Publicidade

‘Estaria mais feliz se tivesse tomado essa decisão há três anos’

Para fundador da Blackstone, a compra de 40% do Pátria, anunciada quarta-feira por um valor estimado em US$ 150 milhões, poderia ter sido feita antes

Por
Atualização:

Antes do estouro da crise, Stephen Schwarzman, fundador do Blackstone, ficou conhecido como o novo rei de Wall Street, pelo tamanho dos negócios que seu fundo fechou. Depois do colapso, foi considerado um dos vilões do capitalismo americano. A mudança de visão incomoda o empresário, que criou um negócio de sucesso com apenas US$ 400 mil. "Acho que o que aconteceu depois da crise foi uma infelicidade geral, o que não pode ser atribuída à Blackstone. Acho que é porque, aparentemente, eu era um tipo de símbolo. E acho muito estranho, porque sou só um homem de negócios normal", disse ao Estado. Aos 63 anos, Schwarzman diz que ainda trabalha de 12 a 14 horas por dia. Quarta-feira, veio ao Brasil, numa viagem de bate-volta, para anunciar a compra de 40% do Pátria, marcando sua entrada no mercado local. O valor da transação não foi divulgado. Fontes próximas ao negócio estimam que o Blackstone tenha pago cerca de US$ 150 milhões pela participação na gestora brasileira. A seguir, os principais trechos da entrevista.

PUBLICIDADE

O Blackstone e o Pátria têm uma aliança estratégica desde 2004. Por que vocês demoraram tanto tempo para fazer negócios no País?

Porque somos pessoas cuidadosas. Muitas coisas mudaram desde então. O contínuo crescimento e desenvolvimento do Brasil é uma coisa que mudou. Eu tenho sorte de ter esse relacionamento com o Pátria. E essa associação é muito lógica. Nós podemos ajudar o Pátria a captar dinheiro fora e ganhar vantagem com o conhecimento que eles têm do mercado brasileiro para fazer investimentos conjuntos.

Vocês vão dividir os investimentos?

Depende do tamanho dos investimentos. Os menores, o Pátria vai fazer sozinho. Quando precisarem de mais dinheiro, para grandes negócios, nós estaremos disponíveis para ajudá-los. Nós seremos sócios, mas a responsabilidade pela gestão continuará sendo do Pátria. Não vamos interferir.

Quanto o Blackstone pretende investir no Brasil?

Nós não temos uma limitação. Nós temos vários negócios, como private equity, real state, hedge funds e nós também atuamos no mercado de dívida. Nós podemos investir entre US$ 1 bilhão e US$ 2 bilhões no Brasil num período de cinco anos.

Publicidade

Vocês têm intenção de comprar o restante do Pátria?

Não temos acordo para comprar o restante das ações. O Pátria vai se manter como majoritário e na gestão do negócio. Nós nos conhecemos há muito tempo e estamos muito confortáveis com essa situação.

No Brasil há muita discussão sobre bolha, o governo está preocupado com o excesso de investimento. O senhor não teme os efeitos de uma bolha no Brasil?

É difícil dizer o que vai acontecer no futuro. Mas nós não ficaríamos surpresos, dadas as taxas altas de crescimento do País. Há muito dinheiro vindo para o Brasil, porque o País está indo bem, resistiu ao colapso financeiro global. Mas nós investimos em longo prazo. Haverá momentos de pessimismo e momentos de exuberância. Mas isso é normal. Eu estaria mais feliz, do ponto de vista financeiro, se tivesse tomado essa decisão três anos antes. Mas estou confiante de que esta será uma boa decisão no longo prazo.

O senhor está anunciando esse negócio no Brasil alguns dias antes das eleições presidenciais, e a candidata favorita é da esquerda. O senhor teme mudanças políticas no Brasil?

O Brasil tem ido muito bem há mais de cinco anos. Há muitas coisas para se colocar no lugar. Mas o País criou as bases para continuar como bom ambiente de investimentos. Eu não sou expert no mercado brasileiro. Deixo esse julgamento para vocês. Mas acho que fora daqui as pessoas estão confiantes no Brasil.

E nos EUA, a era do dinheiro fácil acabou? Quanto tempo a crise vai durar?

Publicidade

Eu acho que os EUA estão vivendo tempos difíceis, assim como a maioria do mundo desenvolvido. Há uma variedade de reformas que estão sendo desenhadas para tentar resolver várias questões. É difícil saber se você está indo longe demais ou não numa direção, porque, nesses países, muitas pessoas não estão felizes, em alguns casos estão com raiva. Eu acho que é um desafio para os líderes políticos e financeiros extrair o equilíbrio correto, porque, se você regular excessivamente o sistema, fica difícil conseguir capital. Você deve tornar essas instituições mais seguras, mas os países não podem deixar de crescer. Se as pessoas não conseguem emprego, não se beneficiam do sistema econômico, você cria outros problemas.

Como a crise mudou o jeito de fazer negócios na indústria de private equity?

A crise mudou enormemente a nossa indústria. O maior impacto foi o tamanho das transações, que ficaram muito menores. Mas, na verdade, não é uma coisa particularmente ruim, porque os negócios ficaram muito grandes muito rapidamente. Curiosamente, o encolhimento para outro patamar de negócio é mais do que suficiente para firmas como a nossa fazer bons investimentos e para o fundo diversificar seus investimentos.

O senhor está dizendo que a era de negócios multi bilionários, como a compra da Equity Office Properties por quase US$ 40 bilhões, chegou ao fim?

Certamente acabou. A compra da Equity Office foi um negócio sem precedentes, nada na indústria chegou perto. Aquele período, em 2006 e 2007, foi muito pouco usual.

O senhor viu essa bolha antes do colapso global?

Nós estávamos muito preocupados com os excessos no sistema financeiro, que começaram em 2006. Nós falamos com nossos investidores. Nós ficamos um pouco desapontados no private equity. Por exemplo, em anos normais, nós investíamos em 25% dos maiores negócios do mundo e, em 2007, apenas em 4%. Isso não foi por acidente. Nós escolhemos não fazer esses negócios. Havia muito dinheiro ao redor e pessoas que não eram muito espertas estavam ficando muito ricas.

Publicidade

Mas foi antes da Equity Office?

Nós investimos em março de 2007 e nós estávamos tão preocupados com o mundo que, em um mês, vendemos 75% do que compramos. Eu estava preocupado, era um tempo perigoso, nós sabíamos que havíamos pago um preço alto – os múltiplos que pagamos foram altos. Mas sabíamos também que havia gente ainda mais entusiasmada que nós (risos). Se pudéssemos encolher a empresa dramaticamente, o que podíamos fazer porque são apenas edifícios, poderíamos diminuir o risco da transação e torná-la segura. Nós então vendemos aqueles imóveis com lucro. Se tivéssemos ficado com ela, teríamos provavelmente quebrado.

Qual é a sua visão do mercado agora nos EUA?

Os EUA ainda vivem tempos difíceis, com taxas de crescimento mais baixas do que esperávamos. Há razões para isso, duas em particular. Os consumidores estão muito endividados e vão levar algum tempo para ficar numa posição confortável. A outra razão é o mercado imobiliário residencial. Nós ainda temos números recordes de forclosures, que é quando você não pode pagar sua hipoteca e o banco toma a casa de volta. O preço das casas atingiu o fundo do poço e agora está subindo devagar. Não significa uma recessão, mas crescimento mais lento, que leva a preços menores de ações e taxas de juros baixas. Ironicamente, é um tempo bom para comprar empresas nos EUA e nós temos sido bem ativos.

E no resto do mundo?

A China, como precisa de muita commodity para crescer, está levando uma grande parte do mundo a reboque. Todos os países que fazem negócios com a China, como Malásia, Austrália, Indonésia, Peru, Brasil, Chile, Rússia e algumas regiões da África e Oriente Médio, vão bem. As implicações são enormes. Ou seja, cada parte do mundo tem oportunidades interessantes para investir.

Antes da crise, o senhor era conhecido como o novo rei de Wall Street. Depois da crise, o senhor foi apontado como um dos vilões do capitalismo. Isso te deixa preocupado?

Publicidade

Acho que o que aconteceu depois da crise foi uma infelicidade geral, o que não pode ser atribuída à Blackstone. Nós não emprestamos dinheiro como os bancos, não tivemos empresas que quebraram. Nossas empresas foram muito bem. Nós não tivemos ajuda do governo. Na verdade, compramos um banco do governo americano e o consertamos de forma muito bem sucedida. Eu acho que é porque, aparentemente, eu era um tipo de símbolo. E eu acho muito estranho, porque sou só um homem de negócios normal. A raiva não foi dirigida a mim como uma pessoa.

Em 2008, um ano depois do IPO da Blackstone, quando você ficou ainda mais rico, o senhor declarou à revista The New Yorker que não se sentia rico. Para quem não te conhece, parece piada. Como o senhor se sente?

Eu fui criado como uma pessoa de classe média e tento manter os mesmos valores. Tive uma carreira bem sucedida e fui recompensado por isso. Tento nunca deixar isso me afetar. Meus amigos, que me conhecem há 30, 40 anos, sempre me disseram que eu não mudei, e eu não mudei mesmo. E qualquer comentário que esteja naquela matéria não é uma piada, reflete o jeito que eu olho o mundo. Eu trabalho duro, de 12 a 14 horas por dia, tenho uma mulher incrível, grandes filhos, sou um avô agora, com três netos e tenho muita alegria com eles.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.