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Nasdaq exige diversidade em conselhos e põe empresas brasileiras na mira

XP, Afya, Stone e outras listadas na Bolsa dos EUA deverão se adequar a regra que exige 2 integrantes de grupos minorizados; regra deve refletir no mercado, veem especialistas

Por Marina Dayrell
Atualização:

Na última semana, a SEC - órgão norte-americano equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) - aprovou uma proposta que obriga as empresas listadas na Nasdaq a adotar e divulgar ações de ampliação de diversidade em seus conselhos de administração. Para especialistas, a medida pode refletir não apenas nas corporações brasileiras que operam na bolsa norte-americana, mas também no mercado corporativo como um todo. 

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Com a decisão, as empresas devem ter, no mínimo, dois diretores considerados diversos - sendo uma mulher e outro pertencente a um grupo minorizado, como negros ou LGBTI+. Aquelas que não atingirem o critério devem explicar o motivo por não fazê-lo. Para as estrangeiras, as regras são um pouco mais flexíveis, podendo preencher as duas vagas com mulheres, por exemplo. As empresas têm de dois a cinco anos para cumprir as medidas.

A proposta foi apresentada pela Nasdaq em dezembro de 2020, com o objetivo de aumentar a transparência e a confiança dos investidores de que as companhias listadas consideram a diversidade no momento de selecionar diretores. Em nota, na época, a Nasdaq lembrou que há dezenas de estudos que associam um melhor desempenho financeiro à governança diversa. De acordo uma pesquisa realizada pela Bolsa, cerca de 75% das empresas listadas não atendem ao novo critério. 

Agora, com a aprovação da proposta neste mês de agosto, o presidente da SEC, Gary Gensler, disse em comunicado: “Essas regras permitirão que os investidores obtenham uma melhor compreensão da abordagem das empresas listadas na Nasdaq em relação à diversidade do conselho”.

Abertura de capital da Afya Educacional na Nasdaq, em 2019. Foto: Libby Greene

Para a consultora de diversidade Ana Bavon, a decisão mostra a empresas de todo o mundo que diversidade não é uma questão apenas ligada aos recursos humanos. “A inclusão precisa ser uma nova forma de fazer negócios. Vai ser preciso divulgar os dados das pessoas que compõem os conselhos para que a gente possa ter mais segurança nos investimentos em empresas de capital aberto, conectados com a agenda ESG”, diz a CEO da B4People Cultura Inclusiva.

Entre as cerca de 3 mil companhias listadas na Nasdaq, há, ao menos, 9 brasileiras, como XP Inc., Stone, Afya Educacional, Arco Educação, Vinci Partners, Pátria, Vasta Platform, Vitru Educação e Zenvia. Por aqui, diante dos debates sobre diversidade, inclusão e ESG (sigla para princípios sociais, ambientais e de governança), a decisão não foi encarada com surpresa.

“Tanto a Nasdaq quanto vários investidores estrangeiros já começaram a ter decisões como essa de estabelecer um mínimo de diversidade nos conselhos para que a companhia possa ser listada. A Nasdaq está à frente desses movimentos, tem uma CEO mulher (Adena Friedman) e um compromisso com diversidade”, conta Renata Couto, diretora de Relações com Investidores da Afya Educacional (grupo de educação em medicina).

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A empresa, que surgiu da fusão das companhias NRE Participações S.A. e Medcel, em 2019, abriu oferta pública de ações (IPO) na Nasdaq no mesmo ano. Entre os 11 membros do conselho, há duas mulheres - número que preenche a regra estabelecida pela Bolsa norte-americana. O feito permitiu a empresa a se filiar ao Women on Board, selo apoiado pela ONU Mulheres, que reconhece empresas que possuem duas ou mais mulheres nos conselhos.

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Hoje, a sua composição em relação ao gênero é de 55% mulheres e 45% homens. Nos próximos dias, eles irão anunciar um compromisso público com o Pacto Global da ONU em estabelecer a meta de 50% de mulheres em cargos de alta liderança (a partir de gerência sênior) até 2030.

“O conselho administrativo vai refletir diretamente todas as ações estratégicas da companhia. A gente atinge públicos diversos, sejam médicos ou alunos, então faz todo sentido ter vários olhares na hora de tomar uma decisão de negócio”, completa Renata. 

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Outra brasileira listada na Nasdaq, a XP Inc. informou, em nota, que apoia a medida. “A companhia mantém uma série de iniciativas relacionadas à promoção da diversidade em seu quadro de colaboradores. O compromisso público da XP Inc. de ter pelo menos 50% de mulheres em todos os níveis hierárquicos, até 2025, é um exemplo.” Entre os 12 membros do conselho da XP, hoje, há apenas uma mulher. A empresa informou que pretende cumprir os requisitos dentro do prazo estabelecido.

No caso da Arco Educação, segundo a empresa informou em nota, atualmente 38% dos integrantes do 'board' são mulheres. "A Arco Educação apoia a atuação da Nasdaq Inc. em fomentar a inclusão de mulheres e de minorias nos conselhos de empresas. Atualmente, contamos com três mulheres em nosso conselho e teremos outra representação de minorias até 2025."

Já a Zenvia informa que seu conselho possui uma integrante mulher, Ana Novaes, e que "brevemente será decidido quem será a outra pessoa que representará a diversidade no board da empresa". Além do conselho, a companhia diz ter 43% de mulheres em seu quadro de colaboradores, sendo 38% em postos de liderança (dados não consideram as aquisições Sirena e D1).

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A Vitru Educação disse, em nota, que possui uma mulher atualmente no conselho e que no próximo mês terá a segunda. Também informou que "este passo da Nasdaq é positivo e que, possivelmente, será utilizado como benchmarking por outras bolsas e instituições da comunidade investidora". Atualmente, a empresa diz ter 64% de mulheres no quadro de colaboradores, sendo 40% em cargos de liderança.

A Vinci Partners anunciou nesta sexta-feira, 13, a nomeação de Sonia Consiglio Favaretto como a segunda mulher integrante do seu conselho de administração, além de Ana Marta Veloso. "A executiva vai assumir o cargo de presidente do Comitê de ESG da Vinci Partners, que vai zelar pelas melhores práticas ambientais, sociais e de governança da companhia. A indicação de Favaretto reforça o compromisso da Vinci Partners com a diversidade."

Procurada, a Stone não quis se pronunciar. As demais empresas não se manifestaram até o fechamento desta reportagem. 

O reflexo da diversidade

Por se tratar de decisão de uma das maiores Bolsas de Valores do mundo, a expectativa é que a medida tenha reflexos até mesmo nas empresas que não estão listadas na Nasdaq, avaliam os especialistas.

“Quando a gente fala de empresas de capital fechado, ou seja, que não estão listadas em Bolsa, mas que têm pretensão de abrir o IPO, elas já vão precisar entrar adaptadas. Muito embora a Nasdaq tenha dado uma certa flexibilidade para empresas de outros países, ainda assim elas vão precisar de adequação nesses próximos anos para serem completamente transparentes em relação aos nossos conselhos”, explica Ana Bavon.

É esperado também que outras Bolsas do mundo acompanhem a decisão. “Se a SEC dá aval para a Nasdaq exigir diversidade no conselho, isso daqui a pouco vai acontecer na nossa B3 (Bolsa de Valores de São Paulo) e em todas as outras bolsas, porque é uma tendência global. Estamos sobrepondo um paradigma obsoleto e excludente e entrando em um novo que conecta as coisas.”

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Lisiane Lemos,cofundadora doConselheira 101, programa que estimula a inserção de profissionais negras em conselhos administrativos. Foto: Paulo Barros

Procurada, a B3 se manifestou em nota afirmando que tem papel ativo na indução de boas práticas de ESG e na criação de indicadores, como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que permite mapear a evolução das empresas em suas práticas.

“Isso se reflete fortemente no ISE, que traz perguntas sobre diversidade e inclusão desde sua primeira metodologia, lançada em 2005, e vem evoluindo seu questionário para torná-lo mais abrangente”, informa a B3. “A transparência dada às respostas cria a possibilidade de comparação entre as companhias, incentiva a adoção e aprimoramento de boas práticas e ajuda o investidor em sua análise. Assim, reconhecemos avanços e acreditamos que é possível acelerar essa jornada por meio de ações que apoiem a trajetória das empresas abertas nos moldes do que já vem sendo feito em parceria com reguladores, mercado e pela crescente exigência de investidores.”

Os números nos conselhos do Brasil

No Brasil, a presença de grupos minorizados nos conselhos ainda é um grande desafio. De acordo com o Estudo de Conselhos de Administração 2020, feito pela consultoria organizacional Korn Ferry, as mulheres são apenas 14% dos conselhos das organizações brasileiras. Das 81 empresas analisadas, apenas três possuem mulheres como presidentes de conselho. Os setores que têm maior presença feminina nas cadeiras são consumo, varejo e tecnologia.

O número de mulheres nos conselhos brasileiros cresceu desde 2014, quando elas eram 7%, mas ainda está abaixo das práticas internacionais. Na Europa, por exemplo, o índice chega a 30%. 

“Eu espero que a decisão da SEC com a Nasdaq sirva de referência para que a CVM possa implantar algo parecido no Brasil. Quando a gente pensa nas empresas que compõem os índices IBOV, Small Caps e IBrX, elas deveriam ter um olhar maior sobre a questão da diversidade e inclusão. É uma grande oportunidade para ter diversidade nos conselhos, não só de gênero, mas também racial e da comunidade LGBTI+. Precisa cada vez menos partir de boa vontade das empresas e ser algo regulamentado”, diz Jandaraci Araújo, executiva do mercado financeiro e cofundadora do Conselheira 101, programa que estimula a inserção de profissionais negras em conselhos administrativos.

A presença de profissionais negros na alta liderança das empresas brasileiras é ainda menor: eles são apenas 4%. Com o recorte de raça e gênero, a situação é pior: 0,4%. No fim do ano passado, a executiva Rachel Maia se tornou a primeira mulher negra a ser parte do conselho de uma empresa brasileira, quando passou a ocupar uma cadeira no Grupo Soma. 

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Para a advogada Lisiane Lemos, que dirige o Conselheira 101 ao lado de Jandaraci, a mensagem que a decisão passa para o Brasil é de que as ações afirmativas vão além de uma política de cotas e que nada é definitivo: novos tempos exigem novos comportamentos.

“É pensar no impacto no ecossistema, liderar a partir de valores e desenvolver através do exemplo. Acredito que no Brasil estamos no início desta jornada e que o próximo passo seja preparar as nossas organizações para liderar o movimento em vez de sermos impactados a ponto de agir sob uma ótica de redução de danos.”

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