Empresas dão capacitação com chance de emprego para reduzir déficit em tecnologia

Companhias como Ambev e iFood atraem talentos com contratação imediata ou oferecendo vagas ao final do curso; startups incentivam qualificação para empregabilidade

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Por Ludimila Honorato
6 min de leitura

O cenário atual do mercado de tecnologia é pouco favorável. A crescente transformação digital e criação de novas startups fez aumentar o número de vagas, mas há poucos profissionais capacitados para as demandas exigidas. De acordo com a pesquisa Tech Jobs Report 2021, realizada pela Gama Academy, escola de formação para o mercado digital, estão previstas mais de 20 mil vagas de trabalho no setor nos próximos três meses, envolvendo programação, vendas e marketing digital.

Em vez de competir nesse mar escasso, algumas empresas tomaram a dianteira e têm atraído talentos iniciantes ao oferecer treinamento aliado ao emprego. É assim que a Ambev Tech tem construído parte de seu time de profissionais para promover a transformação digital e cultural da Ambev. O hub de inovação e tecnologia lançou o programa Start Tech, que realiza a formação com contratação imediata.

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"A gente sabe desse desafio e que o mercado de tecnologia, se for imediatista e quiser resolver problemas rapidamente, com pessoas prontas, é um jogo de soma zero. Porque você tira profissional de outra empresa, se beneficia momentaneamente, mas prejudica o ecossistema", diz Guilherme Pereira Pinto, diretor de pessoas, finanças e estratégia na Ambev Tech.

Capacitar a pessoa já integrada à cultura da empresa é atrativo, pois, segundo ele, permite uma relação emocional efetiva e permanência do funcionário no longo prazo. "Também é uma ferramenta para trazer mais diversidade ao time, a gente tinha essa vontade de levar a agenda D&I, ainda mais para mulheres e pessoas negras, para quem a tecnologia é mais hostil."

Guilherme Pereira Pinto, diretor de pessoas, finanças e estratégia na Ambev Tech. O hub oferece o programa Start Tech,que dá capacitação em tecnologia com contratação imediata. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O diretor afirma que oferecer emprego desde o primeiro dia de capacitação torna o aprendizado mais fluido. “Pessoas mais felizes e engajadas, com a tranquilidade de estarem contratadas, aprendem melhor.” O programa visa adultos a partir dos 18 anos e dos mais diversos grupos de raça, gênero e idade, com ou sem experiência em tecnologia. Para ele, esse é um trabalho com visão de longo prazo para que, no futuro, a conta seja positiva.

Com metas ambiciosas de educação, o iFood anunciou no começo deste ano que quer impactar 10 milhões de brasileiros, dos quais 25 mil serão formados em tecnologia até 2025. Para isso, firmou parceria com quatro entidades que oferecem capacitação na área e, em paralelo, fazem a ponte com o emprego. Em um dos programas, a própria foodtech vai reter alguns talentos, mas acredita que somente um ecossistema voltado para empregabilidade é capaz de suprir a alta busca por profissionais.

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"Só o iFood não vai ser capaz de absorver todo potencial de talento. Estamos olhando para um desafio de mercado como um todo, que forme para outras empresas também e que olhe para pessoas subrepresentadas nesse universo", diz Renata Citron, head de educação do iFood. As iniciativas também buscam levar diversidade ao mercado, uma vez que as entidades parceiras atuam com jovens de baixa renda, mulheres cis, trans e negras, por exemplo.

iFood tem a meta de capacitar 25 mil brasileiros em tecnologia até 2025. Foto: Hélvio Romero/AE - 28/08/2012

Renata afirma que é importante ter esse estímulo à capacitação e parceiros com bons índices de empregabilidade. O objetivo é expandir essa força-tarefa com mais empresas participantes. "A ideia é começar uma coalizão de empresas. Tem algumas que a gente tem falado quinzenalmente e espera que seja uma ação conjunta, um esforço maior do que só iFood. A gente começou a trabalhar ativamente nessa pauta e a ter reuniões com quem possa absorver essas pessoas que vão se formar."

Para Sergio Paulo Gallindo, presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), a busca por profissionais qualificados se dá menos pelo nível hierárquico e mais pelo tipo de tecnologia que a pessoa conhece. Um levantamento da entidade mostra que as prioridades das empresas em termos de contratação são nas áreas de full stack, programação web e mobile, nuvem, big data e segurança da informação.

Com tantas iniciativas em prol da capacitação, o executivo pensa que talvez não seja viável absorver todas essas pessoas, mas precisa ser. "As empresas têm práticas de recrutamento que precisam ser modernizadas. Há dois requisitos em vagas de tecnologia que não têm mais sentido: exigir curso superior e inglês fluente. Enquanto elas não abrem mão disso, não vão achar talento", afirma.

Embora a educação passe pelo ensino formal, projetos paralelos têm cumprido o papel de capacitar e, melhor, com foco na empregabilidade. Quanto à exigência de idioma, Gallindo ressalta que o nível é diferente dependendo do que se faz, então é preciso alinhar a expectativa com a realidade.

Startups oferecem capacitação para o emprego

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Ao ver que as mais de 20 mil empresas que atende precisavam de talentos mais qualificados, a startup de recrutamento Revelo decidiu ajudar a impulsionar a carreira de quem se cadastra na plataforma em busca de emprego. Em parceria com cerca de 40 escolas, a startup financia cursos em tecnologia por meio da Revelo Up e o aluno só paga depois que consegue um emprego.

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"Quando a gente diagnostica que tem gaps que esse profissional poderia fechar com curso e se tornar mais empregável, a gente recomenda um curso. Com uso de big data, machine learning, vê qual seria o melhor curso para ele", explica Lucas Mendes, cofundador da empresa. Os cursos oferecidos são de curta duração, de três a nove meses, e custam entre R$ 10 mil e R$ 20 mil reais. 

Mendes comenta que existem poucos profissionais de nível sênior atualmente porque lá atrás havia poucos jovens interessados em áreas de tecnologia. Para resolver esse problema, é preciso atacar a base de hoje. "Precisa criar uma esteira de formação na qual a carreira de tecnologia vire uma em que o jovem queira trabalhar." E para suprir a demanda nacional, tendo em vista que funcionários experientes buscam atuar em empresas internacionais, a Revelo forma duas pessoas no Brasil para cada uma que aloca no exterior. "Não queremos que exista déficit de cérebros no Brasil", diz.

Lucas Mendes, cofundadorda startup Revelo, que tem um programa de financiamento para cursos em tecnologia. Foto: Leo Martins/Estadão - 23/08/2018

A parte mais difícil, segundo ele, é convencer as empresas de que vale a pena contratar um iniciante. "É uma mentalidade que precisa evoluir, mas a gente tem bastante esperança, principalmente em empresas mais inovadoras que sabem que boa parte do profissional se forma dentro do ambiente de trabalho", afirma.

No caso da startup Awari, os cursos em tecnologia são acompanhados de uma mentoria com especialistas do mercado para que o aluno tenha acesso mais rápido ao emprego. Por meio de entrevistas, a empresa identifica o perfil da pessoa, indica qual caminho de estudo é mais adequado e faz o "match" com o mentor que mais tem relação com o interesse dela.

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"Ao longo de seis meses, além de aulas ao vivo, tem encontro com mentor, 30 minutos por semana, em que ele fala onde precisa se desenvolver, aponta caminhos, o aluno põe a mão na massa e trabalha com projeto real. Na segunda metade do uso, nosso time de carreira conversa com cada aluno, tem simulado de entrevista e prepara para os desafios que surgem a partir disso", explica Fábio Muniz, CEO da Awari.

Há poucos meses, a startup passou a trabalhar com um modelo no qual, no fim do curso, o time de desenvolvimento corporativo apresenta o aluno para vagas em empresas parceiras. Algumas oportunidades são mais exclusivas: em uma delas, a companhia busca a startup para qualificar um determinado número de pessoas e oferece a bolsa de estudos, com emprego garantido; na outra, organizações participam da apresentação de projetos dos alunos e têm acesso a esses candidatos.

"Ainda não temos um trabalho proativo. Temos esse papel mais de qualificar o aluno, não necessariamente vendê-lo, mas se tiver habilidades, ele tem sucesso para trilhar o caminho", afirma Muniz. Ele reforça a necessidade de um ecossistema para absorver o alto volume de profissionais com perfil mais junior. E quando o iniciante está empregado, o trabalho tem de continuar. "A empresa precisa ter ecossistema e trilha de desenvolvimento."

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