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Cenário usado em videoconferência pode revelar perfil de profissional

No home office, muitas pessoas decidiram investir no ambiente doméstico para melhorar o cenário nas reuniões por vídeo; outros, no entanto, ainda não aprenderam a conviver com essa tecnologia

Por Emma Goldberg
Atualização:

Já se passaram mais de dois anos desde que os escritórios foram fechados e milhões de pessoas começaram a trabalhar de casa. Tempo mais do que suficiente para comprar um ring light, pendurar quadros nas paredes e descobrir onde fica o botão de mudo. Mas, como está claro para Claude Taylor, cocriador do perfil Room Rater no Twitter, que avalia o cenário de fundo de videochamadas, não foi isso que aconteceu.

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“Sua avaliação não vai ser boa”, ele me avisou, dando uma olhada nas minhas paredes sem nada nelas e mal iluminadas pelo Zoom. “Você precisa pendurar algumas obras de arte. Coloque um quadro grande ali!” Taylor avaliou meu cenário com uma nota três, embora ele tenha suavizado a pontuação com um pequeno aviso. “Tudo isso é apenas zoação”, disse ele.“Não somos designers de interiores. Apenas fingimos ser no Twitter.”

Houve um momento em abril de 2020 em que era difícil encontrar álcool em gel, havia tempo de sobra e, talvez, para se distrair em meio ao medo e à incerteza de uma pandemia violenta, aqueles que tiveram a sorte de ficar presos em casa, se divertiram julgando as casas dos outros. Taylor e sua amiga Jessie Bahrey começaram a postar suas opiniões no Twitter. Celebridades se esforçaram para conseguir melhores pontuações do Room Rater, equipando suas casas com plantas, pôsteres e o exemplar obrigatório de The Power Broker (O figurão, em tradução livre), de Robert Caro.

“No espaço de meses, as pessoas que havíamos avaliado com notas dois e três estavam se tornado oito, nove e dez”, disse Taylor, que escreveu um livro com Jessie chamado How to Zoom Your Room (Como mostrar sua casa no Zoom, em tradução livre), lançado esta semana. “As pessoas melhoraram bastante (suas decorações). É óbvio que aceitamos algum crédito por isso.”

Mas nem todo mundo conseguiu fazer melhorias no ambiente mostrado pelo Zoom. Embora o número de participantes diários do Zoom tenha saltado de dez milhões em dezembro de 2019 para 300 milhões em abril de 2020, muitos ainda estão sentados em frente a paredes em branco, que criam o que Taylor chama de “vídeos de reféns”. As pessoas estão posicionando a câmera abaixo do nariz e proporcionando uma "visão completa da narina" acidental.

Fundo que Claude Taylor, avaliador de panos de fundo das videochamadas, usa nas reuniões virtuais. Foto: Tom Sandner/The New York Times

No final de 2021, três milhões de pessoas passaram a trabalhar permanentemente de modo remoto. Muitos outros trabalhadores estão no limbo, indo ao escritório alguns dias ou esperando por um plano de retorno ao local de trabalho que não seja adiado. A ocupação de escritórios em todo os Estados Unidos permanece abaixo de 50%. A confusão e os sentimentos contraditórios que as pessoas sentem podem dificultar o investimento em fazer com que uma situação de trabalho remoto pareça permanente.

“Investir em um futuro incerto é difícil”, disse Emily Anhalt, psicóloga e cofundadora da startup de saúde mental Coa. “Se você tem vontade de voltar para o escritório e não quer ficar em casa, há menos chances de gastar dinheiro com um pano de fundo sofisticado.”

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Até a própria Emily disse estar relutante em desistir da ideia de que a qualquer momento do dia ou do mês ela poderia retomar à sua rotina anterior à pandemia. “Eu realmente não gastei tempo lamentando a vida que eu tinha antes”, disse ela. “Atender meus pacientes pessoalmente, observar a linguagem corporal deles.”

Alguns trabalhadores experimentaram intensamente os desafios de continuar trabalhando de casa. Os pais dividiam seus cérebros entre obrigações profissionais e filhos. Extrovertidos enlouqueceram em apartamentos minúsculos. Funcionários juniores se perguntaram como encontrar mentores ou fazer amigos no trabalho.

“As pessoas estão se sentindo sobrecarregadas constantemente”, disse Andréa Coutu, consultora de negócios. “Alguns estão ansiosos para voltar ao escritório e conseguir ter a separação entre trabalho e casa, e assim não serem mais o único responsável pelos filhos a ter que dar um jeito quando algo dá errado.”

Muitos foram empurrados para o isolamento do trabalho remoto de forma abrupta e ainda não aceitaram que seus futuros esquemas de trabalho provavelmente não parecerão com os anteriores a 2020. Os contratempos técnicos das primeiras semanas da pandemia continuam se repetindo como se estivéssemos presos em uma combinação de The Office com Feitiço do Tempo.

Claude Taylor, cocriador do perfil Room Rater, no Twitter,que avalia o cenário de fundo de videochamadas de outras pessoas. Foto: Tom Sandner/The New York Times

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“Você ainda tem pessoas que dizem: ‘Desculpe, não percebi que estava com o microfone no mudo. Estão me ouvindo agora?’”, disse Rachele Clegg, 28 anos, que trabalhou para uma organização sem fins lucrativos em Washington, D.C., durante a maior parte da pandemia.

Em março de 2020, Rachele estava em uma reunião na qual a conversa por vídeo apresentava falhas e a chefe dela não conseguia tirar o filtro que a fazia parecer uma batata. “Quando ela baixou a cabeça virou uma batata”, lembrou Rachele. “Quando levantou a cabeça, virou uma batata enterrada no solo.” Rachele ficou perplexa ao descobrir que esses tipos de dificuldades técnicas não diminuíram. Dois anos depois, o trabalho remoto às vezes ainda parece um show de improvisação.

Muitas pessoas continuaram trabalhando de casa com um certo grau de falta de seriedade, como se a qualquer momento pudesse acontecer um anúncio de retorno arrebatador às baias e aos deslocamentos. Na semana passada, Sujay Jaswa, ex-executivo do Dropbox, fez uma gravação de vídeo com a câmera voltada para o teto. (“A filosofia de negócios dele não inclui realizar [uma reunião por] zoom decente”, escreveu o Room Rater.)

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Os gestores dizem ter ficado surpresos com alguns dos itens que aparecem no cenário de profissionais durante as videochamadas: lavanderia, lençóis, embalagens de refeições para viagem. “Eu estava entrevistando um candidato para uma vaga de emprego outro dia e no balcão atrás dele havia uma garrafa aberta de vodca”, disse Noah Zandan, que dirige a plataforma de coaching Quantified. “Tento dar às pessoas o benefício da dúvida em relação ao que está atrás delas, mas há limites que precisam ser estabelecidos.”

Aqueles que se importavam mais com a imagem fizeram um esforço para melhorar seus panos de fundo no início da pandemia. Beto O'Rourke, candidato democrata ao governo do Texas, foi um dos alvos do Room Rater que mais melhoraram sua avaliação, saindo de um zero para um dez. O historiador especializado na presidência dos EUA, Michael Beschloss, recebeu o prêmio de “melhor cenário” de 2020, reconhecimento adequado para um pesquisador que estudou o que o design do Salão Oval pode ensinar a respeito de diferentes mandatos presidenciais.

A maioria dos trabalhadores estava se comunicando com seus chefes, não com o público americano. Mesmo assim, os gastos com melhorias domésticas e manutenção aumentaram e estão 11% acima das projeções anteriores à pandemia, de acordo com a empresa de consultoria McKinsey. As vendas de móveis para escritório subiram, sobretudo de cadeiras ergonômicas.

As pessoas até pagaram para que especialistas literários fizessem a curadoria de suas estantes. A Books by the Foot, por exemplo, que vende livros usados em grandes quantidades, passou os primeiros meses da pandemia atendendo a clientes em busca de cenários eruditos para o Zoom. “Eles não falavam ‘estou procurando um fundo para o Zoom’”, disse Chuck Roberts, proprietário da empresa. “Mas algo como ‘quero ter 3,5 metros de biografias clássicas’, e geralmente a gente captava o que estava subentendido.”

Jessica Bowman, que gerencia o serviço da Books by the Foot, disse: “Em 2021, a gente viu um pouco menos disso”, e explicou que muitos de seus clientes agora estavam focados em ter em suas casas livros que realmente queriam ler. “Os pedidos estão se tornando mais personalizados”, acrescentou. “É a casa sendo seu próprio santuário e você a tornando apenas aconchegante para si versus ela sendo um cenário para o Zoom.”

Outros afirmam que um pano de fundo aconchegante – ou até mesmo totalmente bagunçado – no Zoom é um símbolo de orgulho, o indicativo de alguém que se dedica demais ao trabalho para se preocupar em pendurar algum quadro. O senador Cory Booker, de Nova Jersey, recebeu uma nota dois do Room Rater em maio de 2020. Isso quase não o surpreendeu, afirmou, porque naquele período ele estava trabalhando durante longos expedientes enquanto o país lidava com uma crise.

“Isso foi antes de Rosario se mudar oficialmente, minha casa tinha muito aquela cara de casa de homem solteiro”, disse ele em uma entrevista na semana passada, referindo-se à namorada na época, a atriz Rosario Dawson. “As únicas coisas verdes eram aquelas crescendo dentro da minha geladeira.”

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A equipe do senador decidiu que um investimento em seu cenário para vídeos valia a pena. Seu chefe de gabinete pediu que alguém comprasse dez plantas pequenas depois de uma conversa com o Room Rater. A pontuação do senador pulou para um dez, e contou com a legenda: “Dez plantas. Dez tentativas”.

Alguns trabalhadores remotos disseram que pequenos toques eram tudo o que precisavam para fazer com que suas salas de estar parecessem menos com escritórios improvisados e mais com espaços de trabalho reais – principalmente à medida que os planos de retorno ao escritório são engavetados.

“Sabe aquela coisa de um chef ter um mise en place?”, disse Noel Casler, podcaster e comediante. “Quero um lembrete do quanto o mundo é grande, mesmo enquanto estamos todos fazendo tudo online.”

Observar os cenários do Zoom de outras pessoas pode ser um lembrete de que algumas pessoas têm muito mais espaço para trabalhar. Entretanto, Taylor insiste que todos podem melhorar suas casas: “Não é preciso que elas ganhem a cara do estilo de pessoas ricas e famosas”. E o conselho de Casler é não exagerar. Ele pega emprestado um famoso conselho de Coco Chanel, no qual ela recomenda às pessoas “se olharem no espelho e tirarem um acessório” antes de sair de casa.

“Na culinária, na escrita ou no que quer que seja, menos é sempre mais”, disse Casler. No caso dele, menos é uma pontuação perfeita. Ou, como ele disse, quando questionado a respeito de sua avaliação pelo Room Rater, “um belíssimo dez”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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