PUBLICIDADE

Publicidade

A polêmica adição de derivados de mandioca à farinha de trigo

Por Agencia Estado
Atualização:

Pouco se sabe, mas a mandioca é um dos produtos agrícolas mais dinâmicos. Ainda prevalece o errôneo pensamento que seja apenas um produto de subsistência. Diferente disso, a raiz de mandioca é uma importante matéria-prima industrial. A fécula ou amido de mandioca é o produto mais nobre extraído da raiz e sua utilização se dá em mais de mil segmentos, sendo utilizado na indústria alimentícia, de plásticos, siderurgia e extração de petróleo. Da mandioca, pode-se extrair ainda o álcool, que atualmente vem sendo alternativa como combustível, em países como Tailândia, Vietnã e China. Em anos recentes, o Brasil tem se destacado como o segundo maior produtor mundial de mandioca, sendo um dos produtos de destaque da agricultura brasileira. Além disso, a cadeia produtiva da mandioca no Brasil movimenta cerca de US$ 2,5 bilhões, gerando arrecadação de US$ 150 milhões. Mesmo com tais aspectos positivos, nem sempre a demanda pelos produtos da cadeia da mandioca respondem na mesma intensidade da oferta, havendo freqüentes desequilíbrios na produção e preços. Em razão desses desequilíbrios, tramita no Congresso Nacional desde 2001 o Projeto de Lei nº 4.679 do então deputado federal Aldo Rebelo. O objetivo principal do referido projeto é tornar obrigatória a adição de farinha de mandioca refinada, de farinha de raspa de mandioca ou fécula de mandioca à farinha de trigo, política essa que já foi utilizada no Brasil na década de 1930. Após várias modificações no Projeto original, atualmente trabalha-se para a adição de 10% de farinha de mandioca refinada, de farinha de raspa de mandioca ou de fécula de mandioca à farinha de trigo. Há, porém, algumas particularidades. No caso da farinha destinada ao pão francês, por exemplo, metade de todo o volume deveria conter, no primeiro ano após a aprovação do projeto de lei, 5% de derivado de mandioca; a partir do 13º mês da aprovação, subiria para 10%. O projeto sinaliza também para incentivos fiscais para compradores e vendedores dos derivados da mandioca. A possível aprovação certamente beneficiará a cadeia produtiva da mandioca, uma vez que haverá incremento na demanda pelos produtos sucedâneos. Nesse cenário, se faz importante analisar quais os possíveis impactos dessa lei para o agronegócio brasileiro e para a sociedade como um todo. Um dos primeiros impactos será na balança comercial de trigo. Havendo mistura de derivado de mandioca à farinha de trigo, reduzir-se-á o déficit na balança comercial desse produto, bem como haverá economia de divisas, uma vez que o Brasil importa aproximadamente 75% do trigo consumido. Importante salientar que a redução nas importações poderá se dar em volume proporcional à adição da fécula. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam que entre 1996 e 2005 foram gastos pelo Brasil R$ 17 bilhões com a importação de trigo. Outro ponto importante a ser citado é a geração de empregos. É certo que havendo elevação na demanda se faz necessário aumentar a área plantada. Diante disso, alguns estudos estimam que entre 50 e 100 mil novos empregos poderão ser criados na cadeia produtiva da mandioca. Dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 53% da mandioca cultivada no Brasil está em propriedades com menos de 50 hectares. Diante disso, a mistura poderia beneficiar pequenos produtores. Além disso, a depender da conjuntura de mercado (oferta e demanda), a renda do agricultor poderia ser incrementada. Apesar da presente competição por áreas de cultivo, principalmente com a cana-de-açúcar, sobretudo nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná, observa-se que o produtor característico (com menos de 50 ha) poderia se manter na atividade, sendo um fator de fixação do agricultor na atividade, contribuindo para possível regularidade na oferta e uma possível melhoria na gestão da matéria-prima desde que haja interesse por parte da indústria processadora. Acredita-se que a farinha de raspa seria o derivado mais recomendado para se adicionar à farinha de trigo, no entanto, sabe-se da existência de apenas uma unidade de processamento desse derivado no Brasil atualmente. Assim, haveria a necessidade de adaptação das plantas atuais ou de criação de novas unidades. Nesse aspecto, poderia haver pressão sobre as cotações no curto e médio prazos, causando impactos nos preços de outros produtos derivados da mandioca. Polêmica - A adição da fécula de mandioca à farinha de trigo é uma alternativa bastante positiva para a mandiocultura, uma vez que a demanda pelo produto encontra-se retraída. Novos investimentos estão sendo efetuados, mostrando que o setor estaria preparado para atender à esse "novo mercado". Nesse sentido, os impactos nos preços de produtos derivados seriam mínimos. Diante do fato de o agricultor não dispor de capital para investimento, possivelmente a produtividade não apresentaria incremento. Desse modo, poderia haver a disputa pela matéria-prima entre as farinheiras e fecularias, podendo ocorrer elevação nos valores da farinha de mandioca, produto que é geralmente consumido pela parcela da população de menor renda. Por outro lado, conforme Francisco Samuel Hosken, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) e Maria do Céu Paixão Kupidlowski, presidente interina do Movimento das Donas de Casas e Consumidores de Minas Gerais, tal projeto é inconstitucional, pois retira do consumidor o direito de escolher o produto que quer e que a obrigatoriedade da adição fere a lei de livre mercado. O presidente ressalta ainda que esse projeto tenta garantir a demanda de um setor por meio de uma lei e que prejudica um setor em detrimento de outro. A Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip) também é contra a aprovação do projeto de lei. O presidente da associação, Marcos Salomão, alega que a indústria de panificação já utiliza derivados de mandioca em grande quantidade sem a obrigatoriedade, mas em produtos que permitem sua utilização e, sempre, respeitando os hábitos de consumo da população. O presidente do Moinho Pacífico, Lawrence Pih, porta-voz da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), reforça as críticas, dizendo que a mistura obrigatória vai distorcer um produto nobre, de consumo popular. Para ele, reduzir o trigo do pão, que tem de 10% a 12% de proteína, para adicionar mandioca, que tem de 1% a 2%, é uma contradição. Apesar de toda a polêmica, o projeto de lei que obriga a adição da fécula ou raspa de mandioca à farinha de trigo deverá ser votado no início de agosto - agendado para dia 1º. A partir de então, o relator do projeto, o deputado federal Nilson Mourão (PT-AC) vai apreciar as emendas ao projeto, que puderam ser feitas até o dia 13 de julho. De maneira geral, a obrigatoriedade poderá resultar em benefícios à cadeia produtiva da mandioca, entretanto, ainda pairam as discussões acerca dos impactos que o projeto teria para o segmento do trigo. Certamente a melhor resposta acerca do assunto será dada pelo mercado, e não somente pela obrigatoriedade.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.