíços. Segundo o documento, o "ímpeto para o Cross-Border+ Project foi a prisão em março de 2006 de vários banqueiros do Credit Suisse no Brasil, incluindo o chefe da unidade de private banking por conduzir seus negócios em violação às regras brasileiras".

De acordo com a SEC, o projeto Cross Border+ envolveu a gerência do banco em 80 países, incluindo os EUA. "Internamente, foi descrito como um esforço para estabelecer como o Credit Suisse e suas unidades deveriam conduzir seus negócios com atividades aceitáveis". Para cada um dos 80 países, manuais foram produzidos para orientar os banqueiros do que era legal ou ilegal.

A SEC revelou que, para os EUA, a orientação do banco era de que os banqueiros poderiam continuar a viajar às cidades americanas "mas apenas se a visita foi iniciada pelo cliente, tiver perfil exclusivamente social e nenhuma discussão seja realizada sobre investimentos".

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Citando documentos internos, a SEC ainda aponta que, em setembro de 2007, um banqueiro se queixou à chefia, alertando que a nova regra "deixou as pessoas sem ar para respirar". "As mudanças fazem os negócios impraticáveis."

Aquelas seriam mudanças importantes e mudariam a história dos bancos suíços. O exemplo do Credit Suisse começou a ser usado em outras instituições. Mas, para as autoridades americanas, a iniciativa ainda não era suficiente.

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Num outro documento de maio de 2014, a Corte do Distrito de Virgínia alerta que a reforma interna no Credit Suisse "não impediu banqueiros de abrir e fornecer serviços para contas não declaradas de clientes americanos".

O documento se refere ao processo entre o governo dos EUA e o Credit Suisse. "Certos administradores continuaram a se comportar de uma maneira que violava não apenas as diretrizes do Credit Suisse, mas também as leis fiscais federais dos EUA." Nesse caso, o Credit Suisse recebeu multa de US$ 2,6 bilhões da Justiça americana.

O que havia sido iniciado no Brasil antes mesmo de Obama assumir a presidência seria considerado até hoje pelos bancos um "divisor de águas".

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