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Consumidores denunciam golpe do consórcio contemplado de imóveis

Grupo cria página no Facebook para denunciar empresas e alertar consumidores sobre o risco da propaganda enganosa

Por Yolanda Fordelone
Atualização:

O consórcio imobiliário pode representar a realização do sonho da casa própria, mas, em alguns casos, também pode se tornar uma grande dor de cabeça. Um grupo de 115 pessoas se enquadra neste segundo caso e se organiza no Facebook para tentar reaver o dinheiro aplicado.

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Os consumidores reclamam o dinheiro de volta e dizem que foram vítimas de propaganda enganosa por parte dos representantes das administradoras de consórcio.

Segundo a denúncia, eles foram atraídos pela promessa de venda de uma cota de consórcio já contemplada. Os consumidores contam que ao telefonar para pedir informações sobre anúncios com oferta de consórcio, os vendedores oferecem cotas já contempladas de clientes que foram sorteados mas querem se desfazer do consórcio.

A promessa feita é a de que bastaria comprar a cota e, em alguns dias, a carta de crédito do consórcio seria liberada para que o consumidor escolhesse um imóvel que lhe agradasse.

O problema é que a carta não é entregue. Só então descobrem que na verdade ingressaram em um consórcio comum, em que só terão direito à carta de crédito se ofertarem um lance ou forem sorteados.

Caso o consumidor queira bloquear o pagamento do consórcio, as parcelas não precisam mais serem pagas, mas ainda assim ele precisa esperar o fechamento do grupo para reaver o dinheiro, algo que pode demorar 10 anos.

Golpe. O policial militar José Arruda conta que em janeiro deste ano, após ver um anúncio de um imóvel no jornal, ele pagou cerca de R$ 6 mil como entrada em uma cota contemplada de um consórcio. A representante C.M. Lusitana lhe prometia entregar a carta de crédito em 60 dias, o que não ocorreu.

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"Cheguei a escolher umas três casas parar comprar", diz Arruda. "Quando estava tudo certo ele disse que eu precisava dar o sinal, mas pediu pra eu não falar com ninguém do banco Panamericano [o administrador do consórcio]. Dei um voto de credibilidade porque eram representantes", diz.

Ao termino do período, no entanto, não houve contato da empresa. "Quando procurei a própria C.M. Lusitana, a resposta era de que o vendedor estava em reunião, que retornaria em seguida e por fim falaram que o funcionário havia sido afastado", diz.

A vítima cancelou o contrato em abril (quando o prazo de 60 dias chegou ao fim) e a representante lhe prometeu devolver o dinheiro em 30 dias, mas já se passaram cinco meses e Arruda ainda não viu o valor em sua conta. O fim do consórcio ocorrerá somente em 2027.

Um caso parecido aconteceu com o projetista de mobiliário Thiago Ferreira, que pagou por uma cota contemplada em junho de 2011. O representante JCJ lhe vendeu uma cota do consórcio do Itaú Unibanco e prometeu que em 30 dias ele teria a carta de crédito em mãos.

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A empresa postergou o prazo várias vezes. "Como as parcelas do consórcio eram de mais de R$ 1 mil por mês, bloqueei o pagamento e tive a resposta de que devo aguardar até o fim do consórcio, em 2017", conta. Thiago já pagou R$ 9 mil, mas diz conhecer pessoas no grupo que dizem ter pago até R$ 40 mil para os golpistas.

As representantes citadas na reportagem não possuem site oficial para contato e mudaram de endereço após a venda dos consórcios. Em telefones da C.M. Lusitana encontrados na internet, ninguém atende. No caso da JCJ foi possível encontrar o telefone do prédio comercial onde ela está localizada atualmente. Nele foi informado que a empresa não possui telefone fixo. Ninguém retornou aos recados e aos e-mails enviados.

Administradoras. A Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios (ABAC) diz que a venda de cotas contempladas não é considerada ilegal, uma vez que o consumidor tem pleno direito de não querer utilizá-la.

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"Não podemos falar que a venda da cota contemplada é ilegal. Nada impede o consorciado de transferir o contrato para terceiros, estando esta cota contemplada ou não. Não é, portanto, uma relação entre administradora e consorciado. É a relação entre um consorciado e outro consumidor, uma relação civil, que não tem a proteção do Código de Defasa do Consumidor", diz a gerente do Departamento Jurídico da ABAC, Elaine da Silva Gomes.

Nesses casos, o melhor remédio é a precaução. Elaine diz que, como as administradoras são responsáveis pela proteção da coletividade dos consumidores, elas colocam em seus contratos que esta transação só se efetiva com a anuência do banco. O interessado deve sempre ler atentamente as cláusulas do contrato e verificar se a administradora é autorizada pelo Banco Central a funcionar. Em caso de dúvida, o comprador não deve assinar nada.

O correto é entrar em contato com a administradora do grupo. "Na condição de interessado pela cota eu tenho de verificar se ela está contemplada, indo na administradora, acompanhado do vendedor da cota", explica. Caso a cota tenha sido contemplada mais o consorciado não pagou as últimas prestações, por exemplo, ela pode ter sido cancelada. "Devo conseguir uma declaração da administradora de que aquela cota está contemplada e não foi cancelada", sugere.

Nos casos em que é um representante ou um vendedor quem oferta uma cota teoricamente contemplada, isso deve estar no contrato. A ABAC afirma que o cliente deve sempre entrar em contato com a administradora, mesmo quando vai comprar algo pelo representante, pois se posteriormente descobre algum tipo de golpe ou problema pode ser entendido que ele foi conivente.

Segundo a diretora de atendimento do Procon-SP, Telma do Amaral, caso os vendedores das cotas contempladas sejam representantes oficiais da instituição cabe uma responsabilidade desta nas vendas. "Se eram representantes, cabe uma responsabilidade, não há como se ausentar. Está no Código de Defesa do Consumidor", afirma. O órgão entende que se for confirmada a venda enganosa, o representante deveria arcar com a devolução do dinheiro, para que o grupo dos consorciados não seja prejudicado. O Procon-SP afirma, porém, que o setor não costuma apresentar tantos problemas ao consumidor.

Um fonte afirma que as ligações entre os vendedores e clientes deveriam ser até mesmo gravadas, para a administradora se precaver de problemas futuros. Caso contrário, fica a palavra da administradora, dizendo que o consumidor deveria ter lido o contrato e que foi informado sobre as condições, contra a do cliente, que afirma ser uma venda enganosa.

As administradoras afirmam que também são vítimas na história, pois há alguns casos em que os consumidores distorcem o que ocorreu. Há exemplos de pessoas que se aproveitam do grupo organizado para reivindicar o dinheiro de volta sendo que a venda não foi enganosa. Por problemas financeiros, o consorciado parou de pagar as parcelas e agora quer o dinheiro já desembolsado. Como nestas situações o comprador sabia que estava entrando em um consórcio e das regras de resgate do valor, não cabe nenhuma reclamação para ter o dinheiro antes do prazo. Além disso, as administradoras falam que as empresas envolvidas são apenas representantes. Por problemas como os citados nesta reportagem e reclamações dos clientes, algumas dessas representantes já foram descredenciadas.

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Em resposta sobre o caso, o Banco Panamericano informou que "não compartilha de qualquer prática comercial que não reflita as condições de seus produtos. No caso em questão, não constatamos qualquer irregularidade na venda". O Itaú Unibanco esclarece que também não é conivente com práticas que não sejam transparentes com o cliente e informa que descredenciou a empresa citada em meados de 2012. "O banco ressalta, ainda, que todas as condições de adesão aos grupos do Itaú Consórcio estão explicitadas no contrato assinado pelos clientes", afirma.

A ABAC diz que em casos nos quais o cliente se sinta enganado a saída é buscar a Justiça, munido do máximo de documentações possíveis. O grupo do Facebook busca fazer isso ainda este mês. Arruda gravou todos os contatos que teve com a C.M. Lusitana e espera que sirva como prova em seu caso.

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