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Rio fica com R$ 18,2 bi do leilão da Cedae e resiste a quitar dívida com a União

A Advocacia-Geral da União entrou com um recurso para tentar derrubar liminar do Supremo Tribunal Federal que impede a cobrança da dívida de R$ 4,3 bilhões; governo do Estado quer parcelar o pagamento em 30 anos

Por Idiana Tomazelli
Atualização:

BRASÍLIA - Mesmo depois de faturar R$ 18,2 bilhões com o leilão de concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), o Rio de Janeiro ainda não reembolsou a União por empréstimo feito no BNP Paribas, que venceu no fim de 2020 e foi quitado pelo governo federal.

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A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com um recurso para tentar derrubar uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que impede a cobrança da dívida de R$ 4,3 bilhões, mas o pedido ainda não foi julgado. O governo fluminense, por sua vez, quer parcelar o pagamento em até 30 anos.

Embora o Estado tenha dezenas de bilhões em dívidas com fornecedores e com a própria União, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), tem dito que pretende usar o dinheiro da concessão da Cedae para fazer investimentos em infraestrutura. Nos bastidores do governo federal, o temor é que a administração estadual faça uso eleitoreiro dos recursos em vez de empregá-los no reequilíbrio das contas estaduais, ao mesmo tempo em que pede nova proteção por meio do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o programa de socorro do governo federal para Estados endividados.

A concessão dos serviços de saneamento da Cedae foi oferecida ao mercado em quatro blocos nos leilões de abril. O bloco 3 terminou sem interessados Foto: Mauro Pimentel/AFP

A interlocutores, representantes do governo do Rio têm dito que a lei estadual obriga o uso do dinheiro da Cedae no pagamento de dívidas em caso de venda das ações da empresa, mas, como a operação foi uma concessão, não há regra para a destinação dos recursos - ou seja, o governo estaria livre para gastar em outras iniciativas que não sejam o pagamento de dívidas.

Sem "boa vontade" do Rio para quitar o passivo, a AGU tenta convencer o STF a derrubar a liminar e permitir que a União execute as contragarantias para ressarcir os cofres federais dos R$ 4,278 bilhões que foram pagos em dezembro de 2020 em nome do Estado. A avaliação no governo federal é que, com o cofre estadual abastecido pelos recursos da concessão da Cedae, fica mais difícil para o Rio alegar "grave situação financeira", argumento usado pela administração fluminense nos últimos anos para afastar cobranças.

Histórico do empréstimo

O empréstimo no valor original de R$ 2,9 bilhões foi contratado no fim de 2017, após o Rio aderir ao Regime de Recuperação Fiscal. O programa de socorro federal garantia ao Estado acesso a dinheiro novo, desde que o governo estadual seguisse um plano de ajuste gradual nas finanças.

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O financiamento tinha garantia do Tesouro Nacional, isto é, o governo federal honraria o pagamento em caso de inadimplência. Para que a União não arcasse sozinha com o prejuízo, o contrato também previa uma contragarantia, que eram as ações da Cedae.

A ideia original era quitar o empréstimo obtido com o BNP Paribas com as receitas obtidas com a privatização da Cedae. Caso isso não ocorresse no prazo do contrato (três anos), a União honraria a dívida e poderia federalizar a companhia de saneamento.

Nesse período, as discussões para a privatização da Cedae atrasaram e a operação acabou até mudando de rumo em meio à aprovação do novo marco do saneamento. Em vez de vender a companhia, o Estado adotou o modelo de concessão em bloco das operações de fornecimento de água e coleta e tratamento de esgoto. O leilão acabou sendo realizado apenas no fim de abril de 2021.

Em dezembro de 2020, quando vencia a dívida com o BNP Paribas, o Rio não tinha dinheiro para quitar o empréstimo, que, com juros, chegava a R$ 4,278 bilhões. Ameaçado de exclusão do RRF, o que aceleraria o pagamento das dívidas acumuladas, o Estado foi ao STF para bloquear as cobranças e foi atendido por uma liminar do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, concedida em 24 de dezembro do ano passado, durante o plantão do Judiciário.

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Quatro meses depois, o leilão da Cedae levantou R$ 22,7 bilhões em recursos, dos quais R$ 18,2 bilhões caberiam diretamente ao Estado, citou a AGU no agravo regimental apresentado em 14 de maio.

A AGU alega que o contrato do empréstimo do BNP Paribas não é alcançado pelos dispositivos legais que impedem a execução de contragarantias, o que permitiria à União prosseguir com a federalização do que restou da Cedae ou descontar os valores devidos dos repasses feitos por meio do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

Para uma solução imediata do problema, a AGU pede "que o montante recebido pelo Estado do Rio de Janeiro com a alienação da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro - CEDAE seja destinado ao ressarcimento da União". O relator da ação é o ministro Dias Toffoli. Desde a apresentação do recurso, a ação aguarda pronunciamento do relator e não há data para uma decisão.

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Em seu novo pedido de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, apresentado em 25 de maio, o governo do Rio alegou que o empréstimo não pago ao BNP Paribas se encaixa como dívida que pode ser refinanciada pelo Estado junto à União. "Dessa forma, é agora possível ao Estado do Rio de Janeiro celebrar contrato específico, (...), com prazo de 360 meses, para refinanciar os valores inadimplidos em razão da decisão judicial, proferida nos autos Ação Cível Originária 3457, que impediu a execução da contragarantia", diz o documento.

Procurada, a Secretaria Estadual de Fazenda do Rio não se manifestou.

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