20 de agosto de 2021 | 15h00
George Brian McGee, executivo financeiro na Flórida, estava a caminho de casa, dirigindo um Tesla Model S funcionando no piloto automático (autopilot), um sistema que pode controlar a direção do carro, frear e acelerá-lo sozinho, quando deixou cair o celular durante uma ligação e se abaixou para procurar o aparelho.
Nem ele, nem o piloto automático perceberam que a estrada estava terminando e o Modelo S ignorou uma placa de pare e uma luz vermelha piscando. O carro bateu em um Chevrolet Tahoe estacionado, matando uma universitária de 22 anos, Naibel Benavides.
Este é mais um do crescente número de acidentes fatais envolvendo carros da Tesla operando no piloto automático. Mas o caso de McGee é incomum porque ele sobreviveu e contou aos investigadores o que havia acontecido: ele se distraiu e confiou em um sistema que não viu, nem freou ao se deparar com um carro estacionado à sua frente. Os motoristas de veículos da Tesla que usavam o piloto automático em outros acidentes fatais, na maioria dos casos, morreram, deixando os investigadores com a tarefa de reunir as informações dos dados armazenados e vídeos gravados pelos carros.
“Eu estava dirigindo e deixei meu celular cair”, disse McGee a um policial que estava cuidando do caso, de acordo com uma gravação de uma câmera corporal no uniforme de um policial. “Eu olhei para baixo, passei pela placa de pare e bati no carro do cara.”
As declarações de McGee aos investigadores, o relatório do acidente e os arquivos do tribunal pintam um quadro trágico do excesso de confiança na tecnologia. Eles também sugerem fortemente que o piloto automático falhou em uma função básica - frenagem automática de emergência - que os engenheiros desenvolveram anos atrás. Muitos carros mais novos, inclusive modelos muito mais baratos e menos sofisticados que os da Tesla, podem diminuir a velocidade ou parar o carro quando um acidente parece provável.
Na segunda-feira, a Administração Nacional de Segurança do Tráfego Rodoviário (NHTSA, sigla em inglês) disse que abriu uma investigação formal a respeito do piloto automático. A agência disse estar ciente de 11 acidentes desde 2018 envolvendo automóveis da Tesla que colidiram com carros da polícia, dos bombeiros e outros veículos de emergência com luzes piscando estacionados em estradas e rodovias. Em um deles, um Tesla colidiu com um caminhão de bombeiros em dezembro de 2019 em Indiana, matando um passageiro do veículo e ferindo gravemente o motorista.
Dirigir distraído pode ser fatal em qualquer carro. Mas especialistas em segurança dizem que o piloto automático talvez encoraje a distração induzindo as pessoas a pensar que seus carros são mais capazes do que elas. E o sistema não inclui dispositivos de segurança para garantir que os motoristas estejam prestando atenção na estrada e possam retomar o controle se algo der errado.
A Tesla, a fabricante de automóveis mais valiosa do mundo, e seu CEO, Elon Musk, descrevem o piloto automático de seus carros como uma forma de tornar a direção mais fácil e segura.
Apesar do nome, o piloto automático não transforma um Tesla em um veículo autônomo. A indústria automobilística o classifica, assim como a sistemas semelhantes oferecidos pela General Motors e outras empresas, como nível 2 de direção autônoma. Carros que podem operar de forma autônoma o tempo todo seriam nível 5, uma classificação que nenhum veículo à venda atualmente está perto de alcançar.
Os críticos da Tesla afirmam que o piloto automático da empresa tem vários pontos fracos, inclusive a possibilidade de motoristas como McGee usá-lo em ruas dentro da cidade. Com a ajuda de um GPS e um software, GM, Ford Motor Co. e outras montadoras restringem seus sistemas a rodovias divididas pelo sentido de direção, onde não há placas de pare, semáforos ou pedestres.
Os manuais para proprietários de um Tesla alertam os clientes para não usar o piloto automático nas ruas da cidade. “O não cumprimento dessas instruções pode causar danos, ferimentos graves ou morte”, diz o manual para modelos de 2019.
“A tecnologia existe para limitar onde o piloto automático pode ser usado, mas o Tesla permite que os motoristas o utilizem em ruas nas quais ele não deveria ser usado”, disse Jason K. Levine, diretor executivo do Center for Auto Safety, um grupo sem fins lucrativos de Washington. “Eles tomaram a decisão corporativa de fazer isso, mas isso resultou em tragédias evitáveis. Isso deveria causar fúria.”
O diretor jurídico da Tesla, Ryan McCarthy, e Musk não responderam aos e-mails solicitando comentários.
As autoridades reguladoras estão investigando outras potenciais falhas do piloto automático. O sistema, que inclui câmeras, radar e software, às vezes falha em reconhecer outros veículos e objetos sem movimento. Em julho, um Tesla bateu em um SUV estacionado no local de um acidente anterior em uma rodovia perto de San Diego. O motorista estava com o piloto automático ligado, adormeceu e, depois, não passou no teste de sobriedade, segundo a polícia. Este ano, um casal da Califórnia processou a Tesla por sua ligação com um acidente de 2019 que matou seu filho de 15 anos.
A NHTSA está investigando mais de duas dezenas de acidentes que ocorreram quando o piloto automático estava em uso. A agência disse estar ciente de pelo menos 10 mortes nesses acidentes.
McGee, 44 anos, é sócio-gerente de uma pequena firma de private equity, a New Water Capital. Ele comprou seu Model S, um modelo de alto desempenho, em 2019.
Na noite do acidente, ele saiu da cidade de Boca Raton e dirigiu em direção ao sul pelas principais rodovias. Ao sul de Miami, pegou a US Route 1, atravessou uma ponte estreita com pedágio para a região de Key Largo e continuou o trajeto pela Card Sound Road, uma estrada de mão-dupla que termina na County Road 905. McGee estava com o piloto automático ligado e a velocidade ajustada para 70 km / h, de acordo com dados que a polícia recuperou do carro.
Mais ou menos na mesma hora, Naibel estava em um encontro com Dillon Angulo. Ele estava dirigindo o Tahoe preto de sua mãe e parou no acostamento da County Road 905 perto da Card Sound Road. Angulo parou a cerca de 13 metros do limite do cruzamento, estacionou em uma faixa de cascalho e saiu. Naibel saiu do banco do passageiro e deu a volta para o lado do motorista, de acordo com a investigação.
Dados do Tesla mostram que o Model S acelerou de 70 para 96 km/h alguns segundos antes de colidir com o Tahoe. Não está claro se foi o piloto automático ou McGee que aumentou a velocidade. Os dados do veículo e as marcas de derrapagem indicam que McGee pisou no freio menos de um segundo antes do impacto. Ele disse à polícia que não sabia dizer quão próximo estava do cruzamento quando começou a procurar por seu celular.
A família de Naibel processou a Tesla no tribunal do condado de Miami-Dade, alegando que os carros da empresa são "defeituosos e inseguros". Todd Poses, advogado de Miami que representa a família, disse que era esperado que McGee testemunhasse no caso. Um processo à parte movido pela família contra McGee foi concluído, segundo Poses, mas ele não divulgou os termos.
No tribunal, a Tesla apresentou uma breve resposta negando as reivindicações da família de Naibel sem dar mais detalhes. Em casos semelhantes, a empresa afirmou que a culpa recai exclusivamente sobre os motoristas de seus carros. /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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