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Candidatos passam a noite em fila de mutirão de emprego no centro de SP

Sindicatos organizam seleção que terá 5,2 mil vagas em 42 empresas, incluindo postos temporários para o fim do ano; expectativa é atender 1,5 mil pessoas por dia, com distribuição de senhas, até sexta-feira

Foto do author Felipe Siqueira
Por Felipe Siqueira e Érika Motoda
Atualização:

Estou empolgadíssimo”, comemorou José Augusto de Lima, de 70 anos, depois de conseguir uma entrevista de emprego. A oportunidade surgiu num mutirão com 5,2 mil vagas de trabalho organizado pela União Geral dos Trabalhadores (UGT), na sede do Sindicato dos Comerciários, no Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo. A distribuição de senhas de atendimento começou na última terça-feira, 17, e o mutirão vai até sexta-feira, 20. A expectativa é de que sejam entregues 6 mil fichas até lá. 

José Augusto de Lima, 70, foi o primeiro a chegar no sindicato, mas não precisou dormir na fila Foto: Felipe Rau/Estadão

Lima chegou na sede do sindicato por volta das 14h da segunda-feira, mas não teve de passar a noite na rua. Por causa de sua idade, o sindicato permitiu que ele fosse para casa e retornasse no dia seguinte sem perder o lugar. 

Fila em mutirão de emprego no Anhangabaú, no centro de São Paulo Foto: Felipe Rau/ Estadão

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Às 6h30 desta terça ele voltou e conseguiu marcar uma entrevista para uma vaga de repositor em um mercado na zona norte da cidade. O trabalho ideal, segundo ele, é de motorista, mas, no momento, por estar parado há quatro meses, aceita outras ocupações. “Estou aqui por necessidade e porque gosto também. Gosto de estar sempre ativo e atualizado.” 

Ao contrário de Lima, José Roberto Domingos, de 50 anos, passou a noite no Anhangabaú para garantir o atendimento. “Foi até uma noite agradável, quente”, diz. Ele foi o primeiro da fila dos madrugadores, que começou a se formar às 13h40 de segunda-feira.

O ex-segurança estava distribuindo currículos pelo centro de São Paulo e, prestes a pegar o metrô Anhangabaú para voltar para casa, em Parada de Taipas, na zona norte, decidiu passar no Sindicato dos Comerciários, a poucos passos do metrô, para se informar sobre o novo mutirão. 

José Roberto Domingos foi o primeiro candidato a formar uma fila em frente ao Sindicato dos Comerciários. Foto: Nilton Fukuda/ Estadão

Ao descobrir que seria logo no dia seguinte, resolveu ficar para tentar a primeira vaga fixa desde maio de 2018, quando um corte de gastos atingiu seu emprego e passou a vender água na rua. Perguntado como faria para passar a madrugada, respondeu: “Na fé e perseverança”.

O esforço valeu a pena. Domingos conseguiu sair do mutirão já com uma vaga de emprego. Ele, que foi bem nos testes realizados no computador e na conversa com o recrutador, vai ser auxiliar de laticínios em um supermercado na Vila Olímpia. O ex-segurança ainda não sabe quando começa no novo cargo, mas tem uma visita marcada na loja na quinta, 19, e escolheu trabalhar no turno da noite por conta do trânsito. 

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Dia anterior 

O toldo de proteção contra o sol ainda estava parcialmente montado quando os primeiros candidatos a uma vaga de emprego chegaram no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, na tarde de segunda-feira, 16, e começou a fila na véspera do quarto mutirão de emprego promovido pelo União Geral dos Trabalhadores (UGT), em parceria com o Sindicato dos Comerciários e o Sindicato dos Padeiros.

Alguns chegaram equipados com lençol para passar a madrugada na fila ou maquiagem para disfarçar as olheiras diante do recrutador, assim como também havia gente que descobriu no susto que o mutirão seria realizado a partir de terça-feira, 17, e resolveu ficar pelo centro para garantir uma senha que dá direito a participar da triagem de candidatos.

Por mais que o desemprego tenha recuado no segundo trimestre deste ano, o País ainda tem 3,347 milhões de pessoas em busca de emprego há dois anos ou mais, segundo os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. 

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Qualificação 

Segundo o presidente da UGT, Ricardo Patah, o sindicato fechou parcerias para oferecer cursos profissionalizantes aos candidatos com entidades como Senac, Senai e Centro Paula Souza. “No outro mutirão (em março deste ano), teve gente que não foi contratada pela falta de capacitação, por não saber mexer em um computador”, diz. 

Além disso, o Magazine Luiza ofereceu um treinamento para montagem de currículos em plataformas digitais - há empresas que exigem cadastro no site para os interessados em uma vaga de trabalho. “A gente quer treinar 800 pessoas por dia, para conseguir dar essa noção”, disse o coordenador de relações sindicais da empresa, Renato Moreira. 

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O candidato de número 1.500

Quem passou o dia esperando a senha sofreu com o calor - os termômetros na região marcavam 30°C ainda de manhã. André de Moraes, de 39 anos, pegou a última senha do dia, de número 1500. Com experiência como auxiliar de almoxarifado, está parado há cerca de quatro meses e faz bicos de cozinheiro para se manter. 

Quem conseguiu pegar uma senha, passou por uma triagem, já dentro do sindicato, para avaliação do perfil do candidato - já na fila é distribuída uma lista com empresas e vagas. Depois, o candidato conversa diretamente com o RH de uma das 40 empresas que participam do mutirão e pode sair com uma entrevista marcada.

Relatos 

O Estado conversou com os dez primeiros da fila na noite de segunda e o primeiro candidato, que não precisou dormir na fila. A maioria perdeu o emprego quando a antiga empresa precisou cortar gastos. Confira os relatos. 

Vania Lucia da Silva, de 53 anos, e Isamar Silva Cruz, de 30, são amigas de mutirão desde março deste ano, quando se conheceram no feirão de emprego que reuniu cerca de 15 mil pessoas no Vale do Anhangabaú. 

“Estou me sentindo até em um hotel cinco estrelas”, disse Vania sobre o fato de, desta vez, haver um toldo de proteção contra o sol e uma grade para organizar a fila de candidatos. Ela, que era auxiliar de cozinha em uma creche até o último mês de agosto, disse que levava cerca de R$ 2 na carteira para tomar um café durante a madrugada e esperava encontrar uma vaga na área de serviços gerais. 

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Isamar, que está há 10 meses à procura de emprego, levou um lençol para aguentar a espera. A fábrica de brinquedos em Guarulhos onde trabalhava como auxiliar de produção demitiu 30 trabalhadores e desde então não tem trabalho fixo. Agora, busca um posto de ajudante-geral.

André Luiz Lau, de 43 anos, era office boy em uma entidade filantrópica de apoio a crianças com câncer. Era o responsável por passar na casa dos doadores e receber os donativos até que, por um corte de gastos, foi mandado embora em 2018. 

Irmãos Gabriel e Ester Passos Duarte Gois estão à procura do primeiro emprego com carteira assinada. Foto: Nilton Fukuda/ Estadão

Os irmãos Gabriel e Ester Passos Duarte Gois, de 22 e 20 anos respectivamente, estão em busca do primeiro emprego de carteira assinada. “Se a gente vier cedo, mostra que estamos batalhando por uma vaga”, acredita Gabriel.

Ele já trabalhou na loja de sapatos infantis do pai como vendedor e estoquista. Mas, com a queda nas vendas, quer algo fixo, na área de auxiliar-administrativo. Ester quer ser caixa ou atendente. 

Elton Cristian Comissário tentou ser autônomo, mas agora quer voltar a ter carteira assinada. Foto: Nilton Fukuda/ Estadão

Elton Cristian Comissário, de 41 anos, está acostumado a não dormir durante a madrugada. Ex-controlador de acesso, saiu há cinco anos do emprego porque a carga de 12 horas de trabalho o impedia de ficar com a família e estudar. Tentou ganhar dinheiro como “marido de aluguel” autônomo, fazendo reparos em instalações domésticas, mas seus clientes foram rareando. Topa todo tipo de emprego, menos nas áreas administrativa ou vendas, pois não têm experiência.

Soube do mutirão por mensagens de WhatsApp e se certificou no site oficial da UGT de que não se tratava de nenhuma fake news. “Às vezes, aparecem anúncios de emprego no Facebook que fazem o seu olho brilhar. Mas quando você vai ver, é para se cadastrar em site ou é só propaganda.”

Cleide Ferreira não conseguiu participar do último mutirão edesta vez é a oitava da fila. Foto: Nilton Fukuda/ Estadão

Cleide Ferreira, de 46 anos, era operadora de loja até fevereiro deste ano: “Chegou o meu dia e fui demitida”. No último mutirão ela não chegou a tempo de pegar uma senha, por isso, quando descobriu dois dias atrás que um novo mutirão estava marcado, resolveu garantir seu lugar com muita antecedência.

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Rodrigo Santos Pereira da Silva busca uma vaga como auxiliar de produção. Foto: Nilton Fukuda/ Estadão

Rodrigo Santos Pereira da Silva, de 37 anos, espera ser “ex-desempregado” na próxima vez em que for entrevistado. Atualmente, ele é ex-fiscal de prevenção e perda de supermercado e quer um novo emprego na área ou uma vaga como auxiliar de produção. 

Anderson Chagas levou cosméticos para disfarçar as olheiras. Foto: Nilton Fukuda/ Estadão

Anderson Chagas, de 28 anos, disse que chegou cedo para pelo menos ter uma chance de se apresentar para as empresas. Como ia passar a madrugada na fila, foi equipado com maquiagem para esconder as olheiras na hora da entrevista. Chagas, que é artista visual de formação, topa cargos fora da sua área. “O desespero é tão grande que qualquer trabalho é bem-vindo. Não estou sendo exigente.” 

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