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O que os investidores viram na Arezzo

Depois do IPO mais bem-sucedido do ano, ações se valorizam 20% de fevereiro até agora e empresa avalia aquisições 

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Em 1990, quando a economia brasileira começava a se abrir para o mundo, o empresário Anderson Birman tomou uma das decisões mais arriscadas da sua vida. Influenciado pela experiência da Nike, ele fechou uma fábrica de sapatos que produzia mais de 4 mil pares por dia em Belo Horizonte e ficou apenas com a marca Arezzo e uma loja na Rua Oscar Freire, em São Paulo - na época, ainda não tão badalada. A opção de abrir mão da indústria para colocar todas as fichas no varejo foi justamente o que determinou o sucesso entre o público feminino e agora, duas décadas depois, seduz os investidores.

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Negociada na BMF&Bovespa desde o início de fevereiro, a Arezzo já vale mais do que a fabricante de sapatos Vulcabrás/Azaléia - embora venda três vezes menos. Seu faturamento está ao redor de R$ 700 milhões. Na sexta-feira, a grife valia R$ 1,9 bilhão. Foi, até agora, o IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) mais bem-sucedido do ano. Com alta de 20% desde que abriu seu capital na bolsa, o papel da Arezzo é um dos que mais se valorizaram este ano, segundo a empresa de informações financeiras Economática.

"Se continuasse comprando couro no Centro-Oeste do Brasil, beneficiando no Sul e fabricando em Minas, não teria dado certo. Eu já não era produtivo naquela época", disse há dez dias Anderson Birman, presidente e fundador da companhia, na sua primeira entrevista desde a oferta na bolsa. "Entendemos que, para ter foco no varejo, não podíamos nos engessar na indústria. A moda exige flexibilidade."

Na época, Birman costumava lançar apenas duas coleções por ano - uma no verão e outra no inverno. Hoje, são sete. A cada dia, a Arezzo inventa cinco modelos diferente de sapatos, muitos deles "inspirados" no que se vê nas passarelas e nas vitrines mundo afora. Se a tendência é salto de borracha, contrata uma fábrica de saltos de borracha. Se depois é a madeira que está em alta, outra unidade é acionada.

E assim a Arezzo se transformou numa marca que atualmente contrata os serviços de 70 fábricas, quase todas no Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Uma parte dos produtos é importada. Dos 7 milhões de pares produzidos por ano, apenas 1 milhão são fabricados pela companhia. É o modelo que ficou conhecido no varejo como fast fashion, introduzido pela espanhola Zara e copiado mundo afora.

Com o IPO, o varejo vai se tornar cada vez mais o negócio do grupo, que, além da Arezzo, engloba também as grifes AnaCapri, Schutz e Alexandre Birman - as duas últimas criadas por Alexandre, filho do fundador e hoje segundo maior acionista.

Birman revelou ao Estado que avalia aquisições de marcas de todos os tipos - desde as mais sofisticadas até as mais populares -, embora saiba que a segunda opção atrai mais os estrangeiros, seus novos sócios na bolsa. "Temos conversas, mas não há nada avançado", diz Birman, que também admite a possibilidade de criar uma marca popular do zero e finalmente vender para a tão assediada classe C brasileira.

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Oportunidade. Hoje, o sapato mais acessível é o da novata AnaCapri. Tem preço médio de R$ 99, contra R$ 170 da Arezzo e R$ 900 da Alexandre Birman. Inauguradas em 2008, as lojas da AnaCapri seriam um espaço para as clientes comprarem sapatos de coleções antigas da Arezzo e passarem o tempo escutando música ou fazendo as unhas. O modelo fracassou.

Desde o ano passado, a AnaCapri, uma rede de cinco lojas, vende só sapatos coloridos e sem salto. O objetivo, agora, é replicar esse formato. Para Daniela Bretthauer, chefe da área de varejo e consumo do banco Raymond James, investir nas outras marcas do grupo é uma das oportunidades de crescimento nos próximos anos. É um caminho até para superar o que considera uma das fraquezas da empresa. Segundo a analista, quase 70% das vendas estão concentradas na grife que deu origem a tudo.

Boa parte do dinheiro levantado na oferta primária (R$ 185,8 milhões) será aplicada na expansão de toda a rede, que atualmente conta com 301 lojas. O plano é abrir 78 lojas até 2012, sendo 20 próprias. Mas, segundo fontes próximas à companhia, esse número pode ser superior a 100. Além disso, a Arezzo também pretende aumentar o tamanho médio das lojas, passando dos atuais 50 metros quadrados para 80 metros quadrados.

Por trás dos metros quadrados a mais, está um outro grande desafio: aumentar a venda por cliente. No ano passado, os Birman inauguraram uma loja só de acessórios no Rio de Janeiro. Na época, a ideia era ter outras. Mais uma vez, não deu certo. "Vamos fechar a loja. Todo mundo entrava pedindo sapato. O que vamos fazer é aumentar as lojas para colocar os acessórios", conta Birman, sem pudor em revelar os pequenos revezes.

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‘Playboys’. A trajetória dos Birman é repleta de acertos e erros. O pai dos fundadores - um engenheiro filho de imigrantes judeus que construía estradas no interior de Minas Gerais - foi do céu ao inferno no mercado de ações brasileiro em muito pouco tempo, na década de 70. "Na época, éramos playboys que iam comprar sapatos no Rio e em São Paulo para as festinhas de Belo Horizonte", lembra Birman. Quando o pai viu que iria quebrar, separou uma parte do dinheiro que restava e deu para os filhos montarem um negócio.

A Arezzo deixa as mulheres alucinadas, mas nasceu fazendo sapatos para homens. Logo cedo, porém, percebendo que não ganhariam muito dinheiro, os irmãos Anderson e Jefferson (sócio até 2007) mudaram o percurso da empresa.

Anos mais tarde, outro desvio de rota. Criada em 1995 pelo filho Alexandre, a Schutz começou com sapatos para subir montanha. Mas hoje em nada lembra o esporte: faz saltos altíssimos, para mulheres "ousadas".

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Há três anos, a Arezzo anunciou que abriria 300 lojas na China em parceria com um grande grupo varejista local. Seria a panaceia - até enfrentarem problemas de toda ordem, do câmbio desfavorável às diferenças culturais. "Abrimos 11 lojas e fechamos todas. Desistimos da China definitivamente. Olhar para o mercado externo agora é deixar passar as oportunidades de consumo interno", diz Birman.

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Potencial. Entre 2002 e 2009, as franquias de sapatos cresceram muito mais rápido que as outras (veja gráfico), segundo dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF) e do banco Raymond James. O consumo per capita de sapatos ainda é baixo no País: U$ 16, contra US$ 85 dos argentinos e US$ 191 dos franceses. "O potencial é incrível, mas esse mercado é muito concorrido. O mundo dos sapatos femininos é um oceano vermelho, cheio de tubarões", diz Fernando Lucena, presidente do Grupo Friedman, consultoria na área de varejo e serviços. "Por causa da competição, as margens estão cada vez menores. E nessa busca por margens, o que as empresas precisam fazer é ganhar escala."

Quando vai contratar um funcionário, uma das perguntas que Birman gosta de fazer é: você gosta de trabalhar sob pressão? "Na Arezzo, é proibido comemorar. A gente nunca relaxou, porque a moda é assim. A empresa sempre alternou momentos de muita bonança e muita dificuldade", diz. No momento, Birman rema a favor da maré. 

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