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Capacitar profissionais em tecnologia esbarra em custos, evasão e inclusão digital

Redução do déficit na área, que deve chegar a 300 mil vagas até 2024, passa por políticas públicas e apoio a jovens de baixa renda; segundo Brasscom, a desistência em cursos é de 70%

Foto do author Juliana Pio
Por Juliana Pio
Atualização:

"Quando cursei Publicidade, em 2006, a gente ainda discutia os primeiros passos no Twitter. As disciplinas eram muito teóricas e não imaginava que o digital iria se expandir tão rápido”, lembra Fernanda Januzzi, que, desde o começo de sua carreira, procura se manter atualizada. Aos 33 anos, ela também é graduada em Relações Públicas, tem MBA em Gestão de Comunicação Digital e Redes Sociais e, recentemente, finalizou um curso de Marketing Digital na startup de educação Gama Academy.  

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Profissionais como Fernanda, com especializações em tecnologia, são cada vez mais requisitados. O problema é que nem todos têm as mesmas condições e oportunidades para se capacitar para o mercado de trabalho, mostra um estudo desenvolvido pelo Centre for Public Impact (CPI) em parceria com a Fundação Brava e o BrazilLAB. Finalizado no ano passado, ele analisou estratégias para ampliar o ecossistema de profissionais digitais.

Baseado em dados públicos, o levantamento aponta que um dos maiores e mais urgentes desafios para a transformação digital no País é a formação e a qualificação de pessoas que trabalham com um ou mais aspectos da digitalização, desde programadores e técnicos de informática até gerentes de marketing e estrategistas. 

Estima-se que até 2024 sejam necessários mais de 300 mil profissionais na área. Atualmente, o País tem o maior déficit entre 10 avaliações na América Latina, ou seja, tem a maior diferença entre a demanda e a oferta. Os motivos, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, residem principalmente nos custos, na evasão escolar e no acesso ainda restrito às novas tecnologias.  

Dados do Inep mostram que apenas 46 mil pessoas se formam no setor por ano, seja em instituições públicas ou privadas. Além de ser insuficiente, a oferta apresenta relativo descasamento geográfico em relação ao mercado, visto que o Estado de São Paulo, que emprega 43% dos profissionais com perfil tecnológico, forma apenas 36%, por exemplo.

O trabalhador brasileiro está acima da média dos países pesquisados no estudo em relação à percepção da necessidade de se preparar para o futuro (74% no Brasil, contra 46% da média), mas também quanto ao entendimento de que o maior obstáculo para se desenvolver são os custos (54%, contra 33% da média de 11 países). 

“Hoje, vejo que precisamos estar em constante aprendizado e entender a lógica da tecnologia, sabendo dialogar entre as áreas, não necessariamente ser especialistas em tudo”, destaca Fernanda, que é coordenadora de Marketing do Laboratório Lustosa, em Belo Horizonte.

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Fernanda Januzzi migrou da comunicação para a tecnologia. Foto: Patrick Nicacio/Gama Academy

Evasão e inclusão digital

Aqueles que conseguem ingressar em uma universidade, muitas vezes, acabam não concluindo. Segundo a Brasscom, que reúne companhias de tecnologia da informação, a desistência nos cursos é de 70%. “O motivo tem raízes em questões socioeconômicas. Mesmo em instituições públicas, o jovem é compelido a procurar uma forma de se viabilizar economicamente”, explica Sérgio Paulo, presidente executivo da associação. 

De acordo com Letícia Piccolotto, presidente da Fundação Brava, o gap de profissionais digitais no Brasil se configura como oportunidade, visto que há uma maior oferta de vagas de trabalho, mas também pode trazer riscos econômicos e evidenciar a desigualdade social com o aumento de excluídos na revolução digital. 

“O custo da internet para as classes C, D e E, por exemplo, compromete muito a renda mensal per capita das famílias, segundo estudo do Brazil Lab. Muitas vezes, os planos adquiridos se restringem apenas ao acesso gratuito às redes sociais, o que compromete o uso para educação e cidadania”, ressalta Letícia, que também é CEO e fundadora do BrazilLab, primeiro hub de inovação GovTech do Brasil. 

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Para Nuricel Villalonga, educadora e cofundadora da Alpha EdTech, escola de programação que paga para o aluno estudar e cujas inscrições da primeira turma abrem nesta sexta-feira, 6, a tecnologia é uma solução para ampliar, interagir e democratizar as oportunidades.

“Ela pode ajudar de várias formas, seja ampliando a interatividade ou criando plataformas de e-learning, de forma a levar o conhecimento até os cantos mais remotos do Brasil.”

Nuricel ainda reforça a necessidade de investimentos ao acesso à internet e a equipamentos digitais. “Isso significa que governo, empresas e a sociedade têm que trabalhar para viabilizar esse tipo de acesso. Não basta disponibilizar tablets. É preciso criar uma estrutura física onde o aluno possa realmente estudar com equipamentos que efetivamente são solução para aprendizagem.”

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Resiliência econômica positiva

Dados da Brasscom mostram que, mesmo com a crise provocada pelo novo coronavírus, houve mais contratações do que demissões. “O setor apresentou um desempenho mais resiliente ao do mercado de trabalho nacional. Entre o final de 2019 e agosto de 2020, houve uma variação de 0,65% o que representou um acréscimo de 10.206 novos postos de trabalhos”, afirma o presidente executivo da associação, Sérgio Paulo Gallindo. 

Ele ainda acrescenta que o setor movimentou cerca de R$ 495 bilhões de receita bruta, o que equivale a 6,8% do PIB, e gerou 1.560.000 empregos em 2019.

Entre as startups, apesar dos cortes no início do ano, o mercado voltou a aquecer e já há muitas vagas abertas. "Há uma grande dificuldade para encontrar profissionais de tecnologia, especialmente desenvolvedores. Se não houvesse esse gap, muitas startups não estariam competindo entre si por talentos e poderiam crescer mais rapidamente”, ressalta Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups).

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