21 de março de 2021 | 05h00
A área de diversidade e inclusão ainda é muito recente no mercado brasileiro, então não há uma formação específica para esses profissionais. Ainda que não seja uma regra, geralmente quem atua no setor possui graduação e experiência em áreas como Comunicação, Recursos Humanos, Psicologia, Gestão de Pessoas e até Administração.
“Essa talvez seja uma das poucas posições em que não se olha só o currículo do candidato. Não estamos avaliando a escola que frequentou, se tem um MBA, uma formação acadêmica específica. É importante olhar na prática o que a pessoa já conseguiu alcançar por onde passou. O peso da formação acadêmica e das empresas anteriores é bem menor em relação aos projetos e à capacidade de implementar mudanças para virar chaves importantes dentro de uma organização que a pessoa liderou”, explica Francine Graci, diretora de career experience do Twitter para América Latina e Canadá, e que é graduada em Administração e Direito.
Mais do que uma formação técnica específica, quem já está no mercado trabalhando com diversidade e inclusão diz que o principal requisito para o profissional que deseja construir uma carreira na área é a identificação com o tema.
“São profissionais engajados com as causas, com visão do todo, capacidade de influência e principalmente de escuta, de trabalho em time e em rede. Abertura, flexibilidade e aprendizagem contínua são também essenciais”, pontua Milena Buosi, gerente de diversidade e inclusão da Natura &Co na América Latina.
Milena é formada em Comunicação Social e se especializou em Neurociência. Na equipe que chefia na Natura &CO, os profissionais vêm de áreas correlatas à dela ou da Psicologia e da Administração.
“É preciso ter uma conexão pessoal com o tema, de entender de fato o porquê dessa agenda e o papel da empresa na construção de uma sociedade mais equitativa. Talvez, o mais importante para o profissional que atua com D&I seja a vontade de transformar a sociedade”, opina Renato Amendola, gerente de diversidade, inclusão e equidade do Grupo Boticário.
Renato é formado em Jornalismo e, na sua equipe de D&I, há profissionais das áreas de Engenharia Mecânica, Publicidade, Engenharia Ambiental e Relações Públicas.
Um dos pontos levantados pelos especialistas em D&I é que pertencer a, pelo menos, algum dos vários grupos minorizados (como mulheres, negros, LGBTI+, pessoas com deficiência, 50+ e refugiados) ajuda na hora de trabalhar com o tema nas empresas.
“A minha vida inteira foi regada a diversidade e inclusão. Eu sou uma mulher transsexual, então a minha experiência de vida já uma capacitação. Uma pessoa que vive essa diversidade já tem mais facilidade e vai ser mais assertiva em lidar com o tema do que uma pessoa que não vive, porque não é apenas uma questão gerencial”, explica Isabella De Avila, que é graduada em Rádio e TV e, ao lado de outras três pessoas, é analista de comunicação interna com foco em D&I na Distrito, plataforma de transformação digital.
Para Amanda Ferreira, gerente e embaixadora de diversidade e inclusão na Via Varejo, a autoidentificação com o tema foi ainda mais forte do que a sua formação técnica em Administração e Planejamento Financeiro.
“Como mulher negra, eu sempre estive, em toda a minha formação, ligada aos movimentos sociais e de direitos humanos. A minha primeira formação acadêmica foi baseada no que eu tinha naquele momento. Eu me formei em Administração, trabalhei na área de finanças e fiz pós. Até que chegou um momento em que eu senti que eu precisava juntar o que eu acredito como valor, e que já faço na vida pessoal, com a minha vida profissional, já que eu passo a maior parte do meu tempo trabalhando.”
Amanda já era funcionária da Fundação Casas Bahia, com um cargo em finanças, quando fez a transição de carreira para a área de D&I. Hoje, trabalha ao lado de uma outra profissional, formada em Marketing.
Assunto essencial nas discussões sobre mercado de trabalho, as soft skills também aparecem como grandes requisitos para os profissionais de diversidade e inclusão. Todos os especialistas entrevistados apontaram a resiliência como uma característica imprescindível para as contratações nessa área.
“O meu conselho é ter resiliência, porque é um assunto que tem dia em que a gente vai receber um ‘sim’ e em outros ‘não’, porque ainda é necessário alcançar uma maturidade para o ‘sim’. O que muda é que, no dia seguinte, precisa ir novamente, não desistir, falar porque o assunto é importante, qual é o impacto dele tanto para a companhia quanto para sociedade”, aponta Amanda.
Renato concorda: “Pode ser piegas, mas é preciso saber lidar com frustração, porque o processo de mudança é lento, e celebrar as pequenas vitórias é uma característica importante. Ter essa persistência é fundamental, levantar a cabeça e tentar de novo.”
“Nossa equipe é muito inconformada. Tomamos a responsabilidade de ter uma mudança social, pelo menos na microrealidade que a gente vive. Essa é a nossa liga. Vontade de questionar o que está posto, a gente questiona, mas também é propositivo”, conta Robert Sena, responsável pela área de D&I na startup Escale.
Ao seu lado, trabalham mais duas profissionais, uma possui doutorado em gênero e a outra é pré-vestibulanda. Todos os três fazem parte de grupos minorizados.
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20 de março de 2021 | 14h00
Se você acompanha páginas de empresas nas redes sociais ou perambula com frequência pela aba de vagas em plataformas como o LinkedIn, é provável que tenha percebido que a área de diversidade e inclusão no mundo corporativo está movimentada. Por um lado, tem-se falado bastante sobre a importância de incluir diversidade no quadro de colaboradores - e muitas empresas criaram bancos de talentos para isso. Por outro, é preciso ter nas organizações profissionais que vão lidar diretamente com essas questões.
Uma pesquisa inédita realizada pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) aponta que o assunto será um dos mais debatidos pelas empresas em 2021. Das 204 respondentes, 58% disseram já se comunicar sobre questões sociais. Das que ainda não o fazem, 32% afirmaram que é provável ou muito provável que comecem a fazê-lo ainda neste ano.
De acordo com dados da startup de recrutamento Gupy - levantados para o Estadão - o crescimento no volume de vagas na área de diversidade e inclusão ocorreu a partir de maio de 2020 - mês em que a morte do americano George Floyd ecoou em todo o mundo. As buscas por vagas nessa área aumentaram dez vezes durante o ano. Só nos três primeiros meses de 2021, já foram publicadas mais de 40 vagas para profissionais de D&I.
“É importante levar em conta que, por ser uma área que muitas empresas não tinham até pouco tempo atrás, a maioria desses profissionais são contratados para começar a área de diversidade e inclusão ou compor um time de diversidade, então pode-se dizer que esse número também representa aproximadamente 40 empresas começando as suas áreas de diversidade em 2021”, explica o cofundador da Gupy Guilherme Dias.
Gigantes como Netflix e Twitter têm vagas abertas no LinkedIn para cargos de gerência em D&I. Outras empresas, como o Grupo Boticário, a Cielo e a Schneider Electric, estão procurando analistas e especialistas na área.
No Twitter, o setor existe globalmente desde 2015, mas a pandemia trouxe a necessidade de ter um profissional com olhar regionalizado sobre o tema. A vaga em aberto é de gerente de D&I para América Latina, que irá trabalhar com todos os executivos líderes do escritório.
“Essa crise sem precedentes trouxe e ainda tem trazido consequências diferentes em cada lugar do mundo. Para abordar as discussões com recortes específicos, percebemos que resultados mais assertivos e positivos seriam atingidos com um profissional focado em cada região - além da busca por uma pessoa no Brasil, também temos posições abertas na Europa e na Ásia. Isso tudo para capturar os recortes regionalizados e entender mais profundamente as necessidades de Inclusão e Diversidade de cada região”, explica a diretora de Career Experience do Twitter para América Latina e Canadá, Francine Graci, responsável por manter a cultura organizacional da empresa.
No Grupo Boticário - responsável por marcas como O Boticário, Eudora e Quem disse, Berenice? - o tema começou a ser tratado internamente em 2015, com foco na equidade de gênero. Hoje, a área emprega sete profissionais, que levam a perspectiva de D&I para os outros setores da empresa, como recrutamento e concepção de produtos e rótulos.
“A nossa área responde ao Diretor de Assuntos Institucionais, que fica dentro da Vice Presidência de Pessoas e não da Diretoria de RH. Entendemos que diversidade extrapola pessoas e é um assunto institucional”, conta Renato Amendola, gerente de diversidade, inclusão e equidade do grupo.
“Trabalhamos com quatro pilares: pessoas (desde employer branding até desligamento), a garantia que os produtos estejam conectados com a realidade da população, a comunicação que represente e valorize, e o estímulo ao empreendedorismo de grupos minorizados”.
Entre os especialistas de diversidade e inclusão, há um consenso de que a preocupação do mercado corporativo brasileiro com o tema é influenciada pela atuação das multinacionais e das grandes empresas, muito mais avançadas nessas questões. Vanguarda no País, a Natura &Co tem uma área dedicada à D&I desde 2015 e, hoje, conta com quatro profissionais.
“A equipe tem o papel de definir o plano estratégico de diversidade e inclusão e direcionar um programa para ter equipes mais diversas, processos mais inclusivos e ambientes de trabalho favoráveis à inovação. Nosso papel está mais em articular e impulsionar a agenda do que em executar processos de RH, por exemplo”, explica a gerente de diversidade e inclusão da Natura &Co na América Latina, Milena Buosi.
Outra gigante brasileira com políticas de D&I já consolidadas é a Via Varejo, que desde 2017 trabalha o assunto e, neste mês, anunciou a gerente de Diversidade e Inclusão, Amanda Ferreira, como embaixadora do tema na empresa.
“Eu vi, no começo, a D&I sendo apenas mais uma pauta dentro de muitas outras e, depois, ganhar um espaço maior, que dentro de uma companhia do tamanho da nossa - com 47 mil funcionários - é necessário ir ganhando uma estrutura”, conta.
Hoje, Amanda trabalha com uma mais uma profissional nas estratégias de D&I da empresa. “A gente é ombudsman, trabalhamos olhando para fora, para tudo que está acontecendo, os problemas reais da sociedade. Para então olhamos para dentro, para o nosso cenário, e vamos levando as provocações e mostrando as oportunidades para as áreas, como tecnologia, marketing, pessoas e performances.”
Impulsionadas pela atuação das companhias de vanguarda, pelos desdobramentos da pandemia do coronavírus e pelas discussões em torno de grupos minorizados - principalmente o tema da equidade racial -, até as startups passaram a olhar diferente para o setor de D&I.
Desde 2016, a Escale - especializada na jornada do consumidor - promove treinamentos e discussões sobre diversidade e inclusão. Já no fim do ano passado, a empresa de 700 funcionários criou oficialmente a área, composta por três profissionais que já atuavam com recrutamento e cultura na companhia.
“Hoje, conseguimos negociar orçamento e ações mais estruturadas. A nossa atuação se divide entre buscar parcerias com coletivos, consultorias e grupos especializados em recrutamento de diversidade, tornar o ambiente ainda mais seguro e organizar o papel dos comitês. Temos uma relação muito próxima com o time de recrutamento para entender a previsão de vagas e as oportunidades”, conta o responsável pela área de D&I na empresa, Robert Sena.
No entanto, apesar de dados mundiais e já referendados comprovarem que a diversidade interfere até mesmo no faturamento das empresas, o mundo corporativo brasileiro ainda é bastante desigual. Em uma enquete no LinkedIn, a reportagem perguntou se existe um departamento ou líder focado em D&I na empresa em que os seguidores trabalham.
Dos mais de 470 respondentes, 73% disseram que não, 20% afirmaram que existe há mais de dois anos, 4% respondeu que a política foi criada durante a pandemia e os outros 3% fazem parte desses times.
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