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Mercado vê risco fiscal após proposta de Guedes para parcelar precatórios

Ao defender o parcelamento de dívidas da União já definidas pela Justiça, ministro deixa investidores e analistas ainda mais apreensivos com a pressão que as ambições eleitorais de Bolsonaro vêm exercendo sobre o teto de gastos

Foto do author Francisco Carlos de Assis
Por Fabrício de Castro e Francisco Carlos de Assis (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Para defender o pagamento parcelado e refutar a percepção de calote nos precatórios – valores devidos após sentença definitiva na Justiça –, o ministro da Economia, Paulo Guedes, usou na terça-feira, 3, uma expressão popular. “Devo, não nego; pagarei assim que puder”, disse. As palavras, em vez de acalmar investidores, ampliaram os temores, e o dólar subiu 0,53%.

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Guedes defendeu a proposta desenhada pelo governo, de honrar de imediato apenas os precatórios de até R$ 66 mil, como antecipou o Estadão.

A ideia é criar uma regra transitória até 2029 que vai atrelar o pagamento dessas dívidas. No total, tudo terá de ficar limitado a 2,6% da receita corrente líquida. Sempre que ultrapassar esse porcentual, os precatórios até 60 salários mínimos ficarão a salvo de parcelamento (R$ 66 mil), mas os maiores poderão ser pagos em prestação. Em 2022 isso atingiria aqueles acima de R$ 455 mil.

Os precatórios superiores a R$ 66 milhões entrariam numa regra permanente: já nasceriam parcelados em até 10 anos, sendo 15% do total no primeiro ano. 

A fala do ministro reavivou os temores de deterioração das contas públicas. Os receios dos investidores são alimentados pelo debate sobre o pagamento de precatórios e sobre o reajuste do Bolsa Família – sob a perspectiva de o governo rever o teto de gastos, com ambições eleitorais. Ambas as discussões pautaram os negócios no mercado de câmbio no pregão de terça-feira, em mais um dia de volatilidade. Na maior parte do pregão, a moeda operou acima de R$ 5,20, chegou a R$ 5,2746 e fechou o dia a R$ 5,1927.

“No momento, vivemos ainda auxílio emergencial mais baixo, mas estamos aqui ultimando esforços e estudos no sentido de dar aumento de, no mínimo, 50% para o Bolsa Família, podendo chegar até 100% em média”, prometeu nesta terça o presidente Jair Bolsonaro, em entrevista à TV Asa Branca, de Pernambuco. Hoje, o valor médio do Bolsa Família é de R$ 190.

Em relatório assinado pelos economistas Fabio Ramos e Alexandre de Azara, do UBS BB, a instituição observa que o “debate sobre o Orçamento para 2022 começou no Brasil e, apesar da desaceleração da pandemia e de menos ruído político, a discussão sobre desembolsos em ano eleitoral está ficando mais quente, rapidamente”.

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O texto chama a atenção para a “surpresa negativa que caiu em nosso colo”, quando Guedes comparou a um “meteoro” a possibilidade de um grande aumento de desembolsos para saldar precatórios, de cerca de R$ 90 bilhões em 2022, ante projeção de R$ 45 bilhões se mantido o ritmo de anos anteriores. 

Paulo Guedes quer um limite de R$ 66 mil para pagar precatórios. Foto: Gabriela Biló/Estadão - 2/10/2020

Para Alexandre Netto, da Acqua-Vero Investimentos, o encaminhamento da questão dos precatórios e o desejo de aumento do Bolsa Família acima do que permite o teto atual passam a sensação de um governo “displicente” com a questão fiscal. E o risco de deterioração das contas públicas deve aumentar cada vez mais, à medida que se aproximam as eleições de 2022. “Bolsonaro parece disposto a sacrificar o fiscal se for para garantir a sua reeleição, enquanto Lula já disse que vai acabar com o teto de gastos. Isso tudo pressiona a moeda”, diz.

O diretor da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, diz que os “sinais internos sugerem que a cena política fará os fundamentos econômicos sucumbirem”, o que aumenta a volatilidade e impede que a taxa de câmbio vá para um nível compatível com os juros internos.

Mudança de regras

De acordo com a assessoria do Ministério da Economia, do total de 264.717 precatórios a serem pagos em 2022, 8.818 seriam parcelados (os acima de R$ 455 mil) caso a proposta com essas regras seja aprovada, o que representa 3% do total. Juntos, representam 63,3% do valor total devido pela União. 

A expectativa do governo é que a mudança resulte em economia de R$ 41,5 bilhões. /LUÍS EDUARDO LEAL, ANTONIO PEREZ E MAIARA SANTIAGO

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