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‘Há risco de calote em 25% da dívida de grandes empresas’

Para consultor, dos R$ 800 bi que as maiores companhias do País devem aos bancos, entre 20% e 25% podem não ser pagos

Por Mariana Durão
Atualização:
'A Petrobrás terá de se livrar de tudo que não é atividade principal', diz Ricardo Knoepfelmacher Foto: Rafael Arbex/Estadão

RIO - Com mais de R$ 100 bilhões em reestruturações de dívidas no currículo nos últimos cinco anos - R$ 46 bilhões do grupo X, de Eike Batista - o consultor Ricardo Knoepfelmacher acredita que o País viverá nova onda de renegociação de dívidas corporativas. Estudo da RK Partners, da qual é sócio fundador, aponta que, de R$ 800 bilhões em dívidas de grandes empresas nas mãos dos três maiores bancos privados, entre 20% e 25% estão no radar por risco de calote. 

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Após atuar em crises emblemáticas, como a briga societária da Brasil Telecom e a do império X, Ricardo K, como é conhecido, tem hoje o desafio de sanear as finanças de empresas atingidas por denúncias na Operação Lava Jato. A RK trabalha para UTC, Galvão Engenharia e Estaleiro Atlântico Sul (EAS), citadas na investigação, além de Rossi e Property. 

Por que há tantos grupos buscando socorro no Brasil hoje?

Basicamente há três grandes tipos de problema hoje no País. O primeiro decorre do ambiente de retração em vários setores. Há empresas que não estão mal geridas ou com problema estrutural, mas com planos de negócios indo em velocidade menor que a imaginada e sendo comidos por taxa de juros nominal acima de 20%. O segundo é a Lava Jato. É uma tempestade perfeita que fez com que empresas que em tese tocavam seus negócios normalmente, de uma hora para outra viraram inidôneas para grandes contratadores, no caso a Petrobrás. O terceiro problema vem de frustrações no mercado de commodities.

Isso gerou uma liquidação de ativos. O Brasil está barato?

Muitas empresas em reestruturação têm participações em grandes projetos de infraestrutura. São ótimos ativos, mas o preço ainda não se ajustou. Metade dos ativos à venda sofrerá redução de preços, porque a oferta é muito grande e há poucos players para comprar.

E quem vai comprar?

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É hora dos grandes fundos fazerem propostas. O investidor financeiro terá papel importante para dar liquidez. Muitos problemas de hoje são cíclicos, como os preços de commodities. Em alguns anos quem comprou barato vai vender a um preço melhor.

Há muitas candidatas a reestruturações?

Estudo na RK aponta que, de quase R$ 800 bilhões de dívidas de empresas grandes ou muito grandes (cerca de 300 empresas com dívidas superiores a R$ 1 bilhão) nas mãos dos três maiores bancos - Itaú, Bradesco e Santander -, entre 20% e 25% estão no que chamo de watch list (em observação como potencialmente problemáticas). São empresas que não estão em recuperação judicial, mas correm risco de default.

Em que setores? 

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Infraestrutura, varejo, imobiliário e agronegócios. Em que pese a mudança no preço da gasolina, que influencia o do álcool, a maioria dos 490 produtores de açúcar e etanol está em situação precária. No imobiliário as empresas que abriram capital, com duas exceções, valem menos que 10% de dois anos atrás. Isso ocorreu porque diversificaram o produto e geograficamente, em um negócio sem vantagem de escala.

Existe risco para os bancos?

O mercado de reestruturação nos próximos três anos vai crescer exponencialmente, porque as empresas estão alavancadas e o mercado não cresceu como esperavam. Não vejo nenhum risco para os grandes bancos. Mas a situação dos bancos médios é preocupante.

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As empresas vão encolher? 

As grandes empresas que diversificaram ou se verticalizaram vão focar no negócio principal e desinvestir dos não estratégicos. Hoje valem um porcentual pequeno do que já valeram e têm de mudar de tamanho. Faz parte, porque tinham uma estrutura de capital ruim.

Como assim? 

O Brasil é sui generis porque as taxas de juros são altas. Um indicador de 3,5 vezes de alavancagem (relação entre dívida e geração de caixa) é elevado aqui. Há uma lista das empresas com alavancagem acima disso, porque são candidatas naturais às reestruturações. Nos Estados Unidos é comum ver alavancagem de 7 vezes em empresas saudáveis.

Com o crédito escasso, há alternativas de financiamento?

É difícil. Vemos um encolhimento do mercado de crédito, em que linhas não estão sendo renovadas, nem novas linhas concedidas. Isso tem um efeito nefasto porque é justamente o momento em que as empresas precisam captar. Vejo algumas soluções. Os fundos de distressed debt (que emprestam dinheiro para empresas em dificuldade) vão ficar mais ativos. Haverá um aumento do mercado paralelo, de uso de factoring, para empresas médias e pequenas. É uma bola de neve porque em geral os juros são escorchantes. Em um ano o mercado voltará ao normal e teremos renegociações de prazos e carência de dívidas. 

O que preocupa os investidores em relação ao Brasil? 

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Há dois grupos. Um é o credor estrangeiro, em geral detentor de bônus, que tem um grau de colateral (garantia) relativamente baixo ou não necessariamente bem feito da dívida de uma empresa brasileira. A pergunta é quão fácil é executar a garantia se preciso. O outro grupo é o dos investidores. A pergunta deles é quão melhor vão ficar os preços dos ativos no Brasil. Há um crescente entusiasmo por parte de fundos financeiros. Mas o pessoal ainda quer esperar um pouco. E tem uma questão não trivial e subjetiva sobre o momento político e institucional do País, que acho superdimensionada.

Superdimensionada?

Nós brasileiros já passamos por muitas crises e sabemos que o Brasil tem uma inércia, um tamanho e uma escala que o investidor de longo prazo não se afugenta tão fácil. Ele se afugenta com ruptura de contratos ou taxação para remeter dividendos. Há um mau humor geral sobre mercados emergentes e em especial pelo problema que o Brasil vive, mas é temporário. O País tem reservas sólidas. No geral acho que continuamos em situação razoavelmente boa e o mercado está overshooting nessa histeria desnecessária. O que atrapalha a rearrumação da economia é que há grandes conglomerados muito alavancados. 

E qual o impacto da Lava Jato?

Fraudes e corrupção há no mundo inteiro. A palavra de ordem é compliance (controles internos). Para continuar prestando serviços às estatais as empresas terão de passar por um círculo virtuoso. A própria Petrobrás passa por um purgatório, mas é necessário para que processos sejam revistos.

A Petrobrás pode pedir recuperação judicial?

Com certeza não. Primeiro, ela terá de fazer uma revisão completa dos investimentos. Isso não tem a ver com corrupção, mas com o preço do petróleo. Depois, precisa criar benchmarks (referência) de produtividade internacionais. Tem de se livrar de tudo que não é atividade principal. E conversar com os bancos para ganhar tempo. Ninguém quer ver a Petrobrás em recuperação.

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Acabou a era das grandes empreiteiras nacionais?

O setor vai passar por mudanças, principalmente no que se refere à governança. Creio que teremos uma depuração de práticas comerciais e que as melhores ressurgirão.

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