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De volta ao pânico: mães são mais atingidas com escolas fechando de novo

Com variante da covid e crianças juntas após férias, pais precisam voltar a equilibrar home office e cuidados com filhos; mães são as mais afetadas por desemprego

Por Heather Long
Atualização:

Sarah Mordecai acaba de receber o telefonema que nenhuma mãe quer: seu filho foi exposto à covid-19 na creche. Imediatamente, ela teve de buscar suas duas crianças e se preparar para a quarentena. Mordecai e o marido se esforçaram para reorganizar rapidamente seus horários para estar em casa com os dois filhos, de 1 e 3 anos. Sua maior preocupação é que o resto do ano possa ser uma série de emergências como esta, em que as crianças ficam expostas e toda a família precisa voltar ao confinamento.

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“Estávamos começando a respirar aliviados. Agora estamos de volta ao pânico”, disse Mordecai, que trabalha para uma seguradora de saúde. “Dada a baixa taxa de vacinação na nossa região, não consigo ver como isso não acontecerá de novo.”

O pânico está se instalando entre pais e mães de crianças menores de 12 anos à medida que os planos de retorno presencial a creches e escolas estão sendo interrompidos mais uma vez com o aumento da altamente transmissível variante delta. Embora as crianças não tenham a tendência de enfrentar as piores complicações do vírus, elas ficam doentes e espalham o vírus, o que pode fechar escolas e creches por semanas. Tudo isso está acontecendo enquanto muitos empregadores exigem que os trabalhadores voltem ao escritório.

Quando os filhos precisam ficar em casa, o fardo geralmente recai sobre as mães. Alguns economistas estão alertando que os Estados Unidos podem ficar à beira de uma segunda onda de mulheres abandonando o trabalho se a variante delta do coronavírus não for contida.

“Realmente me preocupa que isso leve a uma segunda onda de mulheres deixando a força de trabalho”, disse a economista Alicia Sasser Modestino, professora associada da Northeastern University. “Será um grande problema para a economia em geral? Provavelmente não. Mas será um grande problema para as mulheres? Sim, sem dúvidas. Corremos o risco de ver mais mulheres vítimas de uma grande resignação”.

Escola em São Paulo se prepara para volta as aulas. As mães temem a variante delta e a necessidade de quarentena novamente. - 30/07/ 2021 Foto: Werther Santana/Estadão

As mulheres sofreram grandes perdas de emprego no início da pandemia ou tiveram de deixar o trabalho para cuidar dos filhos. Mais de 13 milhões de mulheres pararam de trabalhar, levando aos níveis mais baixos de mulheres na força de trabalho desde os anos 1980.

A situação melhorou um pouco no verão passado com a reabertura da economia, mas muitas mães de repente pararam de trabalhar em setembro passado, quando o ano letivo começou e seus filhos ainda estavam em casa. Muitas mães conseguiram voltar a trabalhar mais tarde no mesmo ano letivo e até ultrapassaram as mulheres sem filhos, mostram os dados do Departamento do Trabalho, em grande parte devido a chefes flexíveis e acordos para trabalhar de casa.

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Agora, a “recuperação das mães” pode estar mais uma vez em perigo. “Todo mundo está com uma certa ansiedade para saber o que vai acontecer no outono”, disse Misty Heggeness, principal economista e consultora sênior do Departamento do Censo dos Estados Unidos, cuja pesquisa mostra que, mesmo após a recuperação, ainda há cerca de 1,5 milhão de mães a menos trabalhando do que antes da pandemia.

Ilusão de uma volta ao 'normal'

Repetidas vezes, as mães descreveram ao Washington Post como está difícil a incerteza agora com a variante delta do coronavírus. Elas pensavam que tinham sobrevivido ao pior da pandemia e estavam alimentando a esperança de um verdadeiro retorno ao normal neste outono no hemisfério norte. Agora elas dizem que se sentem mergulhadas em um mundo onde a qualquer momento podem receber o aviso para buscar as crianças em 15 minutos na escola ou na creche, por causa de uma exposição ao vírus.

Tudo isso está acontecendo em um momento em que os pais têm menos opções de trabalhar em casa e menos recursos financeiros, pois os Estados vêm diminuindo os benefícios de auxílio-desemprego e as empresas estão menos compreensivas.

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Simone Berkowitz é mãe de dois filhos em São Francisco e achava que finalmente havia descoberto como fazer tudo funcionar. Ela e o marido contrataram uma babá para cuidar das crianças, para que ainda pudessem fazer seu trabalho, mas agora a babá está presa na Argentina. Ela deveria chegar em junho, mas seu agendamento para o visto fica sendo adiado. Agora eles terão sorte se ela chegar antes de setembro.

Para mães de baixa renda e mães solo, a luta é mais difícil. Elas não têm dinheiro para contratar babás nem montar pequenos grupos de mães. E muitas vezes têm empregos que nunca as permitiram trabalhar de casa.

Retomada das aulas presenciais na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), em fevereiro deste ano, em São Paulo. -15/02/2021 Foto: Werther Santana/Estadão

Tracy Jackson, técnica flebotomista na Flórida, notou que menos pacientes estavam aparecendo para fazer exames de sangue nas últimas semanas, à medida que os casos de coronavírus aumentavam em seu Estado. No final de julho, sua empresa enviou um memorando avisando que ela poderia ser dispensada ou forçada a entrar em quarentena - mais uma vez.

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Jackson, mãe de três filhos, já teve de ficar em quarentena quatro vezes este ano, porque ela ou um de seus filhos tinham sido expostos ao coronavírus. Ela não é paga quando não trabalha. Perdeu tanta renda por causa das quarentenas que atrasou o pagamento de suas contas e seu carro foi tomado. Só está se recuperando agora porque sua mãe lhe dá uma carona para o trabalho todos os dias e uma tia apareceu para ajudar no cuidado das crianças.

“Se eu for para casa, fico sem trabalho. Não ganhamos nada nessa situação”, disse Jackson, que mora em Fort Myers. “Somos profissionais da saúde, mas, quando ficamos doentes, ninguém cuida de nós”.

Seu filho de 8 anos tem asma. Ela tem medo de expô-lo ao coronavírus, mas, como mãe solo, não pode se dar ao luxo de mantê-lo em casa neste outono. Quando o distrito escolar enviou um comunicado perguntando se ela queria cancelar o aprendizado presencial, ela relutantemente marcou a opção que seu filho voltaria para a sala de aula.

“Não posso me dar ao luxo de ficar em casa agora. Nunca fiquei com as contas atrasadas. Tudo desmoronou por causa de tudo isso que está acontecendo”, disse Jackson. “Mas você não pode desistir porque tem três filhos pequenos dependendo da mãe deles”.

Os principais economistas e investidores de Wall Street não estão prevendo um obstáculo severo para a economia por causa da variante delta, mas as mães estão muito mais alarmadas. Este último aumento no número de casos diários é pior do que no verão passado e outro revés na capacidade das mães de conciliar trabalho e cuidados com os filhos, enquanto mais empresas estão exigindo que os trabalhadores voltem ao escritório.

Os principais fatores que determinam se as mulheres mantêm seus empregos ou param de trabalhar é a capacidade de trabalhar em casa ou ter família por perto - um avô ou parente - para cuidar das crianças, de acordo com pesquisas de Modestino, da Northeastern, e da economista Laura Sherbin, da empresa de consultoria Seramount.

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“Estamos tirando aquela última sustentação do trabalho em casa”, disse Modestino, cuja própria filha foi recentemente mandada para casa de volta de um acampamento de ensino de programação devido exposição à covid. “As mulheres estão por um fio”.

Em regiões do país onde as taxas de vacinação permanecem baixas e o vírus está voltando com particular força, as mães temem que neste ano letivo as crianças fiquem oscilando semana a semana entre as aulas presenciais e as virtuais.

Shannon Servoss está preocupada com o ano letivo que começa em meados de agosto, especialmente porque sua família mora em Little Rock. Seu Estado aprovou uma lei dizendo que as escolas não podem exigir que as crianças usem máscaras. O governador republicano do Arkansas, Asa Hutchinson, disse que se arrependeu de transformar a proibição de máscaras escolares em lei.

“Estou tão sobrecarregada por tentar tomar decisões com segurança - para mim, para meus filhos, para meus alunos”, disse Servoss, que está vacinada, mas continua sob alto risco por causa de danos pulmonares anteriores à pandemia. “Estou definitivamente muito menos produtiva”.

Foi um verão difícil para a família Servoss. Sua filha de 11 anos foi exposta à covid durante sua primeira semana de acampamento de verão. Servoss, professora de engenharia química, e seu marido, empresário, se revezam no cuidado dos três filhos. Eles decidiram tirar as crianças de todos os acampamentos de verão, porque sentiram que era melhor ter um plano consistente do que continuar reagindo no último minuto.

Outra grande ajuda para as mães que conseguiram manter seus empregos enquanto equilibravam as necessidades dos cuidados infantis ao longo do último ano e meio foi a compreensão dos chefes, diz Sherbin, a consultora da Seramount que trabalha com questões de diversidade e inclusão com muitas empresas.

“O que as mães enfrentam, seguidas vezes, é a imprevisibilidade. Isso é o que torna tudo tão difícil”, disse Sherbin, mãe de quatro filhos que teve de lidar com a suspensão dos acampamentos de verão de seus filhos. “A esmagadora maioria dos pais e mães que continuaram com suas carreiras e engajados no trabalho foram os que puderam contar com gerentes ativos”.

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Várias mulheres de classe média e alta contaram como se viram incapazes de administrar as demandas de trabalho e do cuidado com as crianças agora que suas empresas exigiam que elas retornassem ao escritório. Não era mais possível tentar a tática de sobrevivência de colocar as crianças na frente da TV enquanto mães e pais trabalhavam na sala ao lado.

Uma mãe de três filhos que trabalha em uma empresa de tecnologia em Crystal City disse que, depois de dizer a seu chefe que não queria voltar para o escritório porque tinha três crianças não vacinadas em casa, seu chefe a avisou que seu emprego poderia estar em risco. Ela pediu que seu nome não fosse divulgado por medo de perder o trabalho.

Ela se lembra de seu chefe dizendo: “Não quero que você apareça na lista de que não virá dois ou três dias por semana”.

Muitas famílias de classe média hoje precisam de duas rendas para sobreviver, diz Heggeness, do Departamento do Censo dos Estados Unidos. É mais difícil para pai e mãe trabalharem quando não há creche.

Em todo o país já existem sinais de alerta sobre o fechamento de creches.

Grace Phillips, 19 anos, trabalha em uma creche nos subúrbios de Cleveland que atende cerca de cem crianças, principalmente as crianças de funcionários de lares de idosos e serviços de alimentação. A creche acabou de fechar por uma semana pois um professor testou positivo.

“A empresa incentivou os funcionários a tomarem a vacina com um cartão-presente de US $ 50. Mas o funcionário que testou positivo não foi vacinado”, disse Phillips. “Prevejo que mais coisas como esta vão voltar a acontecer. Acho que ficamos um pouco confortáveis demais com a sensação de que a pandemia tinha acabado e tiramos as máscaras”.

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As mães vacinadas expressaram frustração com as famílias e colegas de trabalho que se recusam a se vacinar, pois isto está exacerbando o estresse e a incerteza do vírus.

Lesley Cain entende essa raiva muito bem. Ela vinha questionando a possibilidade de tomar a vacina. Não achava que precisava se vacinar enquanto trabalhava em casa e mantinha o filho em casa, mas Cain voltou a trabalhar no início de julho e seu médico a aconselhou a se vacinar. Ela recebeu a primeira dose da vacina Moderna em 17 de julho. Infelizmente, ainda pegou covid no final de julho. Ela não sabe ao certo onde.

Cain ficou aliviada porque seu filho de 7 anos voltou com resultado negativo para o vírus. Ele pôde sair de férias com o resto da família enquanto Cain teve de fazer quarentena em casa, gastando seus dias de férias. Várias pessoas em seu escritório também estão em quarentena.

“O vírus afeta muito mais pessoas do que você. É uma droga, e eu gostaria de ter sido totalmente vacinada”, disse Cain. “Tudo que faço nos últimos dias é chorar, e eu nem estou muito doente. Estou sozinha em casa. Não posso sair. Não posso abraçar meu filho. Minha família inteira está viajando sem mim”.

Andrew Van Dam, do Washington Post, contribuiu para esta reportagem. / Tradução de Renato Prelorentzou.

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