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Programas estimulam ‘coração de dono’ em funcionários com sociedade

Para reter talentos, empresas apostam em modelos de 'partnership' e trazem colaboradores para o outro lado da mesa; startup lança neste ano sociedade como prêmio para os mais engajados

Por Bianca Zanatta
Atualização:

Quando a consultoria de recrutamento Robert Half lançou uma análise sobre o índice de rotatividade nas empresas de 13 nações entre 2010 e 2014, o Brasil liderava o pódio. O turnover no País aumentou 82% no período levantado, valor muito superior à média mundial (38%). As principais razões para a evasão dos profissionais eram falta de reconhecimento, desmotivação e incertezas em relação ao futuro. 

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De lá para cá, as organizações têm buscado turbinar os pacotes de benefícios para reter talentos e estimular o engajamento dos colaboradores. Um modelo ainda tímido, mas que já conta com adeptos convictos por ir bem além dos tradicionais bônus, é o de partnership, do inglês “parceria”. A ideia é trazer o funcionário para o outro lado da mesa, a fim de pensar, agir e ganhar com “coração de dono”.

Segundo Débora Ribeiro, especialista em recrutamento da Robert Half, o movimento já existia há alguns anos por aqui, mas não era tão constante como agora. “Era mais comum para executivos ou para conquistar profissionais que vinham da concorrência, mas hoje são políticas extensíveis a todos os cargos, principalmente no mercado financeiro, big techs, fintechs e startups”, afirma a especialista.

Ela fala que os programas de sociedade são incentivos que olham para o lado financeiro, mas precisam caminhar lado a lado com mais práticas positivas da cultura organizacional. “A ideia só dá certo e é duradoura se for acompanhada por outras questões, como flexibilidade de horários, ambiente de segurança real, inclusão e diversidade, que fazem parte de um combo perfeito na hora de pensar em retenção de talentos. A remuneração sozinha não se sustenta”, lembra.

Uma das principais referências do modelo no Brasil, a XP Inc. adotou seu programa de partnership no início dos anos 2000 por questão de necessidade. O head de gente da empresa, Lucas Aguiar, conta que na época, ainda sem dinheiro em caixa, a única forma de remunerar os profissionais era oferecendo sociedade. “Ficou essa pegada de a pessoa ajudar a gente a valorizar o negócio e ganhar junto”, explica. 

Por lá, não há restrição de cargo ou tempo de casa para virar sócio. “Buscamos alinhamento cultural e pessoas que já geram valor para o negócio ou têm potencial para isso”, explica o executivo, revelando que o sócio mais jovem é um ex-estagiário de 20 anos que hoje ocupa cargo júnior e que ele define como “profissional brilhante, ponto fora da curva”.

Cristiano Kanashiro (camiseta preta sentado em poltrona verde), CEO da consultoria de inovacao digital GO.K, posa com colaboradores todos com troféus na mão, prêmio que é parte do programa partnership da empresa para engajar colaboradores. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Atualmente, dos 3,8 mil colaboradores da XP, mais de 500 são sócios, sendo 40% da área de suporte. De acordo com Aguiar, a avaliação dos candidatos é feita a partir da consistência nos resultados. E é difícil alguém querer ficar de fora. 

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“A XP valorizou tanto ao longo da história e ainda tem tanto espaço para crescer que ser sócio é o grande objetivo de quem trabalha aqui”, avalia. Pesquisas internas confirmam a fala. Uma das perguntas que a XP sempre faz é se o modelo de partnership inspira o senso de ownership (sentimento de dono). Em uma escala de 0 a 10, a média da empresa no quesito é 9.

Outra que já adota essa política faz tempo é a Ingredion. Segundo Viviane Gaspari, VP de RH para a América do Sul, a ideia é que seja um benefício a longo prazo, associado diretamente ao valor de mercado da empresa. “Acreditamos que, ao tornarem-se acionistas, os executivos têm um estímulo extra para não só executar, mas criar, inovar e arriscar com foco no crescimento, como verdadeiros donos do negócio”, afirma.

O programa faz parte do pacote de remuneração dos níveis de presidência, vice-presidência e diretoria, mas a companhia também oferece para cargos gerenciais de maneira discricionária, com o intuito de desenvolver e reter talentos. “Mentalidade de dono não é somente sobre dinheiro. É sobre pensar no que é melhor para a empresa de maneira colaborativa”, diz ela. “Eu me sinto dono quando percebo que faço a diferença no negócio e me sinto parte, quando estou em um lugar que valoriza meus talentos e me dá possibilidade de crescer.”

Alpargatas para todos

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Lançado em setembro de 2019, o Programa de Sócios da Alpargatas integra a estratégia de evolução da cultura da empresa, que busca criar “experiências inesquecíveis” na jornada do colaborador, de acordo com o VP de pessoas, José Roberto Daniello. “A grande marca do programa é imprimir a pegada de cada um na história da empresa”, diz o executivo. 

O plano é dividido em duas partes. Na primeira, direcionada a um grupo de pessoas da alta gestão, elas podem usar uma parcela do bônus para comprar ações. Nesses casos, a companhia dobra a quantidade comprada. Na segunda parte, cada gestor recebe um valor para alocar em sua área, de acordo com a performance e as contribuições dos profissionais para equipe e empresa. 

Daniello lembra que a Alpargatas, com 100 anos de vida, é a ação mais antiga negociada na Bolsa de Valores de São Paulo. “Quando a gente tem coração de dono, é dono nos bons e nos maus momentos e isso impacta diretamente na atitude da pessoa”, ele fala. “Tem o fator retenção, claro, mas mais importante é a pessoa se sentir dona de fato para escrevermos os próximos 100 anos de um jeito incrível.”

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Categorias premiadas

Eleita umas das melhores empresas para se trabalhar pela Great Place to Work 2020, a consultoria de inovação digital GO.K lançou seu programa de partnership em janeiro e abriu 25% das ações para distribuir entre os colaboradores mais engajados. 

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“Eu era o único sócio-fundador há 11 anos e isso me incomodava muito”, diz o CEO Cristiano Kanashiro. Após alcançarem 60% de crescimento em 2020, ele decidiu colocar o antigo plano em ação. “A projeção para 2021 é dobrar de faturamento e é uma vibe de crescimento orgânico, com uma cultura super aderente”, diz o empresário. “Meu propósito foi compartilhar com quem ajudou nessa trajetória, trouxe resultados sucessivos e, mais do que vestir a camisa, ‘tatuou’ a empresa.”

Os candidatos são escolhidos de acordo com avaliações feitas ao longo do ano e concorrem a uma ou mais categorias, entre Veteranos (pessoas com mais de 5 anos de casa), Black Belt, Embaixador, Big Boss, MPV (Gokers Juniors), Empreendedor e The Owner. A empresa vota e elege os três melhores de cada categoria, além de um “Goker do ano”. “É o momento de compartilhar um sonho, em que você coloca todo mundo do mesmo lado da mesa.”

Aos 29 anos, o especialista em tecnologia da informação Ronaldo Ribeiro fala que o programa reforça o reconhecimento dado pela GO.K, que ele já aplaudia desde que entrou na empresa, três anos atrás. Ribeiro, que ajudou a criar as categorias, achou que iria concorrer apenas a Embaixador. “Mas o Kana também colocou meu nome para candidato a Black Belt sem eu saber e, na hora do anúncio, fiquei em choque”, conta. “Tem lugar em que você rala a vida inteira e não chega a coordenador, imagine sócio.”

Parte do timeda fintech Cora, onde os colaboradores puderam comprar ações da própria empresa. Foto: Divulgação

Compra de ações e bônus

A liderança da fintech Cora também optou por abrir um porcentual das ações para os colaboradores. A primeira rodada contou com 50 pessoas do time, que fizeram seus investimentos com preço de referência igual ao do aporte dos fundos Kaszek e Ribbit, que colocaram US$ 10 milhões na startup no final de 2018. 

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“Metade é do time de tecnologia e a outra metade vem de atendimento, do financeiro, marketing, gestão de risco”, conta o CEO Igor Senra. “A gente sabe que a sociedade não é o único fator que estimula esse engajamento, mas, dentro do pacote de benefícios, com certeza ajuda a concretizar muitas coisas.”

Ele explica que a ideia era dar uma participação real aos colaboradores e procurou o escritório de advocacia Mattos Filho, que tem uma área dedicada à remuneração variável, para formalizar o processo de forma segura e evitar dores de cabeça com a legislação.

As advogadas Lisa Worcman e Isabel Bueno, ambas do Mattos Filho, explicam os porquês. “É um modelo muito ‘tech’ porque são principalmente as startups que têm essa mentalidade de querer que os colaboradores cresçam junto, mas precisa ter cuidado com a legislação trabalhista porque, no Brasil, tudo que for dado vai ser considerado remuneração”, alerta Worcman. “Já em um ‘stock option plan’, a empresa efetivamente vende as ações para os colaboradores.”

Bueno complementa dizendo que, no caso da Cora, os colaboradores já se sentiam donos e o CEO se perguntava como tornar isso tangível. “Por isso é um modelo em que a pessoa compra a ação de verdade, ela tira dinheiro do bolso para isso. Os colaboradores correm junto à empresa, inclusive no risco - e isso é coração de dono”, explica a advogada. 

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