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A história do inferno brasileiro

No próximo ano possivelmente assistiremos a cenas patéticas. Farta produção encalhada na falta de infra-estrutura. Discursos não tapam buracos de estradas, não imobilizam os vírus da febre aftosa ou da clorose variegada dos citros, nem tornam os portos mais eficientes. É preciso agir.

Por Agencia Estado
Atualização:

A atual situação do agronegócio e a velha piada do nosso inferno se complementam. Contam que havia um inferno para cada país, o suíço, o inglês, o norte-americano, o português e o brasileiro, é lógico. Em cada um deles havia um castigo diário. No suíço, meia chibatada por dia com direito a atendimento médico, no inglês cinco chibatadas e no brasileiro quatrocentas chibatadas sem direito a nada.Um novato chegou e viu que a fila para o inferno suíço era minúscula, na porta do inglês não havia ninguém, já no brasileiro milhares se acotovelavam. Sem entender a lógica daquilo, resolveu perguntar. "A pena aqui é a maior, porque vocês não vão para outro inferno?" E veio a resposta avassaladora: "Essa é a melhor, um dia falta o chicote, outro dia os carrascos estão em greve..." O resultado é que não se conhecia ninguém que tivesse levado uma qualquer das quatrocentas chibatadas da pena brasileira.Apesar de parecer engraçado, não é. O agronegócio brasileiro é o mais competitivo do mundo. Os nossos agricultores fizeram do Brasil o maior produtor de café, de laranja, de açúcar, de álcool, o segundo de soja, o terceiro de milho, um dos importantes de algodão... O País é o maior exportador de carne bovina, o segundo de carne de frango, grande exportador de carne suína, e outros exemplos não faltam.O que falta então? Estradas decentes, portos menos indecentes, conteineres (embalagens para colocar nossos produtos e mandar para os compradores), navios para carregar isso tudo, investimentos em defesa sanitária e inteligência para driblar as malaquices internacionais, ou existe melhor explicação para entender as autoridades chinesas que compraram soja por um preço, devolveram alegando sei lá o que e readquiriram o produto por um preço muito menor? E as autoridades russas que "confundiram" Pará, onde surgiu outro foco da imbatível febre aftosa, com o Paraná? Nada a declarar sobre os argentinos que mesmo sem importar um quilo sequer de carne bovina in natura do Brasil, aproveitaram que os russos proibiram a importação de carne brasileira e proibiram também. Esses vizinhos! Nem da seleção de futebol "B" do Brasil eles ganham!A burrice é um problema grave. E a abundância dela pode por a perder os ganhos fantásticos obtidos pelo produtores brasileiros que navegam contra a maré, sem remo, sem vento, com um governo que age como a biruta de aeroporto, ao sabor do vento.No próximo ano possivelmente assistiremos a cenas patéticas. Farta produção encalhada na falta de infra-estrutura. Discursos não tapam buracos de estradas, não imobilizam os vírus da febre aftosa ou da clorose variegada dos citros, nem tornam os portos mais eficientes. É preciso agir.Alguém poderia questionar que os acordos comerciais internacionais caminham. Claro, a Área Livre de Comércio entre as Américas parece não interessar ao atual governo. Vamos nos tornar o quintal dos Estados Unidos da América, é o que fica nas entrelinhas das declarações dos negociadores. Vamos? Com a União Européia, nosso maior cliente, está mais atolado que carro em areia da praia.Na OMC aconteceu alguma coisa. Que me tolerem os especialistas Pedro de Camargo Neto e Marcos Sawaia Jank, mas o que aconteceu no último fim de semana foi o suspiro do moribundo, ou colocava o batimento cardíaco em ordem ou aquele seria o famoso último suspiro. Ele escolheu a primeira opção. Respirará um pouco mais, até quando, só o tempo implacavelmente dirá. Mas as nossas relações comerciais com o Gabão vão muito bem.Que bom! Só a dívida perdoada dessa ditadura de mais de 30 anos seria suficiente para resolver a difícil situação dos produtores de feijão brasileiros que recebem R$ 50 ou menos por saca e daria para aumentar os contratos de opção para o milho, que deverá amargar péssimos preços nos próximos meses. Ou perdi o bom senso, ou eles perderam, ou melhor, acho que nunca tiveram. É ou não é o inferno mais agradável? por Antônio Reche* * Jornalista, apresentador do programa Mercado Futuro na TV Canal do Boi

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