Maior produtora de sementes de soja no Brasil, a Boa Safra abriu o capital neste ano na Bolsa e atraiu grandes investidores que viram a possibilidade de ampliar a diversificação regional de seu portfólio. A oferta poderia ser só mais uma entre as dezenas de novatas na Bolsa brasileira neste ano. No entanto, tem um diferencial: a Boa Safra é apenas a terceira companhia de Goiás listada na B3. A segunda, a usina de açúcar e etanol Jalles Machado, havia chegado meses antes. Esses casos refletem uma mudança sutil no perfil da Bolsa brasileira, que começa a ter mais representantes de fora do eixo Rio-São Paulo.
Para a Boa Safra, a meta de fazer uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) existia desde a gênese do negócio. “Já abri a empresa com o sonho de abrir capital”, diz Marino Colpo, presidente da empresa, que fundou a empresa ao lado da irmã, em 2009. Segundo o empresário, a ideia desde o início foi pavimentar o caminho para um IPO e, por isso, alguns ritos foram seguidos. Desde 2016, por exemplo, o balanço da Boa Safra é auditado pela KPMG.
E a oferta chegou até antes do que o planejado. Com o mercado ávido por negócios fora do padrão tradicional da B3, a decisão do IPO foi tomada em 2020, junto com a XP, que coordenou a oferta. Antes de lançar a operação, a decisão foi de levar gestores de fundos para visitar a fazenda, para ajudar no entendimento da empresa, visto que poucos analistas conhecem o setor. “Existe essa distância entre a Faria Lima e o agronegócio. Muitos gestores não conheciam o setor, mas percebo que as coisas têm mudado rápido”, diz Colpo.
Essas empresas, antes desconhecidas do centro financeiro paulista, sentiam uma barreira na hora de acessar o mercado de capitais. E não é por menos: das quase 500 empresas com ações listadas na B3, cerca de 300 têm sede no Estado de São Paulo. O que chama também a atenção é que oito Estados brasileiros não têm representantes, um reflexo da estrutural concentração da economia nacional no eixo Rio-SP.
Agora, com um juro ainda em um dígito, a história começou a mudar. O processo de descoberta das empresas no interior do Brasil ganhou dimensão após um dos IPOs icônicos no ano passado: o do Grupo Mateus, gigante varejista do Maranhão, uma das três empresas do Estado presentes na B3.
Apesar de muitos Estados terem representantes listados é importante, grande parte das empresas do interior do País não tem liquidez na Bolsa – boa parte delas chegou ao mercado há décadas, aproveitando incentivos fiscais para incentivar a abertura de capital.
Agora, a situação é outra. O pano de fundo atual para a chegada de empresas de outras regiões do País na Bolsa, diz o diretor de relacionamento com clientes da B3, Rogério Santana, é a maior funcionalidade do mercado brasileiro. “Há mais investidores olhando IPOs, gestores querendo ouvir histórias diferentes novas e fundos de investimento captando recursos.”
Sócio responsável pelo banco de investimento da XP, Pedro Mesquita diz que a tentativa de desbravar o interior do País visando a futuros IPOs é consciente. “Vemos muitas empresas com potencial”, diz ele, ponderando que, na maioria das vezes, a chegada à Bolsa exige um trabalho de longo prazo.
Para além do agronegócio, em julho, mês cheio de ofertas na B3, provedoras de internet como a Brisanet e a Unifque, que têm forte atuação no Nordeste e no Sul do Brasil, respectivamente, estrearam no pregão.
Na fila
Olhando adiante, a lista de empresas de outros Estados continua crescendo, impulsionada pelos recentes casos de sucesso. Uma delas é a São Salvador Alimentos (de Goiás, que é dona da marca Super Frango). A oferta pode girar até R$ 1,5 bilhão e estava prevista para o primeiro semestre, mas foi adiada porque o negócio ainda é desconhecido de bancos de investimento de São Paulo.
Com pedidos de registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estão a paranaense Conasa (de saneamento), a Rio Branco Alimentos, dona da marca Pif Paf (de Minas Gerais), e a também goiana Nova Harmonia (de construção).
A expansão de negócio fora do eixo Rio–São Paulo na Bolsa também deve ganhar um impulso “tech”, diz o responsável global pelo banco de investimento do Itaú BBA, Roderick Greenless. “Há muitos polos de tecnologia no Brasil, como em Recife, Belo Horizonte e Florianópolis.”