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Após 5 anos, GM é julgada no Brasil por casos de incêndio

Montadora foi denunciada por acidentes fatais com o Vectra e governo avalia se o carro tem defeito e se é preciso fazer recall

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A recente onda de recalls da General Motors nos Estados Unidos, um deles envolvendo 2,6 milhões de veículos, trouxe à tona no Brasil um caso que se arrasta desde 2009 envolvendo acidentes com o modelo Vectra, que se incendiaram. Os problemas nos modelos americanos eram de conhecimento da empresa e da Administração Nacional de Segurança de Tráfego em Rodovias (NHTSA), agência ligada ao Departamento de Transporte americano, há pelos menos dez anos.

Neste vectra, cinco rapazes de Anchieta (ES) sofreram queimaduras graves Foto: Divulgação

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O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, iniciou investigação há cinco anos, com base em um dossiê que relata 32 acidentes e 24 vítimas fatais. O objetivo é avaliar se a GM deve ou não fazer um recall do modelo, produzido no País de 1993 a 2011.

“O caso é muito complexo e estamos na fase final de apuração”, diz o diretor do DPDC, Amaury Oliva. Ele acredita que no máximo em dois meses o Grupo de Estudos Permanentes de Acidentes de Consumo (Gepac) dará parecer determinando recall ou arquivamento do processo. O grupo reúne entidades como Procons, Ministério Público e Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).

Nos EUA, o defeito na chave de ignição de vários modelos da GM, todos fora de linha, resultou em 13 mortes. A empresa foi multada em US$ 35 milhões pela demora em fazer o recall.

No Brasil, desde o início das investigações, a GM afirma que os incêndios não são decorrentes de defeito de fabricação. Segundo dados do mercado, há cerca de 460 mil unidades de Vectra rodando pelo País, de três diferentes gerações.

A GM cita laudo do Denatran feito a pedido do DPDC, cuja conclusão é de que não há vínculo entre os acidentes e o projeto do Vectra. Também diz que as causas não estão relacionadas umas com as outras. Na Justiça, há pelo menos cinco ações pedindo indenização, e duas envolvem cinco mortes. Numa delas, a GM fez acordo e pagou indenização de R$ 6 milhões a familiares das vítimas.

O Denatran confirma ter concluído que “não houve um fato gerador comum entre os incêndios”. O relatório entregue ao DPDC em agosto de 2012 foi feito em cooperação com o Centro de Experimentação e Segurança Viária (Cesvi Brasil).

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No relatório de 151 páginas, contudo, o Cesvi encerra afirmando que “não foi possível concluir com precisão as causas dos incêndios” e sugere a continuidade das avaliações. Sugere, por exemplo, a localização de um veículo incendiado e um levantamento estatístico de todos os veículos que pegaram fogo entre 2006 e 2009.

As investigações se basearam em dez casos, a maioria com informações fornecidas por seguradoras. “O Cesvi não avaliou os carros incendiados, não falou com as vítimas e seu relatório é de uma pobreza técnica irresponsável”, afirma o advogado André Paiva Pinto.

Indenização. Ele foi responsável pela ação em nome dos familiares de quatro pessoas que morreram carbonizadas no primeiro caso relatado, em agosto de 1999. O Vectra com sete meses de uso pegou fogo na BR-070, em Barra do Garças (MT). Morreram Antônio Pedemonte Araújo, de 49 anos, seus pais, Heronides de Aquino Araújo, de 89 anos, e Ítala Pedemonte Araújo, de 86 anos, e Maria Domitila Gusmão, de 57 anos.

A ação foi movida em 2001 com base em investigações que não apontaram motivo aparente para o incêndio. Pedia indenização e realização de um recall. No ano passado, a GM fez acordo com os familiares e pagou R$ 500 mil a cada um dos 12 envolvidos. O processo já tinha sido ganho em duas instâncias e foi extinto antes de ir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que poderia determinar o recall.

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No fim de 2013, Paiva entrou com nova ação em nome de um dos filhos do casal morto que não participou do processo anterior. “Além de indenização (de R$ 10 milhões), retomamos o pedido do recall, pois é um absurdo que isso não tenha sido feito até agora e muitas vidas continuem em perigo”, afirma.

Ao longo do processo, Paiva criou a Associação Brasileira de Consumidores Automotivos (ABCAuto), para reunir casos parecidos. Junto com a Associação Nacional das Vítimas das Empresas Montadoras e Concessionárias Automotivas (Avemca) foi feito o dossiê entregue ao DPDC.

Segundo o documento, dos 32 casos de incêndios e explosões até 2009, 20 teriam ocorrido sem motivo aparente. Nos demais, houve colisões. Após essa data, surgiram novos relatos, aumentando os números para 42 acidentes e 27 mortes.

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Alguns desses casos têm ações na Justiça, outros apenas boletins de ocorrência em delegacias e outros foram relatados por consumidores via internet. Há até casos que teriam ocorrido em 2013. Além do DPDC, o relatório foi entregue à Comissão Nacional Permanente de Defesa do Consumidor, da Câmara de Deputados.

Uma das vítimas, cuja família move ação, é a da bebê Raíssa, de sete meses. Em julho de 2008, sua mãe Lucineia Rodrigues dos Santos Silva estacionou o Vectra, adquirido três anos antes, na garagem de casa, em Três Lagoas (MS). Desceu com o filho de cinco anos e voltaria para pegar a menina, que dormia na cadeirinha. Mal entrou na casa, ouviu uma explosão e viu o carro em chamas. Ela retirou a bebê, já com boa parte do corpo queimado. Após 34 dias de internação e várias cirurgias, a menina faleceu. 

O carro foi levado para perícia e constatou-se defeito na parte elétrica. Lucineia entrou com ação contra a GM e a montadora obteve direito a nova perícia, mas o carro sumiu do terreno onde foi depositado pela Polícia local. O caso está parado na Justiça.

Bruno Ferreira Mulinari é outra vítima que aguarda decisão judicial. Ele e quatro amigos de 18 a 20 anos estavam em maio de 2009 em um Vectra numa estrada em Anchieta (ES) quando sentiram forte calor nas pernas. “Logo em seguida o carro estava em chamas e pulamos para fora.” Todos tiveram queimaduras graves. Dois deles ficaram internados por mais de um ano.

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