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Bolsa recua 2,75% após acordo do governo para alterar teto de gastos; dólar avança 1,9%

Ibovespa foi duramente penalizado nesta quinta, após governo Bolsonaro abrir um espaço de R$ 83,6 bilhões para despesas adicionais em 2022, ano em que o presidente buscará sua reeleição

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Por Redação
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O pacote de bondades sendo costurado pelo governo, com Auxílio Brasil a R$ 400 sem fonte definida de custeio e ajuda de última hora ao diesel consumido pelos caminhoneiros autônomos, para evitar paralisação que havia sido convocada para 1º de novembro, foi recebido pelo mercado com uma apreensão: a de que o manche foi assumido de vez pela ala política para viabilizar a reeleição em 2022. Em resposta, nesta quinta-feira, 21, a Bolsa brasileira (B3) teve forte recuo de 2,75%, aos 107.735,01 pontos - no menor valor desde 20 de novembro. No câmbio, o dólar avançou 1,92%, cotado a R$ 5,6676 - maior valor desde 14 de abril

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Na mínima do dia, o índice caía mais de 4%, aos 105.713,81 pontos, menor nível intradia desde 20 de novembro de 2020. Diante do desempenho de hoje, a perda parcial da Bolsa na semana subiu para 6,03%. No mês, cai 2,92% e no ano, cede 9,48%. Hoje, o índice assimilou o aceno feito ontem pelo ministro Paulo Guedes, Economia, no fim da tarde, de que a política é quem tem voto e, portanto, a palavra final sobre o aconselhamento técnico - uma reviravolta recebida hoje como traição no mercado. 

Seja como excepcionalidade - 'waiver' no termo usado ontem por Guedes - ou como antecipação da revisão do teto de gastos, prevista para 2026, as palavras de ontem do ministro já contribuíam para firmar a percepção de que a política estaria ganhando a disputa contra a recomendação técnica, à medida que se aproxima a batalha eleitoral de 2022. Os desdobramentos de hoje levaram esta percepção um pouco mais adiante.

O ministro Paulo Guedes em evento no Planalto. Foto: Edu Andrade/ME - 27/9/2021

A licença temporária para gasta de Guedes veio acompanhada do acerto entre as alas política e econômica do governo para mudar a correção do teto. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, com este entendimento, o governo terá mais R$ 83,6 bilhões de espaço no teto em ano eleitoral. O espaço considera nova correção do teto e o novo limite para os precatórios.

O acordo foi fechado nesta manhã entre as alas política e econômica, após dias de embates entre as equipes para viabilizar o pagamento de R$ 400 aos beneficiários do Auxílio Brasil determinado por Bolsonaro. A proposta que está na mesa e que deve ser validada com o presidente é mudar a fórmula do teto, que hoje é corrigido pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior ao de sua vigência. A ideia é adotar a correção da inflação de janeiro a dezembro.

O impacto do furo do teto foi amplificado à tarde, depois que Bolsonaro anunciou a criação de um benefício a caminhoneiros, que ameaçam paralisação a partir de 1º de novembro. "Em torno de 750 mil caminhoneiros receberão ajuda para compensar aumento do diesel", afirmou, sem oferecer detalhes sobre a medida. A ajuda pode ser de R$ 400 mensais, a ser paga de dezembro de 2021 a dezembro de 2022, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

"O impacto foi imediato, acentuando piora que já vinha do começo da semana. Obviamente, toda essa situação, de perda do alicerce fiscal, recoloca o Brasil em ciclo antigo, já conhecido, com relação à inflação e aos juros", diz Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos.

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"EWZ (Fundo de ações do Brasil em Nova York) caindo praticamente 6% enquanto Ibovespa cedia 4% à tarde. Governo vendeu a alma para o Centrão, e perde a credibilidade que ainda tinha com o mercado financeiro brasileiro. O mercado é soberano, e esta semana pode ser um grande divisor de águas", diz Bruno Madruga, head de renda variável da Monte Bravo Investimentos.

"Para o mercado, o que mais surpreende é que o que sempre tinha ali era a equipe econômica, o Paulo Guedes tentando segurar o ímpeto populista do governo, que pensa em eleição. Ontem, aparentemente ele jogou a toalha, tirando o time de campo com relação ao teto, ao falar que a política é quem manda. Aversão a risco total", acrescenta Marcatti, observando que a Bolsa tende a sofrer um pouco menos do que o câmbio e os juros, mas ainda assim realizando, pelo aumento da aversão a risco.

Hoje, apenas três ações da carteira Ibovespa conseguiram escapar da correção: Suzano, com alta de 1,65% e BB Seguridade, de 0,80%, com Klabin sem variação no fechamento desta quinta-feira, após chegar a sustentar algum ganho. As perdas em Petrobras foram a 3,38% no fechamento para a PN, com queda de 1,64% em Vale ON, de até 5,41% na siderurgia para Usiminas PNA e de até 4,24% (BB ON) entre os grandes bancos. 

Câmbio

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O mercado doméstico de câmbio foi atingido nesta quinta pelo o que analistas costumam chamar de tempestade perfeita. Aos sinais inequívocos de que o governo está disposto a usar expedientes para driblar o teto de gastos, na tentativa de se cacifar para a corrida eleitoral, somou-se hoje uma onda de fortalecimento global da moeda americana que castigou divisas emergentes.

Em meio ao azedume com o aumento do risco fiscal, o dólar à vista já iniciou o dia em forte alta, rompendo o teto de R$ 5,65 logo nos primeiros minutos do pregão. Depois, diante do sinal de que o governo está disposto a abrir os cofres, o dólar tocou na máxima de R$ 5,6905, alta de 2,33%. A moeda acumula valorização de 3,90% nesta semana e de 4,07% em outubro.

O head de tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt observa que aumento de gastos cogitado até agora não altera de forma relevante a relação dívida/PIB, principal indicador da saúde fiscal do país. O que assusta o mercado, diz Weigt, é a incerteza em relação à magnitude das despesas e à manutenção da âncora fiscal. "A solução menos ruim seria colocar despesas pontuais extrateto. Não tem que mudar a regra do teto", afirma Weigt. "O problema é que não se sabe quanto vai ser gasto. Falam de auxílio de R$ 400, mas pode ser R$ 500, R$ 600, e podem inventar outras despesas", acrescenta.

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Não bastassem as pressões internas, o dia lá fora foi marcado por uma rodada de fortalecimento da moeda americana, com investidores adotando uma postura defensiva em meio aos problemas de solvência da incorporadora chinesa Evergrande. Também dava fôlego ao dólar o aumento das apostas de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pode começar a subir os juros ainda no início do segundo.

O índice DXY - que mede a variação da moeda americana frente a seis divisas fortes - operou em alta firme ao longo do dia, na casa dos 93. O dólar subiu com força também em relação a divisas emergentes e de países exportadores de commodities. Entre os pares do real, a valorização era de 1,60% ante o rand e superior a 0,40% frente ao peso mexicano. A maior valorização se dava na comparação com a lira Turca, de 3%, reflexo da decisão do Banco Central Turco de cortar a taxa os juros. /LUÍS EDUARDO LEAL, ANTONIO PEREZ E MAIARA SANTIAGO

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