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Puxados por comércio, pedidos de falência devem ter maior alta em 10 anos

Nos oito primeiros meses de 2015, o total de falências requeridas no Brasil subiu 14,2% ante igual período de 2014; número de estabelecimentos comerciais caiu 5,6% em 12 meses até julho e setor caminha para primeira redução no total de empresas desde 2015

Por Idiana TomazelliMariana Durão e RIO
Atualização:

Apenas 14 meses depois de abrir as portas de uma loja de acessórios e calçados em couro em Ipanema, na zona sul do Rio, o empresário Rafael Fragoso Pires decidiu, em abril deste ano, desistir do negócio e abortar o projeto de criar uma rede de franquias. “Cinco meses antes de fecharmos, as vendas despencaram. Tentamos renegociar o aluguel, mas o proprietário foi irredutível. Os fornecedores também estavam apertados. Preferimos fechar a acumular prejuízo”, conta.

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O fim precoce tem sido o destino de um número cada vez maior de estabelecimentos no País, encurralados pela elevação nos custos e pela desaceleração na economia. Desemprego em alta e renda em retração fizeram os clientes desaparecerem das lojas. No comércio, as vendas devem fechar no vermelho pela primeira vez em 12 anos.

No Brasil, o total de estabelecimentos comerciais caiu 5,6% em 12 meses até julho, segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) a partir de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Nesse ritmo, o setor caminha para a primeira redução no número de empresas desde o início da série, em 2005.

O número de pedidos de falência deve ter a maior alta também desde 2005, estima a Boa Vista SCPC, considerando todos os setores. O processo é puxado pelo comércio, cujos pedidos sobem em ritmo mais intenso. Nos oito primeiros meses de 2015, o total de falências requeridas no Brasil subiu 14,2% ante igual período de 2014. No comércio, o salto foi de 20,9%.

Os pedidos de recuperação judicial, medida para tentar evitar a falência da empresa, também caminham para um recorde em 2015. Até agosto foram 800 no País, alta de quase 40%. A adesão recente de grandes grupos – caso das empresas de Eike Batista e das empreiteiras OAS e Galvão Engenharia, na esteira da Operação Lava Jato –, tende a impulsionar o recurso.

Freitas fechou livraria apósaluguel triplicar Foto: Fabio Motta/Estadão

Custos. Em Ipanema, um dos metros quadrados mais caros do País, o preço salgado dos aluguéis já vinha pressionando os lojistas. A queda no movimento em 2015 foi a gota d’água para muitos deles. Vítima de um aluguel de R$ 23 mil mensais, o arquiteto Chicô Gouvêa fechou a loja de decoração Olhar o Brasil, inaugurada em 2011.

“As coisas pioraram muito desde o fim do ano. Optamos por manter a loja de Itaipava (região serrana do Rio), mais rentável. É triste. Ipanema era uma vitrine”, conta Gouvêa.

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Mesmo no centro do Rio, a especulação dos imóveis já sufocava os lojistas, que agora agonizam diante da queda nas vendas. José Freitas, há 22 anos dono da livraria Solário, fechou a unidade da Rua da Carioca após o aluguel ter triplicado de um ano para o outro. Ele até negociou um aumento gradual e foi levando como pôde, achando que a crise iria passar.

“Mas não passou. Fechei a loja em julho, demiti balconistas e atendentes, mas estamos em dificuldades. Não sei até quando vou conseguir manter a loja da Sete de Setembro”, lamenta.

Segundo o Sindilojas Rio, 1.290 lojas fecharam na cidade de janeiro a maio, último dado disponível. O volume quadruplicou ante 2014. Para o presidente da entidade, Aldo Gonçalves, o empresário só fecha um estabelecimento quando não tem saída, já que isso envolve despesas. “O consumidor tem receio de comprar e o empresário de investir. É o pior dos mundos”, diz.

“O que o ano de 2015 mostra é uma combinação de custos elevados e queda nas vendas, que estrangula o empresário e impõe um processo de seleção natural”, analisa Fabio Bentes, economista-sênior da CNC. “A crise vai se prolongar mais do que a gente esperava. Para o comércio reagir via liquidações vai ficar mais difícil, já que o custo aumentou muito.”

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Pelos dados do Caged, as microempresas, com até nove funcionários, representam um terço do setor e são as mais frágeis diante da conjuntura econômica desafiadora.

No caso delas, a queda já chega a 6,7%. Já entre as empresas com até 99 funcionários, todos os 22 segmentos investigados apresentam redução no número de companhias ativas.

Falências. O economista Flávio Calife, da Boa Vista SCPC, afirma que os pedidos de falência e recuperação judicial explodiram a partir do segundo trimestre de 2015. “Houve uma piora muito forte no ambiente de negócios. A falta de confiança está levando empresários que vinham tentando cortar custos e evitando demitir a abrir mão de seus negócios”, diz.

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Calife explica que, no caso da indústria, a situação já vinha piorando há mais tempo, por isso os dados do comércio chamam mais atenção este ano. As pequenas empresas são as que mais sofrem: respondem por 91% dos pedidos de falência no comércio e 79% na indústria.

A expectativa da Boa Vista SCPC é que a situação continue se agravando até o fim do ano, resultando no maior crescimento dos pedidos de falência desde 2005, quando a nova lei entrou em vigor. Em 2009, auge da crise financeira global, a alta foi de 7%. “Não há sinal de melhora. Medidas como a retomada de impostos tendem a derrubar mais a confiança”, alerta.

Piora. O assessor econômico Vitor França, da Fecomércio-SP, prevê um cenário negativo para o varejo em 2016. Além do encarecimento de itens como água e energia, a disparada do dólar deverá elevar os custos de parte dos comerciantes.

Com juros altos e bancos retraídos, os empresários terão poucas janelas para refinanciar dívidas. “A consequência é um corte brutal de empregos no comércio. Ainda não é o fundo do poço. O ciclo de queda de vendas, fechamento de empresas e desemprego tende a se agravar”, diz.

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