11 de agosto de 2021 | 05h00
Atualizado 11 de agosto de 2021 | 14h55
BRASÍLIA e RIO - Os consumidores brasileiros não deverão ter trégua nos próximos meses. A prolongada estiagem e, mais recentemente, as ondas de frio registradas em várias regiões do País afetaram a produção de milho, café, hortaliças e laranja, o que deve elevar ainda mais o custo desses produtos nas prateleiras dos supermercados. Como o milho é usado na ração de bovinos, suínos e, principalmente, frangos, o preço desses itens também seguirá pressionado.
Depois de dois anos de recorde, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projetou na terça-feira, 10, uma queda na safra de grãos brasileira 2020/2021. A expectativa é de que sejam produzidas 254 milhões de toneladas, 1,2% a menos do que na safra anterior.
Mesmo com o aumento de 4% na área plantada, a redução na produção se deve à queda na produtividade por causa da estiagem nas principais regiões produtoras e das geadas. Economistas alertam que parte desses eventos climáticos ainda não estava no radar e ainda poderá ter efeitos negativos nos preços.
O café foi uma das lavouras mais atingidas pela recente onda de frio, que prejudicou também a produção de milho, que já tinha sofrido com problemas climáticos no início do ano. No segundo semestre do ano passado, produtores de soja atrasaram em cerca de um mês o plantio do grão por falta de chuvas. Isso não prejudicou a safra do principal produto agrícola exportado pelo País, que registrou produção recorde, mas adiou o cultivo da segunda safra do milho, que é plantada na entressafra da soja.
Com isso, a Conab projetou uma quebra de 15,5% nas colheitas de milho. A primeira safra, de verão, está projetada em 24,9 milhões de toneladas, 11% abaixo da safra anterior. A segunda safra, tradicionalmente chamada de “safrinha”, deve ser de 60,32 milhões de toneladas, 19,6% abaixo da de 2020.
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“O milho foi a principal questão que levou a Conab a reduzir a projeção da safra. Os preços já vinham em alta, e teremos uma oferta apertada, muito ajustada à demanda, até maio de 2022, que é quando se colhe a safrinha 2022”, afirmou o assessor técnico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Fábio Carneiro.
O clima também levou o IBGE a revisar sua estimativa para a safra de grãos. O IBGE ainda estima ligeiro aumento, de 0,8%, mas fez revisões para baixo pelo quarto mês seguido – e a perspectiva é de continuar rebaixando as previsões.
O analista de Agropecuária do IBGE, Carlos Antônio Barradas, disse que as estimativas do órgão para a segunda safra de milho poderão piorar porque os efeitos negativos das geadas ainda não foram totalmente captados. Além disso, há a possibilidade de novas ondas de frio chegarem, o que, assim como a estiagem prolongada, pode afetar a safra de trigo.
Carneiro, da CNA, compartilha da preocupação. Ele explica que o produto é usado como substituto parcial do milho na ração animal, principalmente para bovinos, e o tamanho da colheita pode definir o comportamento do preço das carnes nos próximos meses. “Nosso medo é haver geada em agosto e atingir as plantações de trigo, principalmente no Paraná. Hoje, há uma perspectiva de crescimento de área, mas pode haver perda de produtividade”, afirmou.
Os problemas na oferta de commodities (matérias-primas com cotação internacional) agrícolas, como milho, soja, café e leite, puxaram a aceleração da inflação medida pelo IGP-DI em julho, quando registrou alta de 1,45%. De acordo com o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) André Braz, os impactos da seca já estavam no radar, mas as frustrações causadas pelas geadas ainda terão efeitos nos preços. “Isso pode frustrar a expectativa de desaceleração da inflação no segundo semestre”, afirmou.
Além de pressionar os preços finais das carnes, o aumento no custo do milho tem efeito sobre o ovo e o leite, que, mais caro, também tende a encarecer laticínios em geral. Além disso, as ondas de frio afetam a produção de alimentos in natura, como hortaliças e legumes, integrantes da cesta básica da maioria das famílias.
Para o diretor da consultoria MB Agro, José Carlos Hausknecht , a frustração de novos recordes na produção agrícola em 2021 confirma ainda uma expectativa de estabilidade no PIB da agropecuária no fechamento do ano. No primeiro trimestre, o PIB da agropecuária avançou 5,7% ante os três últimos meses de 2020, em desempenho impulsionado pela safra recorde de soja. Com isso, no início do ano, as expectativas apontavam para um avanço de 2% a 3% no PIB da agropecuária, alta que foi minada pelos efeitos do clima sobre a produção.
Ainda assim, ele acrescenta que o quadro ainda é favorável para o produtor. Com as cotações das commodities elevadas e o dólar alto, os produtores agrícolas nacionais ainda têm um impacto positivo em sua renda. Isso sinaliza para renovação de investimentos para a próxima safra.
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11 de agosto de 2021 | 05h00
Quando a geada cobriu de branco os campos de Capão Bonito, no interior de São Paulo, no dia 20 de julho deste ano, o agricultor Edson Sukessada tinha 275 hectares de trigo soltando cachos. A expectativa era de uma produção de 75 sacas por hectare. Na terça-feira, 10, 20 dias depois, ele contabilizava a perda total da produção em 200 hectares.
“Houve dano na estrutura da planta, e os cachos estão morrendo. Não vai dar colheita”, disse. A perda é de 15 mil sacas, prejuízo superior a R$ 1 milhão.
A geada atingiu também os 600 hectares cultivados com milho safrinha pelo produtor na mesma região. “As áreas mais velhas, que já estavam bem formadas, tiveram quebra de 5%. Já as mais novas, que plantamos até o limite da janela (período ideal para o cultivo), em 20 de março, tiveram perdas maiores, que vão de 50% a 70%. Creio que, na média, vamos fechar a colheita do milho safrinha com perda de 30% ou mais”, disse Sukessada.
Conforme o agrônomo Nélio Uemura, da Cooperativa Agrícola de Capão Bonito, a região tem um bom regime de chuvas e é menos sujeita à estiagem, mas sentiu bastante os efeitos das geadas deste ano. “Nossos cooperados cultivaram cerca de 6,5 mil hectares de trigo e 70% dessa área estão condenados e não haverá colheita.”
Em Gaúcha do Norte, Mato Grosso, o agricultor Ari Baltazar Langer, produtor de grãos, sofreu prejuízo dobrado em razão das condições climáticas. Em fevereiro, quando colhia a soja cultivada em 3,4 mil hectares, a chuva incessante causou a perda do grão pronto para a colheita.
Do início ao fim da colheita, que durou 50 dias, choveu em 48 dias. Teve carga de soja com perda de 99% devido ao excesso de umidade. Ele esperava média de 55 sacas por hectare e colheu 35.
Langer contava com a safra do milho para se recuperar do prejuízo. Ele caprichou na escolha das sementes, usou toda a tecnologia disponível para o manejo das lavouras, porém, outra vez São Pedro não ajudou. Agora, foi a seca que atingiu os 950 hectares de milharal.
“Foram dias e dias de sol sem um pingo de água. A lavoura não desenvolveu”, disse. Ele esperava uma média de 80 sacas por hectare e só conseguiu 35. “Para o produtor rural, está sendo um ano muito difícil.”
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