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Soja: risco de base pode ser maior que o de mercado

A soja brasileira passa a ter um peso cada vez mais importante no mercado internacional e Chicago, que serve de parâmetro de fixação da soja no mercado internacional é uma bolsa local, ou seja, que reflete a oferta e demanda de soja interna nos Estados Unidos.

Por Agencia Estado
Atualização:

Algumas importantes mudanças na comercialização da soja brasileira precisarão ocorrer, muito embora parecem não ter sido totalmente digeridas pelo mercado. Embora não seja um conhecedor do mercado de grãos, tenho larga experiência como operador de mercado de café e açúcar de muitos anos. O produtor de soja brasileiro vende sua soja com preço a ser fixado e, às vezes também, com o diferencial a ser fixado. Quando o valor em reais ou dólares, dependendo da negociação entre as partes, é fixado, a trading imediatamente faz seu hedge de venda em Chicago. Assim, o produtor fixa a sua soja na moeda que lhe aprouver e a trading descarrega o risco de preço (mercado) em Chicago ficando apenas com o risco chamado de basis, que é a diferença entre o cash (ou mercado à vista) e o preço futuro. Conceitualmente, o risco de base é menor que o risco de mercado (risco direcional), pois a base - em tese - varia muito menos. Esse conceito tem sido ao longo de muitos anos o lastro que permite às tradings trabalhar uma tonelagem bem em razão de um risco teoricamente menor. No entanto esse modelo poderia funcionar in aeternum desde que a soja brasileira fosse entregável em Chicago, o que não é o caso. Poderia funcionar também desde que a exportação da soja brasileira fosse ou residual ou com uma parcela pequena do mercado internacional. Enquanto em 1999/2000, segundo o USDA o Brasil exportou 11,16 milhões de toneladas de um total de 45,67 milhões de toneladas, com os EUA tendo a maior fatia do bolo com 26,54 milhões de toneladas, hoje a história é muito diferente pois o Brasil, segundo o próprio USDA, em 2002/2003 exportou 21,06, a Argentina 10,1, de um total de exportação de 62,70 milhões de toneladas. Ou seja, o Brasil cresceu 89% enquanto o mercado internacional cresceu apenas 37%. Nosso market-share pulou de 24% para 34%. A questão e o problema que se está delineando no horizonte é o seguinte: o risco de base passou a ser maior que o risco de mercado. A volatilidade do risco de base (para o qual não existe proteção) passa a ser maior que a própria volatilidade do mercado. Isso ocorre porque a soja brasileira passa a ter um peso cada vez mais importante no mercado internacional e Chicago, que serve de parâmetro de fixação da soja no mercado internacional é uma bolsa local, ou seja, que reflete a oferta e demanda de soja interna nos Estados Unidos.Quando os demais países (leia-se Brasil e Argentina) eram apenas coadjuvantes desse mercado, discrepâncias ocorriam mas eram de menor magnitude. Acontece que agora a coisa está diferente. Guardadas as devidas proporções seria o mesmo que o contrato de café na BM&F servisse de parâmetro para os cafés comercializados pela Colômbia e América Central. Na hipótese de um problema na oferta do café brasileiro, seja ele por geada ou seca, o preço na BM&F subiria mas o preço dos outros países - cuja oferta não tenha mudado - ficaria o mesmo. Ora, se eles usam a BM&F como precificação e esta subiu, o que ocorreria em tese é que o desconto (ou a base) dos cafés colombianos e centrais enfraqueceria. Como colombianos e centro-americanos não podem entregar seus cafés na BM&F configura-se obviamente um hedge imperfeito. Foi isso que ocorreu com a soja este ano, o mercado subiu, o produtor brasileiro se sentiu vilipendiado pois fixara a um preço menor antes da subida e ficou com a impressão de que as tradings ganharam com a subida. Agora, acompanhe o raciocínio do exemplo dado no início: imagine que o produtor fixara sua soja com a trading a 200 dólares por tonelada, a trading por sua vez descarregou o risco de preço em Chicago, fixando a 220 dólares ficando apenas comprada na base a menos 20 (isto é, com o risco apenas da diferença entre o mercado a vista, 200 e o mercado futuro,220). No momento que o produtor entregou a soja para a trading, Chicago chegou a negociar acima de 350 e a soja brasileira estava negociando no mercado a menos 45, ou seja, a equivalente 305 FOB. Muito bem, a conta para a trading é a seguinte: comprou o físico a 200 e vendeu a 305, com lucro de 85, menos o que perdeu com o hedge que vendera a 220 e recomprara a 350, ou seja, 130 de prejuízo no hedge, dando um resultado consolidado de 45 de prejuízo. Por sua vez, o produtor que fixara sua soja a 200 e no momento da entrega do produto o mercado está negociando a 305, tem a nítida impressão que está sendo lesado pela trading, o que não é verdade. Tudo isso porque milhões de toneladas são comercializadas usando como parâmetro uma bolsa que não reflete a soja brasileira. Qual a solução: só existe solução a longo prazo, a BM&F investindo num contrato de soja que permita uma transparência que Chicago não pode dar ou Chicago abrindo um contrato exclusivo para a soja brasileira. O que é inegável, no entanto, é que essa discrepância de base vai continuar a ferir a comercialização da soja brasileira, seja porque o produtor não vai aproveitar os melhores preços, seja porque as tradings poderão reduzir sua exposição ao risco de base, em virtude até mesmo dos prejuízos que ocorreram este ano, diminuindo assim os negócios. Conceitualmente, como disse, o risco de base é menor que o risco direcional. Esse ano, não foi isso que assistimos. por Arnaldo Luiz Correa* * Consultor da Archer Consulting Ltda. É administrador de empresas e foi head trader de diversas empresas de café e açúcar, além de diretor de agrícolas da BM&F em 1999/2000. E-mail: arnaldocorrea@uol.com.br

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