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'Falar em geração Z ou Y dialoga com ambiente econômico de cada um'

Para além do comportamento, discussão entre millennials e geração Z também marca diferenças no acesso ao mercado de trabalho, diz a economista Brenda Affeldt, da Youth Voices

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Por Gustavo Queiroz
Atualização:

A ideia de que existem marcas geracionais que dividem os comportamentos aceitáveis daqueles considerados “estranhos” - ou “cringe” - aqueceu uma discussão entre os millennials (ou geração Y, nascidos entre 1980 e 1994) e a geração Z (entre 1995 e 2010). Gostar de café ou Friends pode colocar um sujeito aqui ou ali na disputa. Mas tais questões só existem pois, a partir de uma certa idade, todos são obrigados a pagar boletos. 

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Para além da busca pela independência financeira, as gerações administram de forma diferente sua expectativa em relação às carreiras. Para a economista Brenda Affeldt, diretora de projetos de empregabilidade no Youth Voices Brasil, isso significa encontrar um mercado de trabalho diferente a cada ano. 

A geração Z pode achar estranha a ideia millennial de se encontrar um propósito específico em uma carreira. Isso porque os mais novos têm um desejo maior em transitar entre empregos que estimulem habilidades específicas. O comportamento segue uma lógica de mercado que questiona alguns vínculos de trabalho, dando lugar, por exemplo, a uma “economia dos bicos”. 

Affeldt explica que a empregabilidade de jovens é um desafio histórico e que as características geracionais refletem uma conjuntura política, institucional e econômica do País. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 2020 fechou o quarto trimestre com 29,8% da população de 18 a 24 anos desocupada

A economista Brenda Affeldt, coordenadora na Youth Voices Brasil. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Segundo a economista, que é millennial (nascida em 1994), isso mostra que os tempos e as demandas do mercado de trabalho aumentam o descompasso entre ricos e pobres, mais velhos e mais novos, e apresentam novos desafios para as novas gerações. 

Para ela, a ideia de gerações se baseia em um ambiente socioeconômico propiciado por quem consome e produz e pode não abranger a diversidade das juventudes brasileiras, mas deixa algumas pistas para olharmos o cenário do emprego no Brasil. Confira a seguir a entrevista.

Existe uma marca geracional forte entre gerações: enquanto os mais velhos tinham uma preocupação grande em estabilidade na carreira, os millennials já pulam de emprego em emprego com mais facilidade. Essa diferença também é identificada entre millennials e a geração Z?

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Falar em gerações e caracterizar o que cada uma delas busca, seja em consumo, seja em carreira, está muito relacionado com o ambiente socioeconômico em que cada geração viveu. Os millennials cresceram na prosperidade e na estabilidade econômica, vendo o Brasil ser capa de revista. E frente a isso novos itens começaram a ser desejados: a experiência pessoal, a flexibilidade e a adaptabilidade são muito valorizadas na construção de carreiras.

É por isso que são conhecidos por pularem de trabalho em trabalho. Esta geração tem foco no propósito, tende a ser um pouco idealista e a buscar o bem para o mundo. Isso é diferente para a geração Z, que a partir dos anos 2000 já tem uma adolescência em meio a uma crise política, institucional e econômica. Isso se reflete em possibilidades de carreira.

Os millennials, por exemplo, tiveram oportunidade de acessar bolsas de estudos fora do País. Com mais dificuldades, os mais novos são mais pragmáticos. Tendem a ver a vida como ela é. Ter um emprego é ótimo, mas são menos idealistas quanto ao emprego ser algo que busque como carreira, que o satisfaça a longo prazo e que “mude o mundo”. Pensam mais no que precisam para desenvolver as habilidades que os interessa no momento.

Isso leva muitas pessoas a afirmarem que a geração Z é mais individualista e tem um comportamento mais fluído nas relações. Isso se configura na prática?

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Alguns estudos globais mostram que a geração Z transita entre identidades. Por isso a se fala muito nessa fluidez - que é a ideia de que participam de muitas comunidades. Eles não precisam se identificar exclusivamente com um movimento ou outro. Eu entendo que isso é um pouco contraposto da ideia de individualidade ou egoísmo. É uma geração que nasceu globalizada.

Já a geração Y no mercado de trabalho está bastante pautada no legado que ‘eu’ quero deixar no mundo, que pode ser visto como mais individualista até do que a geração Z, que está buscando mudanças climáticas e sociais. Claro que os millennials também se preocupam bastante com diversidade e inclusão. A forma com que cada um coloca seus desejos pode ser um pouco diferente. 

O mercado de trabalho está preparado para este novo comportamento, uma vez que os dados apresentam alto desemprego entre jovens no Brasil?

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O mercado de trabalho e o cenário conjuntural mudou muito, o que afeta este processo. As gerações mais novas historicamente têm mais dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, tanto pela falta de experiência quanto pela falta de informação. Faz um tempo que se fala da existência de uma geração nem-nem (nem estuda nem trabalha). No Youth Voices Brasil chamamos de sem-sem, porque entendemos que é uma geração que está sem acesso a oportunidade de trabalho, não necessariamente não tem vontade.

E hoje esse público chega a um terço da população jovem. A pandemia trouxe um cenário ainda mais alarmante, de uma falta de perspectiva. A nova geração deixa de buscar oportunidades por não acreditar que elas virão. São os chamados alentados pelo IBGE, ou desencorajados IPEA. E um terço dos sem-sem já desistiram - um problema em meio ao último período de fôlego do bônus demográfico no Brasil. Mas claro que isso não é algo trivial. Não é a norma, mas em economias mais industrializadas há muitas pessoas com empregos formais.

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Agora, a gente começa a ver uma automação entrando em ação cada vez mais. Então, os jovens, com menor qualificação, estão mais propensos a perder mais postos de emprego. É claro que novos também se formam e novas habilidades serão necessárias. Na prática, estamos sujeitos a uma nova era, por conta da revolução da informação. Então, a economia compartilhada tem uma fluidez de uma maneira mais geral, o que modifica muito as relações de trabalho. 

A ideia de se ter um vínculo de trabalho CLT ou de microempreendedor individual (MEI) já é estranho para a geração Z. Essa economia compartilhada se configura na chamada 'economia dos bicos'?

A economia dos bicos é você ter diferentes trabalhos a partir de uma demanda. Então esse mercado mais fluído, em que um dia você está trabalhando em uma atividade e no outro em outra, exige que você faça a gestão da sua própria carreira. Isso traz alguns desafios, principalmente no ponto de vista da formação. O Brasil não tem histórico de empreendedorismo. O empreendedor, no Brasil, sempre foi um empreendedor por necessidade.

Com uma alta taxa de informalidade, o empreendedor busca empreender por precisar, mas muitas vezes sem o aparato necessário. Se a gente está em um mercado de bicos, em que as pessoas não estão mais ligadas a uma empresa, será necessário qualificar essa formação empreendedora, oferecer crédito, para que o empreendedorismo seja de fato uma oportunidade, não uma necessidade. E aí, eu acho que o MEI vem nesse cenário, como também uma opção de formalização. 

Para Brenda Affeldt, 'ageração Z provavelmente vai ter mais de duas carreiras, então vão precisar aprender sempre'. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

E como se mantém a rede de proteção social aos novos trabalhadores neste cenário? 

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A discussão entre a CLT, que pode estar desatualizada mas que tem uma rede de proteção social forte, com a pejotização e o MEI passam por esse caminho. O MEI traz alguns benefícios e pode ser visto com o meio do caminho nessa economia dos bicos. Uma parcela da população jovem busca mais flexibilidade no lugar da jornada de trabalho de 40 horas semanais.

Enquanto a flexibilização pode ser positiva, do outro lado da moeda a estabilidade tem um respaldo maior de proteção social. Esse é o nosso principal desafio. Ao mesmo tempo em que temos nômades digitais agora, uma juventude de classe média e alta buscando a flexibilidade, nós ainda temos vínculos de trabalho degradantes, trabalho escravo e uma grande parte da população na miséria. Esses diferentes recortes tornam muito difícil ter uma solução que abrange todo mundo. 

A oferta de trabalho provoca uma competição intergeracional no mercado de trabalho?

Dentro dos movimentos que vimos acontecendo com as juventudes ao longo dos últimos anos, é que essa é a população com os maiores níveis de educação que já tivemos, dada a oferta de ensino superior, com mais pessoas acessando níveis de mestrado e doutorado. E são pessoas que não estão conseguindo entrar no mercado de trabalho formal. Estudos mostram que os doutores e mestres no Brasil são os mais desempregados do mundo.

Ao mesmo tempo, temos uma dificuldade de qualificação básica de uma grande parcela da juventude, com resultados ruins em provas educacionais a nível mundial. Então diferentes fatores atrapalham a entrada no mercado de trabalho. Uma das questões é a capacitação técnica. A outra são as habilidades emocionais. Temas como resiliência, autoconhecimento e estar disposto a aprender são questões chave.

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Num mundo de mudanças instantâneas, mais do que aprender uma capacitação técnica, aprender a aprender é mais importante. A geração Z provavelmente vai ter mais de duas carreiras, vão passar por vários bicos durante essa vida, então vão precisar aprender sempre. 

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E do ponto de vista da demanda das empresas, o que muda? 

Agora se impõe cada vez mais a automatização. Isso acaba reduzindo uma parcela de trabalhos mais repetitivos, enquanto novos surgem. Temos também algumas barreiras da contratação - todo o arcabouço legal necessário, que às vezes os empresários tratam como sendo algo pesado. E também existe uma discriminação de alguns grupos sociais. É o caso da discussão do etarismo.

Falamos muito da inclusão da população negra, da população LGBTQI+, mas se fala pouco sobre a inclusão de pessoas mais velhas, que estão ainda buscando posições no mercado de trabalho. O problema da empregabilidade não é só da juventude. É um problema conjuntural e estrutural. Essa lógica de que com cinquenta anos não se está mais apto a uma nova vaga no mercado é antiga. 

A geração Z encontra, então, um novo cenário de empregabilidade. Ele tem também algumas oportunidades?

Com as novas tecnologias surgem novos empregos. E eu acho que focar nesse ensino tecnológico também é uma oportunidade. Algumas empresas preparam os jovens na lógica da programação, ciência de dados, para acessarem as chamadas profissões do futuro. Mas não são só essas funções que são importantes. Na realidade, o futuro do trabalho tende a valorizar o que é inerentemente humano.

Tudo que for inerentemente humano - é o que vai ser competitivo. Por isso que as habilidades socioemocionais entram muito em pauta, porque a capacidade de se relacionar vai ser sempre nossa, isso os robôs não podem entregar. A economia do cuidado tende a ser valorizada. E o empreendedorismo também entra muito em pauta. A mudança do empreendedorismo de necessidade para o empreendedorismo de oportunidade vai contribuir com a empregabilidade das novas gerações. 

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