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Aftosa: a prevenção é o melhor caminho

Por Agencia Estado
Atualização:

No início deste ano o Brasil atingiu grandes recordes em dólar na exportação de carne bovina. Em razão disso, cresceu no imaginário das pessoas a idéia de que, decorridos pouco mais de quatro meses do início oficial da febre aftosa, nada perturbou a continuidade da comercialização de nossos produtos para a Comunidade Européia. Nada mais falso. Na verdade, janeiro foi o último mês de embarque dos contratos firmados anteriormente ao embargo. Daí para frente, apenas os Estados fora da proibição puderam continuar fechando novos contratos. A questão é saber até que ponto eles conseguem suprir a pauta ao nível anterior, face às condições do tamanho do rebanho e a disponibilidade de frigoríficos em suas regiões. Tarefa difícil. Com isto, devemos esperar por uma redução no volume exportado. O aumento do dólar deverá manter o valor das exportações próximo ao nosso desempenho recente. O fato é que, com relação ao embargo, imposto por 52 países, a situação continua na mesma. O comissariado europeu esteve, neste semestre, vistoriando as medidas adotadas pelo governo e voltou perplexo. Por exemplo, o rebanho infectado do Paraná, de mais de 3.000 cabeças, ainda não tinha sido eliminado porque uma liminar na Justiça impedia que esta ação tivesse seu curso. Em tempo: o vírus pode se propagar pelo ar em distâncias superiores a 30 km. Portanto, rebanho vivo e infectado: vírus em propagação. A Argentina viveu problema semelhante em sua fronteira. Não faltaram tentativas para envolver os argentinos como parte de nossos problemas. Na verdade devemos entender que a solução do problema criado por nós depende apenas de nós mesmos. Não podemos nem devemos incluir os argentinos nisso. Apesar de se tentar ver o problema como regional, argumentando que os focos de febre aftosa estão tanto no Brasil como na Argentina, isso não é fato, precisamos entender a situação dentro de um contexto técnico/político maior. A Argentina foi complacente com seus criadores, arrogante com os produtores brasileiros de fronteira e paga agora o preço. O governo brasileiro foi leniente com produtores do Mato Grosso do Sul e Paraná e está todo enrolado para explicar como entrou nesta e como vai sair. Porém, os dois países são cúmplices num mesmo ponto: a ausência completa de atitudes com relação ao nosso vizinho comum - o Paraguai, que aceita práticas pouco recomendáveis no manejo do seu rebanho. Enquanto nenhuma decisão a nível regional é encarada, a conseqüência final é que toda a região de fronteira está contaminada e os governos ficam se acusando mutuamente, ao invés de agir com vigor e resolver o problema, sem o que os organismos internacionais não levantarão o embargo e o problema tende a se perpetuar, para desespero de nossos criadores e trabalhadores. Na questão da oferta deve-se lembrar que as exportações de carne no Brasil chegaram perto da soja, o que é bastante expressivo. Disponibilidade do produto e preço nos tornou líderes do segmento. Estamos presentes em cerca de 140 mercados no mundo. Apenas 52 países mantêm embargo ao produto. Uma de nossas desvantagens é que não estamos presentes em países de consumidores de produtos de maior valor agregado, como os USA, Japão e Coréia do Sul. Nossos empresários investiam nesta direção de maior rentabilidade do produto, justamente, quando mais uma vez foram atropelados por esta nova crise e para piorar, temos demonstrado baixa capacidade de gerenciar, sozinhos, esta problemática. No ranking do mercado de carne bovina o Brasil responde por 1.600 (em mil toneladas - 2004), seguido pela Austrália, com 1.300; e Canadá, com 560. Portanto, o país mais próximo de levar nossa liderança é a Austrália. O complexo de carnes no Brasil responde por cerca de US$ 3,5 bilhões ou quase 4% de nossa pauta de exportações. Nossos principais mercados compradores são a União Européia e Ásia (sem Oriente Médio). Cerca de 20% da pauta, ou seja, muita coisa está em jogo para ficarmos "brincando" de liminares. O mercado mundial de produtores da carne bovina não é tão grande, portanto a busca de novos fornecedores do produto não é tão fácil. O Brasil tem o maior rebanho. O concorrente direto é a Austrália, os demais (Canadá, Nova Zelândia, Argentina e Índia) estão distantes. Portanto, a situação nos é favorável - basta juízo e profissionalismo. Mas há outras questões relevantes. Durante o desenrolar da crise foram fechados cerca de 16 frigoríficos e dispensados milhares de trabalhadores. As plantas industriais remanescentes estão com ociosidade de até 30% da capacidade instalada. Os frigoríficos estão remunerando o criador em valores, por arroba, de 25% a 30% a menos do que a cotação da ABMF que já é baixa. Isto inunda o mercado consumidor, no curto prazo, de carne barata e descapitaliza o criador, que reduz o seu plantel para fazer frente aos seus custos. Some-se a esta situação o fato de que, nos últimos três anos (pelo fortalecimento do real), a pecuária de corte rendeu menos que a poupança e o quadro fica realmente preocupante. Assistimos, portanto, a um vigoroso e gradual cenário de desinvestimento no setor. Quando o mercado voltar a operar, assistiremos a um aumento real no preço da arroba do boi, que será acrescido de um "plus" de reinvestimento, tudo isto a ser pago pelo consumidor brasileiro, pois o mercado lá fora está fixado em dólar e os preços não vão se alterar muito. Temos, no Brasil, a tendência de discutir muito mais as circunstâncias do que as causas efetivas. Até aqui, debateu-se muito pouco as questões voltadas aos procedimentos que nos permitissem a formar rebanhos sadios. Por exemplo, que programas no mundo obtiveram sucesso na erradicação desta epidemia? O que o governo pode realizar para erradicar a febre aftosa? Qual a contribuição das Associações de classe, grandes produtores e frigoríficos? A atitude de não agir preventivamente em grande parte se deve à nossa tendência de olhar para as circunstâncias e não para os fatos. No geral, parece que nos sentimos mais confortáveis em discutir as doenças e epidemias ao invés de agir para impedir que elas ocorram. O problema é que o custo desta omissão começa a ficar difícil de suportar com tantas demissões de trabalhadores, perda de participação no mercado internacional, perda de reservas em nossa balança de pagamentos, apenas para citar alguns dos impactos mais imediatos e visíveis. Não há dúvida de que o caminho da prevenção é o mais eficaz, porém quem se habilita a liderá-lo?

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