Inglês para trabalho: empresas cobram, mas o quanto é necessário?

Empresas buscam idioma em candidatos, mas nem toda vaga precisa de inglês como pedido; plataforma usa inteligência artificial para medir peso nas seleções

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Por Amanda Calazans
5 min de leitura

Jackie Oliveira estuda inglês há muitos anos. Já cursou escolas de idiomas, tomou aulas com professor particular e fez intercâmbio. Além disso, é gerente de engenharia de software, então trabalha em contato com a linguagem da tecnologia toda em inglês. Ainda assim, essa experiência não a livrou da surpresa que o trabalho na Loggi lhe trouxe.

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O período de imersão na cultura da empresa, para a qual entrou há dois meses, foi uma prévia do que ela viveria todos os dias, porque ali já conheceu colegas estrangeiros e participou de reuniões em inglês. A surpresa se deu porque o processo seletivo não cobrou o conhecimento, embora constasse do currículo de Jackie. Assim, ela percebeu sozinha que era o momento de “ligar no ouvido o chipzinho para entender inglês”, brinca.

Apesar de a funcionária usar mais o idioma do que o que foi cobrado para entrar na empresa, o mercado de trabalho também sofre o inverso: cobra-se fluência em inglês ainda que o candidato não vá usá-lo no seu dia a dia. Em 2021, a plataforma de recrutamento e seleção Gupy observou aumento de 36% na frequência do requisito nos anúncios de vagas em comparação ao mesmo período do ano passado.

O debate é ainda mais frequente em vagas de empresas que trabalham com programação e tecnologia da informação (TI) e, nos últimos anos, também por conta da expansão internacional de startups brasileiras e da chegada de multinacionais no País, como Netflix, LinkedIn e Spotify. Segundo a Associação Brasileira de Startups, hoje há 13,5 mil empresas do tipo no Brasil, resultado de um crescimento de cerca de 100% ao ano desde 2011.

Jacqueline Oliveira é gerente de engenharia da Loggi e usa o idioma para ler artigos, escrever códigos e apresentar projetos em grupos. Foto: Felipe Rau/Estadão

Para equilibrar a conta, consultorias de RH têm pedido aos gestores mais informações sobre a rotina de trabalho que aguarda o candidato e usado até inteligência artificial para entender melhor a necessidade de cada cliente. “Muitas empresas apontam o inglês como um pré-requisito, mas, por não ser tão relevante no dia a dia, essa habilidade acaba não sendo determinante na contratação”, afirma o CMO (Chief Marketing Officer) e cofundador da Gupy, Guilherme Dias.

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A plataforma usa inteligência artificial para entender quais características profissionais são levadas em conta pelos contratantes. Dessa forma, consegue atribuir pesos diferentes para os itens de perfil e currículo. A exigência do inglês está presente em 20% das vagas de emprego publicadas na Gupy atualmente, enquanto 31% dos currículos cadastrados possuem a habilidade.

O peso dado aos idiomas, em média, é de 3%. “Esse peso varia segundo o perfil da empresa e também com o escopo da vaga, já que uma companhia global tende a ter um segundo idioma como pré-requisito, mas apenas para vagas de níveis e departamentos que realmente precisarão interagir com pessoas de outros países, por exemplo”, explica Dias.

É o caso de Jackie na startup de logística. Ela usa o idioma para escrever a documentação de projetos, aprender novas ferramentas e fazer apresentações. A gerente de engenharia ainda lida com a língua no desenvolvimento de códigos — inclusive os verbos. “A Loggi percebeu que o inglês faz parte da comunidade tech”, diz ela.

Qual o nível de inglês para a vaga

Em reunião com clientes, a consultoria RH Share costuma perguntar o que a empresa considera como inglês avançado: desenrolar uma conversa fluida, fazer uma leitura técnica ou entender uma reunião e interagir minimamente?

“Em escolas, você tem níveis bem claros do que se considera avançado, fluente, intermediário. Mas no mundo corporativo essa linha nem sempre é clara”, explica Douglas Rufino, head de recrutamento e seleção da consultoria.

Para vagas que requerem entrevistas em língua inglesa, além da avaliação objetiva, o consultor observa o quão confortável no idioma o candidato parece estar. Rufino conta que há casos em que se pode sugerir à empresa trabalhar alguma limitação que o candidato apresenta. “É importante o entendimento do nível que o cliente precisa para a gente não perder perfis bons”, diz ele.

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No caso da startup do setor imobiliário QuintoAndar, quando é solicitada a língua inglesa para uma vaga, a empresa costuma especificar o uso que o conhecimento poderá ter no trabalho. Para o cargo de performance marketing coordinator, por exemplo, foi explicado no anúncio que o colaborador “poderá participar de reuniões em inglês com parceiros ou fornecedores”.

“Essa é uma característica muito forte do QuintoAndar. A gente tem uma preocupação grande de ser transparente com o que a gente precisa, quando a gente precisa, de que jeito a gente precisa”, diz Aline Esteves, diretora de people da startup.

Aprendizado contínuo com idiomas

Segundo Jackie, quem não fala inglês tem espaço na Loggi, mas o ambiente motiva a desenvolver a língua. Na “daily”, por exemplo, a gerente conversa em português por não ter estrangeiros na equipe, mas durante a “sync”, reunião em que apresentam projetos, usa o segundo idioma quem se sentir confortável.

A empresa onde Jacqueline trabalha oferece incentivo educacional que pode ser usado para fazer cursos de idioma. Foto: Felipe Rau/Estadão

“Quando você vira para o lado e vê que o amigo talvez fale o inglês com um pouco de sotaque, gaguejando, mas tem termos técnicos (e todo mundo se entende em termos técnicos), isso dá uma liberdade muito grande”, afirma ela. A Loggi oferece aos colaboradores um incentivo educacional que pode ser usado para fazer cursos de idioma.

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O fundador da escola Wise Up, Flávio Augusto da Silva, compara a decisão de um adulto de voltar a estudar inglês a tomar uma injeção de Benzetacil: “É dolorido, mas resolve o problema dele”. Para o empresário, o aluno mais velho não encara o idioma como prazer, mas como um investimento profissional.

Especializada em inglês para adultos, a instituição tem como método não infantilizá-los. Em vez disso, traz para as aulas temas de interesse como liderança, oratória e gestão emocional. Os alunos da escola, em geral, estão empregados.

Criador do projeto de desenvolvimento pessoal Geração de Valor, Flávio Augusto diz que qualquer pessoa pode aprender a língua sozinha, sem a necessidade de escolas. “Mas a curadoria desse assunto, as ferramentas necessárias, a especialização e a produção exclusiva que nós temos ajuda o aluno a atingir isso mais rápido”, destaca o empresário.