Empresas como Boticário e Volvo ampliam licença-paternidade para até 6 meses

Mais companhias oferecem o benefício estendido, inclusive a pais LGBTQIA+, mas ainda há temor de que aceitá-lo pode prejudicar carreira; pela legislação, pais só têm cinco dias com os filhos

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Por Wesley Gonsalves
6 min de leitura

A discussão sobre gênero ganhou força nos últimos anos, mas os benefícios ligados à paternidade continuam, de forma geral, seguindo regras de décadas atrás. Percebendo os sinais dos tempos, algumas empresas estão indo muito além do estabelecido por lei no que se refere à licença-paternidade, que dá apenas cinco dias de folga para os novos pais, enquanto o período reservado às mães é de 4 a 6 meses. 

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Empresas como Volvo, Siemens, Grupo Boticário e Solvay (dona da Rhodia) têm aderido à chamada licença parental universal, que garante até seis meses para homens também acompanharem a primeira fase de vida dos filhos.

À espera do primeiro filho em meio à pandemia, o gerente de contas João Pancotto, da Rhodia, foi um dos primeiros a aderir à licença parental prolongada. “A visão de paternidade mudou. Para mim está sendo maravilhoso desfrutar desse momento único com meu filho”, diz. Segundo informou a Rhodia, até o momento, além de João, outros 11 futuros pais já solicitaram a adesão ao benefício, que é concedido com pagamento de 100% do salário. 

Segundo a legislação brasileira, as empresas são obrigadas a liberar os funcionários homens por apenas cinco dias corridos a partir do nascimento do bebê. Desde a criação do direito à licença-paternidade pela Constituição Federal, em 1988, a única atualização sobre o tema ocorreu em 2016, pelo programa federal Empresa Cidadã, que estendeu o afastamento para até 20 dias. Como ocorre com a licença-maternidade, a adesão é opcional. 

De acordo com o advogado especialista em direitos trabalhistas Wallace Dias Silva, a legislação nacional está "defasada" e precisa ser renovada para refletir as mudanças na sociedade. “A Constituição já tem mais de 30 anos e nós não tivemos nenhuma alteração significativa. A nossa legislação é omissa em relação ao tema e demonstra um laço patriarcal do Brasil”, avalia. 

Cabe aos negócios, individualmente, tentar mudar o quadro. A partir do segundo semestre, todos os 12 mil funcionários do Grupo Boticário terão direito a se afastar do trabalho durante quatro meses caso se tornem pais. O benefício será concedido de forma universal, incluindo casais homoafetivos ou pais de filhos adotados (não-consanguíneos). 

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O advogado e servidor público Alexandre Marques e seus filhos Vinícius e Luiz Felipe. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Para o vice-presidente de pessoas e assuntos Institucionais do Grupo Boticário, Sandro Bassili, a mudança é uma forma de discutir a responsabilidade dos homens na criação, formação e educação das famílias, papel que historicamente vem sendo atribuído exclusivamente às mulheres. 

“Quando possibilitamos que todos se dediquem à parentalidade de forma mais equânime, estamos abordando diretamente a corresponsabilidade e equidade na formação das famílias em um momento em que vínculo e cuidado são fundamentais”, afirma Bassili. 

Empresas estrangeiras começam a implantar em solo nacional políticas de equidade de gênero já consolidadas lá fora. Esse é o caso da Volvo Car Brasil, que instituiu a licença de 24 semanas (seis meses) para todos os funcionários, sem distinção de gênero ou de forma de concepção da criança. A ação é inspirada nos direitos trabalhistas concedidos no país de origem da companhia, a Suécia.

Pais LGBTQIA+

Depois de alguns anos de planejamento, Everton Lopes, de 43 anos, conseguiu realizar o sonho da paternidade. O executivo da Siemens anunciou à companhia que seria pai por meio de uma barriga solidária – processo em que a gestação é realizada por um útero por substituição, também conhecido como "barriga de aluguel". 

Casado desde 2016 com o médico Marco Bianco, Lopes foi responsável por uma mudança na política interna da empresa de tecnologia alemã sobre a licença parental, em 2019. 

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A “revolução” aconteceu por acaso. Depois de requerer o direito a auxílio creche e o afastamento da licença paternidade por 20 dias para cuidar dos pequenos Theo e Thomás, hoje com 2 anos, o funcionário foi informado de que seria o primeiro colaborador LGBTQIA+ a ter os mesmos direitos que as mulheres, com 6 meses para acompanhar os filhos recém-nascidos. 

O funcionário da Siemens Everton Lopes com seus filhos Theo e Thomás. Foto: Alex Silva/Estadão

“O que a Siemens fez foi um convite à reflexão. Estamos no início ainda, mas nós estamos caminhando. Espero que a minha história seja um exemplo, não só para futuros homens gays que sonham com a paternidade, mas também para que outras empresas busquem refletir um pouco mais sobre o tema. Quem pensa em ser pai, não desista, vá atrás, não abandone seu sonho.”

Sem previsão legal na legislação brasileira, a concessão do direito à licença-paternidade para casais homoafetivos segue as regras e políticas internas de cada companhia. Até o momento, outras marcas ouvidas pela reportagem (Volvo, Grupo Boticário e Solvay) ainda não tinham registrado pedidos de licença parental estendida para colaboradores LGBTQIA+, mas reforçaram que se trata de uma política universal.

Batalha judicial

Apesar dos pequenos avanços propostos por algumas empresas, o direito à licença-paternidade para pais da comunidade LGBTQIA+ continua sendo uma exceção – e muitas vezes só é garantido por meio de batalhas judiciais. 

Em 2016, Alexandre Marques, advogado e servidor público do Distrito Federal, precisou recorrer aos tribunais para poder usufruir dos 6 meses de afastamento. Inicialmente, o pai LGBTQIA+ teria 90 dias de licença, mas entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando o acesso aos 180 dias, mesmo período oferecido às mulheres, para ficar com os dois filhos adotivos, Vinícius e Luiz Felipe, hoje com 15 e 16 anos, respectivamente. 

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O gerente de contas da Rhodia João Pancotto, sua mulher, Nara, e o filho do casal, Dom. Foto: Arquivo pessoal

No caso do funcionalismo, atualmente, ações que tramitam na Justiça já garantiram a adotantes homossexuais a possibilidade de usufruir da licença- paternidade. Assim como no caso do funcionário da Siemens, Marques também acredita ter conseguido uma mudança importante que pode ser estendida a outros casais homoafetivos. 

“Entrei com o pedido judicial da licença, e o juiz não só concedeu o pedido, como também orientou que a lei fosse modificada. Hoje pessoas de Brasília solteiras ou pais LGBTQIA+ que adotam, sendo servidores públicos, já têm direito aos 180 dias. Isso porque meus filhos provocaram a alteração na lei”, diz.

Conciliando carreira e família

Apesar dos avanços, há quem acredite que a opção pelo benefício estendido possa trazer prejuízos à carreira. O primeiro funcionário beneficiado pela adesão aos 6 meses de licença-paternidade da Volvo foi o diretor de vendas, Ricardo Oliveira, que admite que essa questão passou por sua cabeça. 

Pai de primeira viagem, ele conta que essa preocupação quase o fez desistir de usufruir dos primeiros momentos com a filha. “No começo eu pensei em não aderir ao programa, porque eu só tinha três meses na empresa. Passei pela insegurança que muitas mulheres vivem em relação a carreira”, lembra. “Só caiu a ficha mesmo quando o presidente da empresa me ligou para dar os parabéns pela gravidez. Agora eu espero poder dar muito apoio para a minha esposa e aproveitar minha filha”. 

O presidente da Volvo Car Brasil, Luis Rezende, explica que, depois da implementação, o principal desafio da fabricante de automóveis será incentivar que os futuros pais aceitem o novo benefício. “Apesar de ser um direito, por lei eu não posso obrigá-los a aderir, ainda, mas o nosso papel é encorajar muito para que eles levem isso a sério, porque os primeiros 6 meses da criança são muito importantes.”

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