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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Impulso

Crescimento de 0,4% do PIB foi acima das expectativas, mas está longe de ser motivo para comemorações; é natural, portanto, que propostas de impulsos fiscais surjam como forma de acelerar o ritmo de retomada do crescimento

Por Ana Carla Abrão
Atualização:

Os dados do PIB do segundo trimestre de 2019 surpreenderam. O crescimento de 0,4% em relação ao trimestre anterior, divulgado na última semana pelo IBGE, veio acima das expectativas. Mas está longe de ser motivo para comemorações. Embora o resultado indique um crescimento de 1% sobre o mesmo período de 2018, ele reforça a percepção de uma economia fraca, confirmando a dificuldade de recuperação que se segue à profunda recessão que enfrentamos nos últimos anos. Não está fácil emergir do poço fundo que cavamos.

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Natural, portanto, que propostas de impulsos fiscais surjam como forma de acelerar o ritmo de retomada do crescimento. Afinal, os custos econômicos e sociais de uma economia estagnada, em particular em um país pobre e desigual como o Brasil, são grandes e penalizam principalmente a camada mais pobre da população. Os defensores ponderados o fazem usando o argumento de que o impulso fiscal atuaria como tração inicial, fazendo a ponte que ligaria a situação atual ao momento em que as reformas estruturais passem a gerar seus impactos e assumam, lá na frente, o papel de motores de crescimento. As propostas sérias têm defensores de peso, economistas de primeira grandeza como, por exemplo, Eduardo Giannetti da Fonseca, que merece todo nosso respeito e, por isso mesmo, também ouvidos.

Giannetti defendeu, em entrevista recente ao Estado, que o BNDES venda suas participações minoritárias em empresas e invista os recursos da venda na conclusão de obras inacabadas que se espalham Brasil afora. Os conceitos por trás são claros e as razões inquestionáveis: temos bilhões de reais investidos em obras paradas que se deterioram a cada dia num processo de destruição de valor inaceitável. Os níveis de investimento nunca estiveram tão baixos, em particular o investimento público, que nem sequer atinge 1% do PIB. Precisamos, segundo dados de Frischtak e Mourão, investir ao menos 4% do PIB pelos próximos 25 anos para garantir a oferta de infraestrutura que atende às dimensões territoriais brasileiras e as demandas da nossa economia. Rodovias, ferrovias, energia, acesso a banda larga e, o mais urgente de todos, saneamento básico, são destinos urgentes para investimentos que precisam chegar – e o BNDES poderia provê-los e, por tabela, se livrar de um papel de acionista que, convenhamos, já não deveria exercer.

Mas estamos no Brasil e, para além do conceito, há a nossa realidade. E ela nem sempre respeita um bom conceito, mesmo quando defendido por um competente amigo. Isso acontece, por exemplo, quando a variável política entra em jogo e ganha importância com a proximidade de eleições. Impulsos fiscais têm apelo irresistível pelo seu resultado rápido, mesmo que efêmero. E seu vasto uso tem efeito devastador. Basta ver nossa atual situação, assunto já explorado em coluna anterior (Atalhos).

Há mais do que isso, contudo. Vivemos um período em que se observa uma crescente incapacidade do setor público brasileiro em executar de forma direta uma agenda de investimentos em infraestrutura. Essa incapacidade é fruto não só da crise fiscal, mas também de amarras de uma legislação ultrapassada, formalista e focada no processo – e não no resultado; de competências exacerbadas dos órgãos de controle – em particular nos níveis estaduais, e a consequente paralisia nas decisões no âmbito público; da obsolescência tecnológica do setor público e suas limitações legais para contratação de apoio e terceirização de serviços (limitando uma saudável transferência de conhecimento) e da ausência de incentivos corretos, gestão de pessoas e da devida capacitação de servidores para que a burocracia atue de forma mais eficiente.

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Afinal, há que se registrar, boa parte das obras paradas assim estão menos por falta de recursos e mais por ausência de um planejamento prévio, de clara priorização e de um correto dimensionamento do necessário esforço fiscal e/ou financeiro à sua execução. Sem citar problemas de superfaturamento ou desvios. Retomar obras sem uma nova governança que fuja das atuais amarras, distorções e limitações do setor público significa continuar a desperdiçar recursos públicos. Não que isso justifique seu abandono. Mas a urgência deveria motivar avanços mais rápidos e consistentes nos marcos regulatórios e na melhora do ambiente de negócio, atraindo investimento privado, hoje ávido por alternativas às atuais taxas de juros baixas, senão negativas.

A essa agenda, vale adicionar o nível e a trajetória da taxa básica de juros e a agenda de eficiência do mercado de crédito. Esses são impulsos que dependem menos das ineficiências da máquina pública, são (oxalá) menos suscetíveis aos apelos políticos e muito mais coerentes com uma recuperação consistente e sustentável no longo prazo.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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