16 de julho de 2021 | 15h18
RIO - A aquisição da marca de calçados e bolsas femininas MyShoes pela Arezzo&Co, em parceria com o Mercado Livre, esta semana, embora considerada pequena por analistas, ajuda a manter a expectativa dos investidores para operações de fusões e aquisições no varejo de moda no segundo semestre. O setor foi um dos grandes afetados pelas medidas de isolamento social por causa da pandemia.
Um estudo da consultoria Alvarez & Marsal (A&M) mostra que o setor de vestuário, calçados e acessórios de moda brasileiro vive duas faces da mesma moeda. Por um lado, o momento é de crise, com o aumento de pedidos de recuperação extrajudicial e judicial. Por outro, as grandes empresas do setor, capitalizadas, aproveitam a fragilidade de competidores para o movimento de consolidação.
"Existe uma interseção onde as empresas capitalizadas encontram as companhias em recuperação judicial, que podem ser um 'target' (alvo) muito atraente. Os processos de reestruturação demandam, às vezes, venda de ativos ou entrada de novos players. Não é um ativo óbvio, é preciso saber olhar, empacotar os riscos", disse Sussumo Eguti, diretor e co-líder de fusões e aquisições da A&M.
De acordo com o estudo, o segmento varejista de moda registrou crescimento de 22% nas operações de fusões e aquisições em 2020, na comparação com 2019. Desde dezembro até o fim de junho, a soma das transações chegou a R$ 7,41 bilhões. O movimento foi possível porque as empresas do setor estão com o caixa cheio, após levantarem R$ 13,5 bilhões desde 2019 entre ofertas iniciais (IPOs, na sigla em inglês) e subsequentes de ações.
Dos principais movimentos no setor de vestuário, calçados e acessórios de moda brasileiro estão a compra da Hering pelo grupo Soma, no valor de R$ 5,1 bilhões, anunciada em abril deste ano. No mesmo mês, a Renner captou R$ 3,9 bilhões em sua oferta subsequente de ações e tornou-se um dos players mais comentados para aquisições. Um exemplo é o possível interesse no e-commerce de moda Dafiti e esta semana anunciou a compra do brechó online Repassa.
Sussumo afirma que os números reforçam um cenário de disputas acirradas e interessantes entre os players do setor para os próximos meses. "Algumas empresas tinham feito o dever de casa e se capitalizaram de 2019 para 2020. Algumas têm até mais caixa do que dívida. Tinham boa estrutura de capital", afirma o especialista.
Além de financeiramente melhores, essas empresas estavam mais avançadas em conceitos de "omnichannel", como é chamada a tendência do varejo que se baseia no atendimento aos clientes por diversos canais: online e offline, seja na loja física, no site ou no aplicativo. Quem estava mais avançado nesse processo, teve chance maior de cruzar a pandemia de covid-19 ao longo do ano passado e deste ano.
Em algumas situações, porém, o caminho para as empresas de moda foi buscar proteção. Levantamento da A&M mostra que, do ano passado até maio deste ano, ao menos 13 varejistas da moda entraram com medidas protetivas via recuperação extrajudicial ou judicial. As dívidas somam R$ 5,1 bilhões. Entre elas estão Leader Magazine, Le Lis Blanc/Dudalina, Le Postiche e Camisaria Colombo.
Na avaliação de João Paulo Carvalho, sócio-diretor da área de reestruturação A&M, o movimento em direção à recuperação judicial e extrajudicial reflete, principalmente, a dificuldade das companhias de se adaptarem e acompanharem a evolução do comércio online de moda, acelerada pela pandemia.
"São geralmente empresas de pequeno e médio porte, com faturamento abaixo de R$ 300 milhões. Para elas, não é muito fácil captar recursos, não têm regime de governança corporativa. Algumas têm estrutura familiar de operação", explica Carvalho acrescentando, porém, que podem ser "ativos interessantes" para as grandes companhias capitalizadas, como oportunidade de entrar em novas regiões geográficas.
Danniela Eiger, analista de varejo da XP, acredita que as empresas de moda devem mirar suas aquisições em digitalização e construção de ecossistemas de lifestyle. Isso vale sobretudo para a Renner. No caso da Arezzo, o foco tem sido buscar empresas com equipes criativas e de sucesso, com marcas com bom desempenho, embora não necessariamente de maior porte.
"Empresas menores, mais digitais, podem agregar mais ao ecossistema dessas empresas do que as companhias que estão passando por dificuldades", avalia a analista, para quem grandes operações de fusões e aquisições tendem a ser menos frequentes. "Poderíamos ver, em algum cenário, uma oferta da Renner pela C&A, por exemplo."
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