23 de agosto de 2021 | 10h00
BRASÍLIA - Os brasileiros sentiram no bolso o aumento da conta de luz nos últimos meses. A grave crise hídrica neste ano deixou a energia mais cara, devido à cobrança de taxa adicional para fazer frente ao custo das térmicas, mas os reajustes anuais também pesaram. Desde o início do ano, as tarifas de energia dos consumidores residenciais subiram, em média, 7,15%. E a tendência é de piora. Cálculos preliminares da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontam que as tarifas podem subir, em média, 16,68% no ano que vem, quando o presidente Jair Bolsonaro pode concorrer à reeleição.
A Aneel já atualizou os preços das tarifas de 30 concessionárias de distribuição de energia, que atendem 16 Estados. Consumidores de alguns municípios de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, atendidos pela Energisa Sul Sudeste tiveram o reajuste mais alto até o momento: 11,29%. Já moradores atendidos pela Cemig, em Minas Gerais, e pela Sulgipe, que atende municípios em Sergipe e na Bahia, não tiveram reajustes neste ano ou as contas ficaram ligeiramente mais baratas, respectivamente.
Entre os principais fatores para a alta das tarifas estão os custos com encargos setoriais, despesas com compra e transporte de energia, efeitos do IGP-M, já que diversas distribuidoras têm contratos atrelados ao índice de preços, e o câmbio.
Ainda que acentuados, sobretudo em um momento em que a conta já está pressionada pelos custos das térmicas, os reajustes poderiam ter sido maiores. Para amenizar os efeitos, a Aneel aprovou um pacote de medidas para "segurar" os reajustes - e já estuda fazer o mesmo em 2022.
Entre as ações estão o abatimento de créditos tributários cobrados indevidamente dos consumidores, o adiamento do pagamento de indenizações às transmissoras e de remuneração das distribuidoras e o uso de recursos que seriam destinados a programas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de eficiência energética não usados para abater encargos.
Em audiência pública na Câmara na semana passada, o superintendente de Gestão Tarifária da agência reguladora, Davi Antunes Lima, explicou que a previsão inicial de aumento de custos em 2021, por causa de efeitos da pandemia e aumento dos custos da energia, era de R$ 29,57 bilhões - o que resultaria em reajustes na faixa de 18%. Com as medidas, os custos foram reduzidos para R$ 18,83 bilhões. "A Aneel é muito sensível em relação à tarifa de energia elétrica. Fazemos esforços muito grandes para tentar atenuar esses impactos tarifários", disse aos deputados.
Embora as medidas tenham aliviado os reajustes, "empurrar" as despesas pode levar a conta a disparar nos próximos anos. "A Aneel ficar jogando para frente uma série de aumentos como tem acontecido neste ano, desde maio, não é bom, engana o consumidor, que paga menos por algo que sabidamente custa mais caro. Dada a crise atual, temos praticamente mais de 20% de reajuste contratado se a crise continuar como está", avaliou o ex-diretor da agência Edvaldo Santana.
O coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite, afirmou que o alívio neste momento é positivo e um "alento" para a população, já que o custo da energia tem uma representatividade alta para as famílias mais pobres. Ele defende, no entanto, que sejam estudadas medidas para que, de fato, haja uma redução nas contas e não postergações de custos e que não impliquem em um aumento excessivo posteriormente.
"Por exemplo, a quantidade de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que é cobrado. É um dos grandes custos das tarifas, é cobrado sobre os encargos, sobre a bandeira, é uma arrecadação que o consumidor fica em uma posição de que não tem muito o que fazer, o que acontece é uma diminuição do poder de compra", afirmou.
As tarifas de energia são reajustadas caso a caso no "aniversário" de contrato de cada distribuidora e os porcentuais estabelecidos são diferentes. Diversos fatores são considerados para definição do valor: os custos das geração, transmissão, encargos e até perdas técnicas ou não técnicas - conhecidos popularmente como "gatos". O resultado traz porcentuais diferentes também para cada tipo de consumidor, ou seja, reajuste em um patamar para os ligados à alta tensão, como as grandes indústrias, em outro para os conectados na baixa tensão, como os comércios e residências.
Em alguns Estados as tarifas de energia ainda não foram corrigidas neste ano, mas serão. A estimativa da TR Soluções, empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia, é que o reajuste para tarifas residencial feche o ano em 9,7% - a previsão no início de ano era de elevação média de 17,1%. Para o diretor de regulação, Helder Sousa, as medidas aplicadas são boas pelo ponto de vista social, mas podem comprometer a previsibilidade para empresas que operam no setor elétrico. "As empresas fazem uma gestão financeira e tem um planejamento com determinada referência, e perder isso, pois não sabe quanto cada uma vai ter de revisão, não é tão bom", afirmou.
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23 de agosto de 2021 | 10h00
BRASÍLIA - A estimativa de reajuste médio de 16,68% nas tarifas de energia elétrica em 2022 levou o Ministério de Minas e Energia (MME) a admitir que busca medidas para segurar as tarifas no próximo ano. A postura demonstra que o governo não quer conviver com o risco de reajustes tão altos na conta de luz, sobretudo quando paira sobre o País o risco de racionamento de energia e apagão. A avaliação de ex-diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é que adiar despesas pode levar a conta a explodir nos próximos anos.
Segundo a pasta, entre as medidas estudadas estão a devolução aos consumidores de créditos tributários gerados por decisões judiciais que excluíram o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins na conta de luz, o que já vem sendo feito ao longo deste ano, a redução do serviço da dívida da Itaipu, prevista para se iniciar em 2022 e a antecipação de um "valor expressivo" dos recursos da privatização da Eletrobras para abater nas tarifas. De acordo com a Aneel, esse aporte pode somar R$ 5 bilhões.
A Aneel também analisa adiar novamente o pagamento da parcela de remuneração de distribuidoras. Neste ano, a agência já havia adiado o pagamento de indenizações às transmissoras.
Para o ex-diretor-geral da agência Nelson Hubner, mesmo que o adiamento dos pagamentos leve as distribuidoras a algumas perdas, já que precisam buscar recursos mais "caros" no mercado, não há problemas em fazer quando não há perspectivas de aumentos significativos nas tarifas de energia no futuro. O que não é o caso.
"Quando há um cenário de aumento tarifário no futuro, como o que temos, é o pior dos mundos, porque soma o valor diferido [reajustes não dados antes] com os impactos das ações para não ter racionamento, como a geração térmica atual, contratação de térmicas emergenciais, como o MME vem sinalizando. Se agora, sem contratar novas térmicas, só com a geração atual, a tarifa já vai subir, com diferimentos e térmicas emergenciais contratadas, vai explodir", afirmou.
Para o ex-diretor Edvaldo Santana, a estimativa de reajuste médio de quase 17% da Aneel é otimista. Para ele, a correção deve ficar na casa dos 20% ou ultrapassar. "E complica porque é ano eleitoral. A chance de tudo isso ser jogado mais para frente é muito grande e pode gerar desalinhamentos tarifários com perspectiva de caos, pois uma hora isso terá de ser aplicado", afirmou.
Ele compara a situação com o primeiro ciclo de revisão tarifária, de 2002 a 2005, quando os reajustes verificados foram de 30% a 40%. Santana lembra que a decisão foi parcelar os reajustes. O resultado veio em 2007, com a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das tarifas. "Gerou um sentimento de que o aumento era injusto. Isso é uma das consequências do desalinhamento tarifário: chega o ano que vem seria 20%, mas dão metade e a outra metade em 2023, e ficam carregando dívida em cima de dívida, quase que num cheque especial", afirmou.
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