BRASÍLIA - A determinação de reabertura do processo da fusão Nestlé e Garoto, feita há 19 anos, gerou divergências no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) nesta quarta-feira, 30. A retomada do julgamento do caso foi determinada por despacho pelo ex-presidente do conselho Alexandre Barreto três dias antes do fim de seu mandato.
Na sessão de hoje, a conselheira Lenisa Prado tentou apresentar um despacho pedindo a suspensão da decisão de Barreto. O presidente em exercício, conselheiro Maurício Maia – que é próximo do ex-presidente – disse que não caberia apresentar o documento naquele momento e encerrou a sessão às pressas.
“Trago minha insurgência a respeito do despacho assinado pelo Barreto”, afirmou Lenisa, que teve o apoio de outros conselheiros. “Essa decisão [não deveria ] ter sido tomada monocraticamente pelo presidente”, acrescentou o conselheiro Sérgio Ravagnani.
O procurador-geral do Cade, Walter Agra, também disse que a determinação não poderia ter sido proferida pelo então presidente porque, segundo ele, a procuradoria não foi comunicada da decisão judicial final sobre o assunto.
“A procuradoria ainda não foi informada da decisão, não fez parecer final. Quando fizer, levarei ao plenário entendo que, sem o parecer, a superintendência-geral não pode fazer qualquer tipo de pronunciamento”, afirmou.
Caso
O mandato de Barreto terminou na segunda-feira, 21, e ele assinou, no fim do dia 18, despacho em que afirma que há “pequena probabilidade” de o Cade conseguir reverter decisão judicial que obriga que o caso tenha novo julgamento pelo conselho e determina à Superintendência-Geral do órgão que faça a “reinstrução” do caso, ou seja, uma nova avaliação.
A Nestlé comprou a Garoto em 2002, mas a operação acabou vetada pelo Cade dois anos mais tarde. Na época, os julgamentos do Cade eram feitos depois de o negócio ter sido concretizado. Inconformada, a Nestlé recorreu à Justiça e conseguiu, em 1ª instância, suspender a decisão do Cade em 2005. Em 2009, porém, a Justiça anulou a decisão da 1ª instância e determinou que o Cade julgasse o negócio novamente.
A Nestlé voltou a recorrer da decisão em diferentes instâncias para tentar manter a anulação do primeiro julgamento e, por consequência, a aprovação automática da operação. Somente em 2018, o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1) negou recurso da Nestlé e, em abril deste ano, um novo recurso no mesmo processo. Na prática, essa decisão manteve a determinação judicial de 2009, que ordenou novo julgamento pelo Cade.
O conselho ainda poderia recorrer à Justiça para manter o julgamento de 2002, mas com o despacho do presidente Barreto, na prática, o Cade desiste da disputa judicial e recomeça o julgamento, 19 anos depois da operação.
“Considerando a determinação vigente do TRF1, bem como a pequena probabilidade de reversão dessa decisão judicial, a probabilidade de o litígio judicial durar um longo tempo, os prejuízos público e privado decorrentes dessa demora, e a possibilidade de as condições do mercado terem se alterado significativamente, entendo que é necessária alguma solução por parte do Tribunal do Cade. Apenas aguardar a decisão judicial final é uma medida que não atende ao interesse público”, afirma Barreto, no despacho.