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Por amor ao cinema, empresário mantém locadora de vídeo no Copan

Se antes eram os filmes do tipo blockbuster que conquistavam os clientes, agora são as produções de arte e clássicas que garantem o limitado giro da Vídeo Connection, de Paulo Sérgio Baptista Pereira

Foto do author Fernando Scheller
Por Fernando Scheller
Atualização:

Passar em frente à Vídeo Connection, na galeria do Edifício Copan, no centro de São Paulo, é quase como entrar em um túnel do tempo. A primeira sensação é de susto: no momento da disputa bilionária entre as plataformas de streaming, é impossível não se perguntar: ainda existem locadoras de vídeo? Embora o aluguel de DVDs não seja prática tão antiga – afinal, dez anos atrás, a Netflix era principalmente um serviço de entrega de DVDs pelo correio –, o setor se tornou rapidamente obsoleto, um prazer apreciado apenas pelo aspecto “vintage”.

A Vídeo Connection continua com as portas abertas e é comandada pelo empresário Paulo Sérgio Baptista Pereira, de 65 anos, que conheceu os tempos áureos das videolocadoras – somente no Estado de São Paulo, havia mais de 4 mil estabelecimentos do tipo no início dos anos 2000. Pereira, que chegou a ter várias lojas e espaços de locação em grandes empresas, admite viver na pele o fato de seu negócio ter virado curiosidade.

Paulo Sérgio Baptista Pereira, dono da Vídeo Connection: locadora de DVDs que resiste em corredor do Edifício Copan Foto: Fernando Scheller/ Estadão

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“Tem pai que entra aqui com o filho e começa a explicar que antes era assim: as pessoas vinham aqui, escolhiam os filmes e depois os devolviam”, conta o empresário. “E hoje eu sei que muita gente já jogou fora o aparelho de DVD, não usa mais. É por isso que eu recebo muita doação de filme, quase todo dia. Mas só aceito coisa boa.”

Apego

O empresário diz que, se pensasse em termos meramente econômicos, já teria desativado a locadora: “Ainda consigo pagar as contas porque, nos bons tempos, em 1997, comprei o conjunto comercial. Se pagasse aluguel, a conta não ia fechar mesmo”, diz Pereira. Hoje, ele aluga cerca de 300 filmes por mês – a R$ 10, com faturamento de R$ 3 mil. No auge do negócio, esse era o giro por dia.

Hoje, na realidade, a principal atividade da Vídeo Connection é outra: por R$ 65, o empresário transforma antigas fitas VHS com filmagens de casamentos, festas infantis e outras lembranças em DVDs. O giro do serviço é maior: nos cerca de 60 minutos que a reportagem do Estadão permaneceu conversando com Pereira, apareceram dois clientes solicitando a transformação de mídia (a espera pelo serviço pode chegar a 15 dias).

Isso ajuda o empresário a justificar a resistência em abandonar os DVDs (e alguns VHS, escondidos na sobreloja, área hoje fechada para clientes). “Tenho apego mesmo, acho que minha mulher fala para eu fechar desde 2012”, diz. “Mas o que eu vou fazer? Minha vida está toda aqui.” Sendo assim, de segunda a sábado Pereira sai de casa, no bairro de Santana (zona norte da capital paulista) e bate ponto na galeria do Copan, das 12h às 20h.

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Se o dono da Vídeo Connection resiste em desistir do filme como mídia física, o mesmo não se pode dizer dos estúdios e distribuidores, que migraram de vez para o streaming. Mesmo as novidades do cinema são raramente lançadas em blu-ray, o que obriga o empresário a recorrer aos “alternativos” – jargão para pirata – em alguns casos. 

A clientela, hoje, não se resume mais aos moradores do Copan e de seus arredores. “Pelo contrário: tem gente que vem de longe, de bairros distantes. E não é só gente mais velha, tem muito jovem também”, diz. Para manter as portas abertas, a locadora adotou uma estratégia mais flexível: as multas em caso de atraso na devolução, antes implacáveis, agora costumam ser perdoadas. E os prazos para retorno também ficaram mais longos: agora, quem aluga quatro filmes pode ficar uma semana inteira com os DVDs.

Com o limitado espaço de seu ponto comercial, o empresário já aprendeu a praticar o desapego: embora mantenha produções conhecidas à mão, filmes “descartáveis” já foram parar no lixo. Algumas fitas VHS que mantinha foram usadas por uma ONG (organização não governamental) que exibiu os filmes a moradores de rua, em vãos de viadutos. “Pelo menos serviu para alguma coisa, fiquei contente.”

Cinéfilos

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Como negócio de nicho, a Vídeo Connection hoje sobrevive principalmente graças aos aficionados na sétima arte: se antes eram os filmes do tipo blockbuster que faziam os clientes se digladiarem por uma cópia no fim de semana, agora são as produções de arte e clássicas que garantem o limitado giro da locadora do Copan. 

Tanto é assim que agora boa parte do acervo restante é separada pelos grandes diretores: Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, Ingmar Bergman, Werner Herzog, Federico Fellini, Akira Kurosawa... No fim das contas, são os grandes mestres do cinema que mantêm o sonho de Pereira vivo. 

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