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Na contramão climática, Brasil vê fundos trilionários barrarem empresas nacionais

Ameaça de retirada de investimentos do País já começou a virar realidade, com exclusão da JBS de carteira de grupo europeu; fundo brasileiro fala em 30 anos de atraso na área ambiental

Foto do author Fernanda Guimarães
Foto do author Altamiro Silva Junior
Por Fernanda Guimarães e Altamiro Silva Junior (Broadcast)
Atualização:

O Brasil vem sendo apontado como um dos países que mais vai na contramão climática em todo o mundo, a despeito do esforço de algumas lideranças empresariais de mudar essa percepção. Por isso, grandes gestoras estão barrando um número cada vez maior de empresas brasileiras de seus portfólios, afastando o País de fundos que têm investimentos com o olhar em algum critério ambiental, social ou de governança (ESGs, na sigla em inglês) e que administram um montante de mais de US$ 20 trilhões globalmente. A ameaça de retirada de investimentos no Brasil já começou a virar realidade. Hoje foi a vez do grupo financeiro norte-europeu Nordea anunciar que retirou a fabricante de carnes JBS de sua carteira, um dia depois da notícia de que o frigorífico brasileiro estaria envolvido com o desflorestamento ilegal da Amazônia.

No caso do Nordea Asset Manegement, um fundo global com 220 bilhões de euros sob gestão, a decisão foi tomada este mês, após um período de interação entre o Comitê de Investimentos Responsáveis da gestora e a administração da empresa. "A Nordea decidiu excluir a JBS de todos os nossos fundos. A decisão foi tomada após um período de engajamento com a empresa, onde não sentimos que estávamos vendo a resposta que estávamos procurando", disse ao Estadão/Broadcast o responsável pelos Investimentos Responsáveis da gestora, Eric Pedersen.

Investidores pressionam o Brasil a controlar o desmatamento na Amazônia. Foto: Gabriela Biló/Estadão

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Nessa interação com a JBS, destacou Pedersen, foram contempladas diversas questões relacionadas à temática ESG - ambiental, social e de governança corporativa, pelas iniciais em inglês. Dentre elas, o risco de desmatamento na cadeia de suprimentos da empresa, governança corporativa, a forma que a empresa tem lidado com as acusações de corrupção e, ainda, pela maneira como foi tratada a segurança de seus funcionários em meio à pandemia da covid-19. As plantas da JBS sofreram surto da doença, com a Justiça paralisando as atividades em algumas unidades.

Pedersen citou que seus fundos ESG já evitam companhias que tenham esse tipo de exposição, como os apontados no caso da JBS, mas que agora o movimento é mais amplo, de forma a abranger os demais fundos da gestora. Em resposta, a JBS afirmou que "está totalmente comprometida com a erradicação do desmatamento" e que seus instrumentos de governança são "rígidos". A empresa lamentou "não ter sido procurada" pelo Nordea para apresentar suas ações.

A decisão de desinvestimento de um fundo, como o de perfil do Nordea, é sempre o último recurso, afirma Marcelo Seraphim, representante do Principles for Responsible Investment (PRI) no Brasil, organização criada com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) para ajudar os investidores a incorporar as questões ambientais, sociais e de governança (ESG, inglês) em suas decisões de investimento e nas suas relações com as empresas investidas. "O fundo prefere esgotar seus esforços de engajamento individuais e coletivos. Por exemplo, o Nordea é um dos membros do Investors Iniciative for Sustainable Forest, um projeto que o PRI coordena para melhorar o monitoramento das empresas da cadeia de carne e soja", comenta o representando do PRI no Brasil. "A percepção de risco e a estratégia de investimento são aspectos que dependem de cada gestora. Mas o movimento do Nordea acende uma luz amarela certamente. Bom destacar que os maiores investidores institucionais estão cada vez mais parecidos com a Nordea", comenta.

Pioneiro da temática ESG no Brasil, o sócio-fundador da Fama Investimentos, Fábio Alperowitch, afirma que o Brasil está ao menos 30 anos atrasado em relação a esse assunto, que vem ganhando cada vez mais os holofotes mundiais. "Muitos investidores ainda têm o foco só no financeiro, mas fundos como a Nordea, o nosso, exercem sua responsabilidade de não compactuar com determinadas práticas. Os investidores ainda são míopes em relação ao futuro dessas empresas, já que companhias que desmatam e poluem terão piores negócios, seja porque perderão mercado de médio a longo prazos, seja porque os consumidores migrarão para outras marcas", afirma.

O sócio da Fama, um dos únicos fundos brasileiros signatários de um manifesto global no ano passado para a defesa da Amazônia, destaca que empresas ao redor do mundo estão se comprometendo para serem neutras na emissão de carbono e que, nesse sentido, a Amazônia tem um papel relevante para que isso possa ser feito. O Brasil poderia, assim, ser um dos maiores exportadores do mundo em crédito de carbono, mas deve perder essa oportunidade por conta do descaso do governo com a Amazônia.

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"Durante muito tempo o Brasil não debateu direito nem sobre direitos humanos ou meio ambiente. Por aqui, o mercado financeiro trata, há décadas, esse assunto como se fosse de esquerda e repudiavam esses temas. Agora, o assunto chega aqui com força e o mercado financeiro brasileiro ainda é ignorante sobre esse assunto", frisa. "No geral, acaba prevalecendo a questão comercial. Muitos falam do tema porque atrai investidores."

Ameaça cumprida

A ameaça de saída de investidores do Brasil começou no ano passado, momento em que as queimadas na Amazônia sofreram uma escalada, com a crise sendo mitigada pelo governo de Jair Bolsonaro, que recebeu, na época, críticas de líderes de grandes potências mundiais, como a França. Neste ano os investidores elevaram o tom e neste mês dez fundos estrangeiros se reuniram com o vice-presidente Hamilton Mourão, que é o presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, e solicitaram que o Brasil reduza suas taxas de desmatamento.

Provando relevância sobre o tema, os três grandes privados, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander lançaram semana passada um plano conjunto para promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia. A proposta inclui dez medidas, como estímulo às cadeias sustentáveis na região e viabilização de investimentos em infraestrutura básica para o desenvolvimento social e ambiental. O cronograma prevê a implementação desses itens ainda em 2020.

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O KLP, maior fundo de pensão da Noruega, com US$ 80 bilhões em ativos sob gestão, investe em 58 companhias brasileiras e já baniu a JBS, além de Vale e Eletrobrás, de sua carteira. "Estamos continuamente monitorando todos os nossos investimentos. Se houver algum risco inaceitável, de corrupção, de contribuição para violação de direitos humanos ou degradação do meio ambiente, tomamos a decisão de desinvestir dessas empresas", disse ao Estadão/Broadcast a chefe da área de investimentos responsáveis do KLP, Jeanett Bergan.

A executiva do KLP conta que a Vale foi excluída por questões ambientais e de direitos humanos. A Eletrobrás por risco de corrupção. "Temos regras bem restritas de investimento e ao redor de 600 empresas estão excluídas da nossa carteira." Jeanett alerta que quando o fundo resolve parar de investir em empresas, acaba sendo seguido por outros gestores. "Quando a KLP desinveste de uma empresa, o faz de maneira transparente, com um raciocínio completo por trás de nossa decisão. Isso torna mais fácil para outros investidores usarem nossas informações e seguirem nossas decisões em seus aportes." Antes do KLP, o fundo de pensão sueco AP1 já havia banido a Vale de suas carteiras, se desfazendo de ações e bonds que tinha da empresa.

Para um gestor em Nova York, as assets dos Estados Unidos ainda estão "um passo atrás" em relação à Europa nos investimentos sustentáveis, mas é "questão de tempo" até que alguns fundos americanos mais preocupados com esses investimentos sigam o exemplo dos europeus e comecem a ser mais seletivos com empresas brasileiras. O tema ESG vem ganhando cada vez mais espaço na comunidade de investimentos americana e deve ter impulso ainda maior caso os democratas vençam as eleições presidenciais de novembro, disse ele.

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