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Censura no Facebook: arbitrária e caprichosa

Facebook não tem nenhuma obrigação de publicar conteúdo que considere ofensivo, mas censura na rede social não é transparente

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Por Redação
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NOVA YORK - O Facebook tem hoje mais de 1,3 bilhão de usuários ativos, número quase equivalente à população da China. Isso significa que impressionantes 18% da população mundial acessam a rede social ao menos uma vez por mês. O site se tornou a maior comunidade de todos os tempos: um lugar onde ideias, histórias, imagens e pontos de vista são comunicados instantaneamente, ultrapassando fronteiras nacionais, geográficas e ideológicas.

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Mas, sempre que surge um fórum público de diálogo, regras são estabelecidas, e o Facebook não é exceção. A página da internet sustenta uma lista de comportamentos aceitos nas comunidades "para equilibrar as necessidades e interesses de uma população global". O Facebook proíbe ameaças de violência contra si ou contra outros, e também o assédio e o bullying, os discursos de ódio, conteúdo explícito e nudez.

Pode-se questionar essas categorias - um interessante debate teve início recentemente envolvendo a forma com que as redes sociais deveriam lidar com decapitações e outras imagens de violência extrema -, mas, por se tratar de uma organização particular, e não de um governo, o Facebook não tem nenhuma obrigação de publicar conteúdo que a empresa não deseje veicular. A Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos garante apenas que os governos nacional, estadual e municipal precisam respeitar a liberdade de expressão. Como entidade não-governamental, o Facebook pode permitir ou proibir qualquer conteúdo, assim como um clube pode definir as regras para os palestrantes e os jornais decidem quais artigos desejam publicar. Se desejasse, Mark Zuckerberg, diretor executivo da empresa, poderia calar todos aqueles que escrevem com erros de gramática, apagar todos os vídeos ligados ao desafio do balde de gelo ou bloquear usuários que postam fotos demais de seus gatos.

Mas, levando-se em consideração o volume de conteúdo publicado todos os dias pelos usuários do Facebook, é impossível para o site avaliar todas as postagens (ou mesmo alguma delas) antes da publicação. A rede conta com os usuários para detectar violações das regras de convivência. "Se vir no Facebook algo que pareça violar nossos termos de uso", implora o site, "informe-nos do ocorrido".

Minha experiência em ambos os extremos do regime de denúncia e informação indica que o processo não é racional nem transparente. Os censores do Facebook operam sob um manto de anonimato, sem nenhum vínculo de responsabilidade com os demais usuários. Quando a Suprema Corte emite decisões, os juízes apresentam detalhadas e cuidadosamente ponderadas justificativas por escrito (com frequência também bastante longas). Assim, ao concordar ou discordar da decisão da Corte, nós ao menos o fazemos sabendo qual foi a base do julgamento.

O mesmo não vale para o Facebook. Por mais poderosos que sejam os nove juízes da Suprema Corte, eles não são mais os árbitros mais consequentes do discurso aceitável. Embora as decisões dos juízes afetem mais de 300 milhões de americanos, criando precedentes para os anos seguintes, é raro surgir um indivíduo que diga ou publique algo que vai contra os desejos do governo. Mas, para o 1,3 bilhão de usuários do Facebook, qualquer post pode levar a uma denúncia anônima feita por outro usuário. O julgamento chega com agilidade - e, para este correspondente, de maneira bastante caprichosa.

Algumas semanas atrás, quando encontrei uma página no Facebook intitulada "Morte à Israel", enviei às autoridades um comunicado explicando que a página promove a violência e representa discurso de ódio. Algumas horas mais tarde, recebi uma resposta: a página fora analisada, mas não removida. Aparentemente, não ocorrera nenhuma violação das regras de convivência. Eis a notificação que recebi: Equipe de ajuda do Facebook

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Obrigado por aproveitar a oportunidade de denunciar algo que poderia violar nossas regras de convivência. Denúncias como a sua são importantes para tornar o Facebook um ambiente seguro e receptivo. Analisamos a página denunciada por conter discurso ou símbolos de ódio, e concluímos que ela não viola nossas regras de convivência.

Observação: se o problema está em algo na página, certifique-se de denunciar o conteúdo (uma foto, por exemplo), e não a página inteira. Assim, sua denúncia será analisada com mais precisão.

Nenhuma explicação adicional acompanhava a decisão. Mas eis que, passados alguns dias, recebi uma notificação do conselho de censores do Facebook (será um conselho?) informando que minha queixa original tinha sido reavaliada e a página, finalmente removida. Nunca fiquei sabendo qual tinha sido o motivo da mudança de ideia e nem tomei conhecimento do procedimento que levou à reconsideração. Mas espere, a trama se adensa ainda mais. Depois de não ter sido removida, e depois removida, a página foi subsequentemente restaurada - mais uma vez sem nenhuma explicação ou justificativa.

No segundo semestre do ano passado eu me vi banido do site por 24 horas depois de publicar uma imagem de arquivo para acompanhar uma publicação num blog de terceiros. A imagem em branco e preto mostrava uma dúzia de pessoas na praia, olhando para o mar, com o bumbum de fora. Tratava-se de algo bem inocente: os objetos estavam longe da câmera, e nenhum interesse sexual poderia ser despertado pela foto. Mas o censor sem rosto do Facebook parece ter decidido que bumbum é bumbum, e a imagem foi incluída na categoria "nudez". Isso me rendeu um recado repreensivo e um dia de suspensão do acesso.

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Mas é interessante notar que a lei de ferro envolvendo a nudez não é assim tão férrea. "Temos a aspiração de respeitar o direito das pessoas de compartilhar conteúdo de importância pessoal", explica o site, "sejam fotos da escultura do Davi de Michelangelo ou fotos de família de uma criança sendo amamentada no peito". Ou seja, um pênis é permitido se tiver sido esculpido por um mestre da arte, e um seio pode ser aceito desde que seja fotografado junto com um bebê, sem nada de insinuante. Talvez haja aqui um critério razoável, e não pensem que estou incentivando o Facebook a se tornar a vigilância dos mamilos, mas há muitas questões que podem ser feitas a respeito da categoria de nudez que alcança a definição de "importância pessoal". E quanto às imagens de Robert Mapplethorpe, por exemplo? Muita nudez, é claro, parte dela talvez beirando o pornográfico, mas ainda assim são obras de um fotógrafo famoso, ainda que controvertido. Assim sendo, por que permitir o Davi de Michelangelo e proibir Marcus Leatherdale, de Mapplethorpe?

Em resumo, o Facebook permite ameaças de morte genocidas em sua rede eletrônica enquanto veta bundinhas ao vento. A rede social tem todo o direito de fazer isso. Mas, como diretor de um fórum público que envolve uma parcela considerável da humanidade, o Sr. Zuckerberg deve aos seus usuários mais transparência e responsabilidade.

© 2014 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados.

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Da Economist.com, traduzido por Augusto Calil, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado no site www.economist.com

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