Retorno ao escritório encontra um obstáculo: jovens resistentes

Diferença de gerações é aprofundada na pandemia entre jovens e colegas que valorizam mais o trabalho presencial do que o home office; será preciso ter flexibilidade

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Por Nelson D. Schwartz e Coral Murphy Marcos
5 min de leitura

David Gross, executivo de uma agência de publicidade com sede em Nova York, reuniu os funcionários no Zoom neste mês para passar uma mensagem que ele e seus colegas de trabalho estavam ansiosos para compartilhar: era hora de pensar na volta ao escritório.

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Gross, de 40 anos, não tinha certeza de como os funcionários, muitos jovens na casa dos 20 e 30 anos, iriam reagir. A resposta inicial - um silêncio sepulcral - não foi encorajadora. Então, um jovem sinalizou que tinha uma pergunta. “A política é obrigatória?”, ele queria saber. Sim, é obrigatória, três dias por semana, foi a resposta.

Assim, começou uma conversa complicada na Anchor Worldwide, a empresa de Gross, que está se repetindo neste verão no hemisfério norte em grandes e pequenas empresas de todo o país. Se os trabalhadores de todas as idades se acostumaram a ficar online em home office e pular o cansativo trajeto até o trabalho, os mais jovens ficaram especialmente apegados à nova maneira de fazer negócios.

E, em muitos casos, a decisão de retornar ao escritório coloca gerentes mais velhos, que veem o trabalho presencial como a ordem natural das coisas, contra os funcionários mais jovens, que passaram a ver o trabalho remoto como algo completamente normal nos 16 meses desde a chegada da pandemia. Alguns novos contratados nunca foram para o local de trabalho de seus empregadores.

“Francamente, eles não sabem o que estão perdendo, porque temos uma cultura forte”, disse Gross. “O desenvolvimento criativo e a produção exigem colaboração face a face. É difícil fazer um brainstorm numa chamada de Zoom.”

Pesquisa aponta que mais da metade dos millennials (nascidos entre 1981 e 1996)questionamo retorno ao trabalho presencial. Foto: Albert Tercero/The New York Times

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Alguns setores, como o bancário e o financeiro, estão assumindo uma postura mais dura e insistindo no retorno dos trabalhadores, tanto os jovens quanto os mais velhos. Os executivos-chefes de gigantes de Wall Street como Morgan Stanley, Goldman Sachs e JPMorgan Chase sinalizaram que esperam que os funcionários voltem a seus cubículos e escritórios nos próximos meses.

Outras empresas, principalmente as de tecnologia e mídia, estão mais flexíveis. Por mais que Gross queira as pessoas de volta à sua agência de publicidade, ele está preocupado em segurar os jovens talentos em um momento em que a rotatividade está aumentando, então ele tem deixado claro que há espaço para adaptação.

“Estamos numa indústria realmente progressista e algumas empresas viraram totalmente remotas”, explicou ele. “Você tem que enquadrar as coisas em termos de flexibilidade”.

Em uma pesquisa recente do Conference Board, 55% dos millennials, definidos como pessoas nascidas entre 1981 e 1996, questionaram a conveniência de retornar ao escritório. Entre os membros da Geração X, nascidos entre 1965 e 1980, 45% tinham dúvidas quanto a voltar, enquanto apenas 36% dos baby boomers, nascidos entre 1946 e 1964, se sentiam da mesma maneira.

E, além disso, a ascensão da variante delta do coronavírus nos últimos dias pode alimentar a resistência entre relutantes de todas as idades.

“Entre as gerações, os millennials são os mais preocupados com sua saúde e bem-estar psicológico”, disse Rebecca L. Ray, vice-presidente executiva de capital humano do Conference Board. “As empresas fariam bem se fossem o mais flexíveis possível.”

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Matthew Yeager, de 33 anos, deixou o emprego de desenvolvedor web em uma seguradora em maio, depois que a empresa disse que ele precisava voltar ao escritório porque as taxas de vacinação em sua cidade, Columbus, Ohio, estavam aumentando. Ele limitou sua busca de emprego a oportunidades que ofereciam trabalho totalmente remoto e, em junho, começou em uma empresa de contratação e recursos humanos com sede em Nova York.

“Foi difícil porque eu realmente gostava do meu trabalho e das pessoas com quem trabalhava, mas não queria perder a flexibilidade de poder trabalhar remotamente”, disse Yeager. “O escritório tem muitas distrações, coisas que não existem quando você está trabalhando de casa”.

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Yeager disse que também gostaria da opção de trabalhar remotamente em todo e qualquer cargo que venha a considerar no futuro. “Mais empresas deveriam dar a oportunidade para as pessoas trabalharem e serem produtivas da melhor maneira que puderem”, disse ele.

Além da diferença geracional fazendo com que os gerentes procurem maneiras de persuadir os contratados mais jovens a se aventurarem a voltar ao escritório, há outras divisões. Muitos pais e outros cuidadores estão preocupados em sair de casa quando os planos das escolas ainda estão em aberto, uma consideração que afetou desproporcionalmente as mulheres durante a pandemia.

Ao mesmo tempo, muitos trabalhadores mais velhos gostam da flexibilidade de trabalhar em casa depois de anos dentro de um cubículo, mesmo que algumas pessoas na casa dos 20 anos anseiem pela camaradagem do escritório ou pelo dinamismo dos ambientes urbanos.

Vantagens do trabalho presencial

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Quando trabalham separados, os funcionários mais jovens perdem a chance de fazer contatos, desenvolver mentores e ganhar uma experiência valiosa observando os colegas de perto, dizem os gerentes veteranos.

Em alguns casos, os millennials mais velhos, como Jonathan Singer, de 37 anos, advogado imobiliário em Portland, Oregon, se veem defendendo a ideia de voltar ao escritório para colegas mais jovens e mais céticos que se acostumaram a trabalhar em casa.

“Como gerente, é muito difícil obter coesão e coleguismo sem estarmos juntos regularmente, e é difícil ser mentor de alguém sem estar no mesmo lugar”, disse Singer. Mas não tem sido fácil persuadir os trabalhadores mais jovens a ver as coisas do seu jeito.

“Com a vantagem que os funcionários têm e a prova de que podem trabalhar em casa, é difícil colocar a pasta de dente de volta no tubo”, disse ele.

Alexander Fleiss, de 38 anos, presidente-executivo da empresa de gestão de investimentos Rebellion Research, disse que alguns funcionários estavam resistindo a voltar ao escritório. Ele espera que a pressão dos colegas e o medo de perder uma promoção por falta de interações face a face atraiam as pessoas de volta.

“Essas pessoas podem perder o emprego por causa da seleção natural”, disse Fleiss. Ele disse que não ficaria surpreso se os trabalhadores começassem a processar as empresas por acharem que foram demitidos por se recusarem a voltar para o escritório.

Fleiss também está tentando convencer os membros de sua equipe de que estão trabalhando em projetos de retorno se concentrando nos benefícios das colaborações cara a cara, mas muitos funcionários preferem continuar com as ligações de Zoom.

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“Se é isso que eles querem, é isso que eles querem”, disse ele. “Nos dias de hoje, você não pode forçar ninguém a fazer nada. Você só pode pedir.”

Este artigo foi originalmente publicado no The New York Times. / Tradução de Renato Prelorentzou.