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‘É preciso celebrar a diversidade de ideias’

Para especialista em inovação e autor de 'De Onde Vêm as Boas Ideias', empresas têm de fazer ideias circularem entre seus departamentos

Por Nayara Fraga
Atualização:

 O americano Steven Johnson é considerado um dos mais intrigantes pensadores do campo da inovação e da era digital. Autor de oito livros, incluindo o best-seller Where Good Ideas Come From (De Onde Vêm as Boas Ideias), suas teorias passeiam por várias disciplinas e diferentes épocas. 

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Para explicar a importância da diversidade na criação de ambientes inovadores, Johnson costuma recorrer às primeiras cafeterias da Europa, do século 17. “Era um ambiente multidisciplinar que gerava muitas ideias”, diz. Prova disso, lembra ele, é a Lloyd’s Coffee House, que - frequentada por diversas pessoas da indústria naval - deu origem à seguradora Lloyd’s. 

Johnson esteve nesta semana, em São Paulo, para ministrar uma palestra em evento sobre o mercado de consumo - o “Think CPG With Google”. Em entrevista ao Estado, ele falou sobre diversidade e colaboração dentro das organizações. “Acho que deveria ser considerada a criação de um cargo sênior, talvez com o nome de Chief Connection Officer, cujo papel seria o de fazer conexões entre pessoas de diferentes áreas da empresa.” 

Como identificar a diversidade dentro de uma empresa?

A palavra diversidade normalmente remete à diversidade étnica ou de gênero. Elas são importantes. Mas há uma igualmente relevante chamada diversidade profissional e intelectual. As organizações tendem a pôr as pessoas em lugares específicos. Se você é do departamento de marketing, você passa o tempo só com as pessoas de marketing e você reporta ao CMO (Chief Marketing Officer). Se você é do administrativo, fica só no administrativo. Se é da engenharia, faz o mesmo - e assim por diante. Há séculos, colocamos pessoas que fazem a mesma coisa no mesmo espaço e, de certa forma, trancamos todas elas. Mas elas têm outros conhecimentos, certo? Há pessoas que são boas em vender coisas, pessoas boas em construir coisas, pessoas boas em finanças ou coisa parecida. No topo disso tudo, elas têm as suas próprias experiências. Têm seus hobbies, seu background cultural. Mesmo a empresa mais comum tem muita diversidade.

O que as empresas podem fazer com toda essa diversidade?

Há um monte de técnicas para tirar proveito da diversidade. Tom Kelly (sócio da empresa de design IDEO e autor do livro A Arte da Inovação) tem um exemplo. Toda reunião de segunda-feira de manhã, feita pela gerência, começa com uma rodada de bate-papo em que o funcionário diz, por exemplo: “Eu fui a uma exposição de arte neste fim de semana, vejam essa pintura que eu vi; meu filho pediu para comprar esse cachorro-robô, vejam que maluco!” É uma tentativa de pôr para fora a diversidade de interesses daquele grupo. É como se dissessem: “Todos temos nossas responsabilidades e nossos trabalhos, mas vamos garantir que tenhamos tempo para outras coisas”.

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Mesmo que não tenham relação com a companhia?

Sim, porque vai haver algo que inspira algumas ideias. “Cachorro-robô? De que material é feito? E se a gente fizesse aquele aspirador de pó nesse material?” São comentários aleatórios vindos de pessoas que têm interesses diversos. É a empresa dizendo: “Nós celebramos a diversidade, não deixe isso da porta para fora”.

O layout dos escritórios pode ter influência nisso?

Se você cria departamentos específicos, você não vai ter conexões interessantes. É por isso que cafeterias são espaços aos quais muitas pessoas vão para ter reuniões mais criativas. Na empresa, se houver outras reuniões num mesmo espaço físico, você pode tropeçar em algo interessante ou se lembrar de alguém que está em outro time que poderia ser importante para você. É uma questão de deixar mais coisas surpreendentes acontecerem.

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As empresas que fazem isso hoje são exceção. 

Elas são uma exceção agora, mas é uma tendência. O Google tem isso: espaço de trabalho e espaço para passar o tempo, jogar pingue-pongue. A Pixar é muito famosa por ter desenhado seus escritórios de forma que os funcionários fizessem o trajeto mais longo possível para ir ao banheiro. A ideia é que você possa esbarrar em algo interessante no meio desse caminho. Outra ideia, e essa é minha mesmo, é a criação de um cargo sênior, talvez com o nome de Chief Connection Officer, cujo papel seria fazer conexões entre pessoas de diferentes áreas da empresa. E essa pessoa não pode ser do RH ou o CEO (presidente). O trabalho dela seria fazer pontes entre as áreas. 

De onde mais as empresas podem tirar boas ideias?

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Dos clientes. O exemplo clássico é a Lego. A empresa convida os fanáticos por Lego, que montam coisas com as quais a companhia nunca sonhou, para passar uma temporada na sede da Lego e ajudá-los a inovar. Veja o caso do Twitter: foram os usuários que começaram, espontaneamente, a usar as hashtags. E alguém escreveu um longo post em um blog sugerindo que o Twitter adotasse a hashtag oficialmente. Conversando com Biz Stone, um dos fundadores do Twitter, ele me disse: “Nós todos lemos aquilo e comentamos: ‘isso é muito nerd. Ninguém vai pôr hashtags em palavras. Isso nunca vai decolar”. Um ano depois, o uso do recurso explodiu e a empresa se rendeu. Hoje, é uma parte chave do negócio deles. Outra história que costumo contar quando toco nesse assunto é que nas cidades existiam moradores, de um lado, e as pessoas que trabalham para o governo, de outro. O máximo de envolvimento que existia era na hora das eleições. E agora o que a gente vê é que a linha divisória entre pessoas que trabalham oficialmente para o governo e residentes está desaparecendo. Hoje há o serviço 311 (número de telefone) nas cidades americanas para o qual você liga e diz: “oi, tem um buraco na minha rua”. Essas pessoas não trabalham para o governo. Não recebem nenhum dinheiro, mas estão ajudando o governo a encontrar os problemas. Então é isso: os limites de funções estão se misturando. O Twitter tinha funcionários contratados e pagos para desenvolver novos recursos para softwares. Mas, de uma forma informal, havia um grupo de pessoas fazendo coisas novas enquanto usuários. 

Você não acha que a maioria das empresas são lentas em perceber o potencial dessa colaboração?

Sim. São lentas. Mas o ponto é que até o Twitter foi lento e resistiu.

Por que você acha que ainda há essa resistência à era da colaboração?

Acho que ainda há uma mentalidade da receita secreta. As companhias pensam em inventar um produto num estilo “Willy Wonka” (personagem principal do filme A Fantástica Fábrica de Chocolate). Pensam em ter uma fórmula como a da Coca-Cola, trancada em algum lugar para que não seja roubada. Mas o que a internet está mostrando é que você pode competir sendo uma empresa aberta. O Android, do Google, é open source (um sistema de código aberto). A Amazon criou uma série de produtos em cima do Android. E nós todos concordamos que o Google vai muito bem, certo? Então, você tem a mentalidade Coca-Cola e a mentalidade open source. Quando começaram a falar de open source, disseram: “ah, mas isso é coisa de hippie! Não vai funcionar. No capitalismo é preciso ter tudo trancado.” Mas isso é um modelo velho.

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